Do blockchain à inteligência artificial, como a tecnologia está a mudar os investimentos em Portugal

Instituições financeiras mais eficientes, maior conveniência e menores custos para os clientes são os ganhos que a tecnologia traz aos investimentos. Portugal está a entrar na onda, mas há riscos.

Robôs que dão conselhos, inteligência artificial que acelera processos ou fintech que engordam rendimentos… Não são coisas de filme de ficção científica passados no ano de 2319 nem exclusivos de sítios onde tudo parece ser smart ou cutting edge, ao género de Sillicon Valley. A tecnologia já está presente nos investimentos em Portugal, trazendo mudanças nos hábitos, maior eficiência para as instituições financeiras e menores custos para os clientes.

Já há bancos, gestoras de ativos e outras empresas financeiras no país a apostarem no desenvolvimento e implementação de tecnologia, quer seja ao nível dos procedimentos internos, na relação com os clientes ou nas escolhas de investimento. O objetivo é aumentar a rentabilidade para os investidores e a eficiência para as instituições.

A mais recente tecnologia a chegar a Portugal foi o robô advisor através de uma parceria entre o banco Best e a gestora de fundos alemã DWS. Foi lançado no início de abril e é um serviço de gestão discricionária de carteiras, em que as decisões de investimento são suportadas por automação e big data, mas tomadas por um gestor de ativos. O Best Robot Advisor está disponível para investimentos únicos a partir de 400 euros ou periódicos de 50 euros por mês.

O Best tinha já sido responsável pelo primeiro fundo de investimento gerido por inteligência artificial em Portugal, disponível desde dezembro de 2017. No fundo Acatis AI, que investe em ações de 50 empresas mundiais, a análise das cotadas é feita por um robô, mas também aqui as decisões são humanas. Após ter desvalorizado 10% em 2018, o fundo já soma mais de 20% este ano.

Apesar de não ser único, este banco tem sido dos que mais inovações tecnológicas tem adotado no país. “O Best é um banco que sempre apostou na inovação durante os 18 anos de existência. Quando foi lançado, em 2001, foi na base de ser um banco 100% digital, numa fase em que não era essa a tendência no setor”, explicou António Martins, diretor de marketing do Best, ao ECO, apontando para a aposta em produtos e serviços inovadores tanto no que diz respeito à tecnologia como à oferta de produtos de poupança, investimento ou trading.

Todos os anos são gastos mais de um milhão de euros em inovação, ora para o cliente ora para a organização, porque consideramos ser crítico acompanhar a evolução dos tempos”, afirmou. O banco tem vindo a acrescentar parceiros e a estudar novas propostas de produtos de investimentos externos, tendo criado também um programa interno para trabalhar com fintechs. Quanto à aceitação pelos clientes, António Martins diz ser “ótima” porque estes “sabem e apreciam bastante a simplicidade, facilidade de acesso e possibilidade de monitorização continua online e em tempo real”.

Fotomontagem: Lídia Leão / ECO

Relação com clientes mais próxima e mais digital

De forma mais discreta, há vários outros bancos a adotarem soluções tecnológicas para autonomizarem processos e melhorarem o serviço que prestam aos investidores. Na gestora de ativos do Novo Banco, a GNB GA, “o foco tem sido sobretudo acompanhar os desenvolvimentos de projetos e plataformas que funcionem com base no protocolo blockchain, como explicou fonte oficial, apontando para diversas iniciativas na Europa com consórcios formados e algumas iniciativas individuais de grupos internacionais.

“Os ganhos de eficiência no processo de comercialização de fundos de investimento e todo o trabalho associado à gestão dos mesmos é claro. No entanto existem dúvidas sobre que modelos vão ser os vencedores. Assim, a GNB GA estabeleceu e mantém relação com diversas iniciativas ao mesmo tempo que vai marcando presença nas mais relevantes conferências sobre blockchain“, acrescentou.

Tanto a Caixa Geral de Depósitos como o BPI confirmaram ao ECO que recorrem a inteligência artificial em processos internos ou na gestão da comunicação com os clientes nos canais digitais. “Permite identificar e priorizar automaticamente as mensagens relevantes para os clientes em cada instante, com o objetivo de melhorar a qualidade de serviço e o relacionamento com os clientes nestes canais”, referiu fonte oficial do BPI.

