Estes dois gestores alertaram há 10 anos para risco de fraude na CGD. Agora vão ao Parlamento
Manuel de Oliveira Rego e Eduardo Paz Ferreira são os responsáveis que se seguem na comissão da CGD. Ambos alertaram em 2007 para o risco de "fraudes e erros" no banco público.
“Fraudes e erros”. Era assim que o Revisor Oficial de Contas (ROC) da Caixa Geral de Depósitos (CGD) alertava logo em 2007 para o risco de irregularidades no controlo interno do banco público, nomeadamente no que toca à gestão do risco, ao compliance (verificação do cumprimento de regras) e à auditoria interna. Os avisos foram sucessivamente repetidos pelo conselho fiscal até 2014, tendo em conta os pareceres do ROC, mas não mereceram a devida atenção da parte dos governos e do Banco de Portugal.
Esta terça e quarta-feira, são ouvidos no âmbito da II comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da CGD e aos atos de gestão os responsáveis que estiveram à frente dos dois órgãos de fiscalização do banco público durante grande parte das últimas duas décadas.
Primeiro, é Manuel de Oliveira Rego, da Oliveira Rego & Associados, quem responde perante os deputados a partir das 15h00 desta terça-feira relativamente ao seu trabalho enquanto ROC do banco público entre 2000 e 2016, período abrangido pelo relatório da auditoria da EY aos atos de gestão no banco público. Não será propriamente uma estreia em comissões de inquérito a bancos: em 2012, Oliveira Rego tinha ido ao Parlamento explicar o acompanhamento que a sua sociedade revisora fez às contas do nacionalizado BPN. Depois, a partir das 17h00 de quarta-feira, será a vez de Eduardo Paz Ferreira, que na CGD presidiu ao conselho fiscal entre 2007 e 2010 e, posteriormente, à comissão de auditoria entre 2011 e 2015, ir à Assembleia da República.
O Revisor Oficial de Contas salienta que foram identificadas algumas situações de exceção e apresentadas recomendações resultantes da perceção que obteve do sistema de controlo interno e alerta para o facto de, tendo em conta as limitações inerentes aos sistemas de controlo interno, fraudes ou erros podem ocorrer sem serem detetados.
Estas audições visam sobretudo responder à questão dos grandes créditos que se revelaram lesivos para o banco público. Com os 25 principais financiamentos, a CGD veio a registar perdas por imparidade na ordem dos 1.200 milhões de euros. O relatório da auditoria da EY mostrou que, em muitas das operações, as regras internas e o risco não foram devidamente tidos em conta. E o que têm a dizer quem fiscalizou o banco neste período?
Em primeiro lugar, os responsáveis dos órgãos de fiscalização deverão explicar quais eram exatamente estes riscos de “fraudes e erros” que tinham sido detetados pelo ROC no relatório e contas de 2007.
Na altura, a Oliveira Rego & Associados até considerava que o “ambiente de controlo interno existente na CGD” era “adequado à dimensão e à natureza e risco das atividades desenvolvidas” pelo banco. Porém, foram “identificadas algumas situações de exceção e apresentadas recomendações resultantes da perceção que obteve do controlo interno e alerta para o facto de, tendo em conta as limitações inerentes aos sistemas de controlo interno, fraudes e erros podem ocorrer sem serem detetados“, dizia o conselho fiscal do banco, liderado por Paz Ferreira, acrescentando que iria acompanhar “esta matéria em articulação técnica com o ROC”.
Depois, colocam-se outras questões sobre de que forma o banco, acionista (Estado) e supervisor (Banco de Portugal) tiveram em conta estes alertas e implementaram medidas para mitigá-los.
Eduardo Paz Ferreira disse que, enquanto fiscalizadores, tanto ele como o ROC cumpriram os seus “deveres fazendo os alertas”. Reconhecia, ainda assim, que os avisos “não tiveram grande tradução de medidas, nomeadamente do Ministério das Finanças, para quem estes relatórios eram enviados”, segundo disse ao Jornal Económico.
Em termos gerais, a Comissão de Auditoria considerou que o sistema de controlo interno existente na CGD é adequado à dimensão e à natureza e risco das atividades desenvolvidas, existindo alguns aspetos a melhorar, cuja evolução continuará a acompanhar ao longo do exercício de 2014.
Mas quão incisivos foram o ROC e a comissão de auditoria para que estes alertas tivessem o adequado seguimento?
Uma análise aos vários relatórios e contas da CGD permite acompanhar um pouco a evolução do tema ao longo dos anos. Por exemplo, em 2008, após um aviso do Banco de Portugal para o todo o sistema, o conselho fiscal notou na CGD uma “evolução muito significativa no processo de reorganização interna da área do controlo dos riscos nas várias vertentes, designadamente através do projeto Risco Operacional e Controlo Interno”. Nos anos seguintes, o conselho fiscal salientava a “melhoria nos procedimentos de controlo interno ao nível das funções de gestão de riscos, compliance e auditoria interna”, mas também dava conta de um “conjunto de deficiências e/ou aspetos a melhorar”. Até 2014 estes avisos foram sendo repetidos, ou seja, abrangendo várias administrações do banco, dois governos (José Sócrates e Passos Coelho) e dois supervisores (Vítor Constâncio e Carlos Costa).
Florbela Lima, partner da EY, revelou na semana que a auditoria ao banco detetou várias falhas no cumprimento do “normativo” ao longo dos anos em análise. Mas auditora recusou associar esses desvios às regras internas às perdas com o crédito. “Há muito mais fatores”, disse Florbela Lima, que foi à mesma comissão na última terça-feira. Vítor Constâncio, admitiu “falhas em relação a alguns aspetos da supervisão” mas não só em Portugal. O antigo governador do Banco de Portugal também disse que a “CGD sempre foi uma instituição que nunca deu muitas preocupações” ao supervisor.
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