A relação com os clientes é também o campo onde a tecnologia está a ter maior sucesso no BiG – Banco de Investimento Global, através da ferramenta BiG Total Banking, que apresenta no site ou na app uma visão agregada tanto de saldos como de ativos financeiros de todas as contas bancárias e investimentos que o cliente tenha em diversas instituições financeiras.

Simão Cruz, responsável pelas áreas de new business development and innovation do BiG explicou ao ECO que o BiG Total Banking surgiu de um contacto próximo com o cliente e com a identificação desta necessidades. “No mercado internacional começaram a aparecer algumas ferramentas que agregavam as várias contas bancárias do dia-a-dia e organização a informação de acordo com a área como alimentação, viagens, vestuário, etc., os personal finance managers (PFM). No entanto, o cliente BiG não tinha uma solução para as suas necessidades – uma ferramenta que permitisse ver todo o seu portefólio financeiro”.

Dada a lacuna, a gestão tem de ser feita de acordo com o portefólio em cada banco, de forma independente, e os clientes têm de entrar nas várias contas e fazer o próprio tratamento dos dados. “O BiG Total Banking surge da intenção de facilitar a gestão do património do cliente através de uma ferramenta focada em investimento e poupança, a qual agrega toda a informação do cliente por banco ou por ativo (ações, obrigações, fundos de investimento, depósitos, ou outros ativos), e apresenta de forma intuitiva através de gráficos ilustrativos”, refere Simão Cruz.

Semelhante é a solução oferecida pelo Millennium bcp, cuja plataforma para investidores não profissionais — a MTrader — passou em abril do computador para os telemóveis com o lançamento da nova app. O quicktrading para acelerar a colocação de ordens de Bolsa ou o streaming de cotações para os principais mercados mundiais foram algumas das novidades para os clientes, que têm ainda acesso a notícias, research, mapas de dividendos e agendas.

Menos custos e maior conveniência para os investidores

Se do lado dos bancos há ganhos de eficiência e competitividade, os grandes vencedores são mesmos investidores. A digitalização e tecnologia não só democratizam os investimentos como reduzem os custos e aumentam a facilidade. “Em termos de desenvolvimento tecnológico e digitalização, Portugal sempre esteve na vanguarda e não se encontra distante da realidade dos restantes países desenvolvidos. No que diz respeito a tecnologias no campo dos investimentos, isto também é verdade”, afirma Mário Martins, analista da corretora ActivTrades, com sede em Londres e especializada em canais digitais.

A generalização do uso de ferramentas tecnológicas permite aos fornecedores de serviços baixarem taxas e diversificarem oferta já que quanto menos pessoas estão envolvidas numa operação, menor é o custo associado, diz Mário Martins. As ferramentas de investimento atuais permitem acesso a qualquer praça financeira mundial em milissegundos e a uma fração do custo que era habitual há poucos anos. Já no que diz respeito à conveniência, passou a ser possível abrir uma conta de investimento num computador portátil ou negociar ações na abertura de Wall Street enquanto se toma um café na esplanada, exemplificou.

O investidor português é muito conservador. As tecnologias existem, mas o cliente prefere falar pessoalmente com um interlocutor humano a usar ferramentas tecnológicas. Contudo, as novas gerações começam a mudar este panorama e recorrem cada vez mais a ferramentas tecnológicas. Neste momento, o único limite a próximas inovações é a imaginação.

Mário Martins

Analista da corretora ActivTrades

Por outro lado, a maior facilidade e menores encargos financeiros consegue-se à custa de maiores riscos, como reconhecem as próprias instituições financeiras. Sistemas de proteção dos dados pessoais (em linha com o RGPD – Regulamento Geral de Proteção de Dados), certificação ISO 27001 de controlo e limitação de danos em caso de quebras de segurança ou sistemas contra fraude (AML – anti money laundering) estão entre os processos implementados.

Mas há ainda outro obstáculo: o conservadorismo dos aforradores nacionais. Os portugueses são tipicamente investidores cautelosos e que arriscam pouco, pelo que a adoção de novos canais e soluções poderão encontrar alguma resistência. Os únicos dados oficiais dizem respeito às ordens sobre instrumentos financeiros e indicam que mais de dois terços dos investimentos são feitos online. Quanto à adesão a instrumentos tecnológicos, não há dados, mas os bancos falam de forte adesão e interesse dos clientes e rejeitam que sejam apenas os mais jovens. O analista da ActivTrades concorda que se esteja a evoluir, mas considera que este ainda é um entrave.

“O que se verifica no mercado nacional é que o investidor português é muito conservador. As tecnologias existem, mas o cliente prefere falar pessoalmente com um interlocutor humano a usar ferramentas tecnológicas. Contudo, as novas gerações começam a mudar este panorama e recorrem cada vez mais a ferramentas tecnológicas”, sublinhou Mário Martins. “Neste momento, o único limite a próximas inovações é a imaginação”.

Novas apostas dentro e fora do mercado de capitais

Não foi precisa muita imaginação para os gestores verem o potencial da tecnologia, não só no que diz respeito às suas aplicações, mas também para investir. Nos últimos anos proliferaram os fundos que apostam em empresas do setor. É o caso do Allianz Global Artificial Intelligence comercializado em Portugal pelo Banco Invest, do BlackRock ETF Automation and Robotics, do Credit Suisse Lux Global Robotics Equity ou do Fundo Edmond de Rotschild Big Data, entre outros.

“Ao nível da inteligência artificial e robótica, o foco tem sido sobretudo do lado do investimento nas empresas mais promissoras nestas áreas, sobretudo através do nosso Fundo NB Momentum. A política de investimentos do fundo está alinhada com a procura de empresas que estejam expostas às principais tendências de longo prazo. O fundo está assim exposto a diversas empresas que operam nestes segmentos”, referiu fonte oficial da gestora de ativos do grupo Novo Banco, sobre o fundo que foi criado em 2015 e apresenta uma rentabilidade anualizada de 3,29%.

Além disso, abriram-se novas oportunidades de investimento fora do mercado de capitais. Apesar de as criptomoedas terem perdido força (com a capitalização de mercado do universo a tombar 80% para os atuais 172 mil milhões de dólares, face ao pico de 814 mil milhões em janeiro de 2018), as fintech têm ganho destaque. Em Portugal, Raize, Go Parity, Seeders ou Housers são algumas das opções disponíveis para os investidores.

O principal objetivo da regulação é proteger quem investe e há uma confiança que estas plataformas ainda têm de conquistar. Investir através da internet ainda é um entrave face à banca.

Pedro Bernardino

Head of compliance do Bison Bank

A Raize, que funciona como uma espécie de bolsa de capitais em que aforradores privados investem em pequenas e médias empresas (PME), tornou-se a mais conhecida entre os portugueses quando ela própria entrou na bolsa de Lisboa. Com mais de 48 mil investidores, oferece um retorno médio de 6,49%. A par Seedrs, que funciona de forma semelhante que não é portuguesa mas tem atividade no país, apresenta uma rendibilidade média de 12,02%.

Já a Go Parity, primeira plataforma de financiamento colaborativo registada em Portugal, tem uma característica diferente: além do retorno, foca-se no investimento de impacto, especialmente social ou ambiental, e na sustentabilidade. A Housers é uma forma de aproveitar o boom imobiliário em Portugal, Espanha e Itália, já que oferece aos investidores a possibilidade de contribuir financeiramente para as construções e recolher rendimentos do empreendimento.

Em todos os casos, o investidor sabe à partido o prazo do investimento e (nalguns casos) pode escolher se prefere juro fixo ou variável. No que diz respeito à regulação, a Raize tem estatuto de prestador de serviços de pagamento e de plataforma de crowdfunding, enquanto a GoParity tem também a segunda categoria. Estas fazem com que sejam sujeitos a maior escrutínio por parte do Banco de Portugal e da CMVM. No entanto, as quatro plataformas veem com bons olhos a maior regulação por considerarem que dá maior confiança aos investidores conservadores portugueses.

O principal objetivo da regulação é proteger quem investe e há uma confiança que estas plataformas ainda têm de conquistar. Investir através da internet ainda é um entrave face à banca“, disse Pedro Bernardino, head of compliance do Bison Bank, no Portugal Financial Forum, lembrando o caso da Revolut, que terá desligado durante três meses os sistemas anti-lavagem de dinheiro. “Não pode acontecer porque compromete a credibilidade destas plataformas, mas a realidade é que há escândalos em relação à banca e ninguém questiona o nível de confiança“, acrescentou.

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