Avaliação da banca corta 30% ao preço das casas em Lisboa

Se no primeiro trimestre de 2016 a avaliação bancária das casas na capital estava ao mesmo nível do preço de venda, agora o diferencial é elevado. Os bancos estão a proteger-se da escalada dos preços.

Apesar de algum abrandamento, os preços das casas continuam a aumentar. É uma realidade em todo o país, mas é especialmente visível na capital portuguesa. Uma escalada que não está a ser, contudo, acompanhada pela avaliação que os bancos fazem dos imóveis na altura de concederem aos particulares crédito para a compra de habitação. Há uma postura de maior conservadorismo por parte do setor que está a ditar cortes de cerca de 30% ao valor dos imóveis em Lisboa.

Se no primeiro trimestre de 2016 a avaliação bancária das casas situadas na capital estava quase ao mesmo nível do preço de venda, de acordo com a comparação entre os valor do metro quadrado dos imóveis feita pelos avaliadores que prestam serviços para a banca e o preço a que efetivamente são fechados os negócios revelados pelo INE, a realidade no final de 2018 era muito distinta.

Avaliação da banca cada vez mais aquém dos preços

Fonte: INE | Dados trabalhados pelo ECO

Há três anos, o preço do metro quadrado das casas situadas em Lisboa estava a ser avaliado pela banca a 1.895 euros, enquanto o preço médio de venda era de 1.875 euros. Ou seja, a avaliação bancária estava 1,07% acima do preço médio de venda.

A partir dessa altura começou-se a assistir a uma subida tanto da avaliação bancária, como dos valores de transação, mas com estes últimos a crescerem a um ritmo cada vez mais acelerado, de modo que chegado ao final de 2018, a relação entre os dois indicadores inverteu-se. Se no último trimestre do ano passado o metro quadrado estava a ser avaliado por 2.162 euros pelos bancos, o preço de venda já estava nos 3.010 euros, em média. Ou seja, a avaliação já está praticamente 30% aquém do preço de venda.

Deve notar-se que as avaliações não desceram, bem pelo contrário. Aumentar as avaliações em cerca de 20% em três anos é significativo. Os preços é que subiram muito mais depressa do que as avaliações.

Filipe Garcia

IMF

Trata-se de um cenário distinto face à realidade observada tanto a nível nacional, como nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, bem como da cidade do Porto. Aí, as avaliações bancárias continuavam acima dos preços de venda no final de 2018, apesar de a distância entre os dois indicadores ter ficado mais curta.

No início de 2016, o valor atribuído pelos bancos aos imóveis superava em 26%, 13% e 27,5%, respetivamente, o preço de venda a nível nacional, das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, e da cidade do Porto. Já no final de 2018, a distância tinha encolhido para 22%, 12% e 23%, respetivamente.

Cautela dita distanciamento das avaliações face aos preços

A realidade que se observa na cidade de Lisboa é atribuída por especialistas consultados pelo ECO a um conservadorismo das avaliações dos avaliadores e da própria banca num cenário de subida de preços que poderá ser considerado já excessivo na capital.

“Deve notar-se que as avaliações não desceram, bem pelo contrário. Aumentar as avaliações em cerca de 20% em três anos é significativo. Os preços é que subiram muito mais depressa do que as avaliações“, começa por dizer Filipe Garcia, CEO da IMF. “Isto pode refletir algum conservadorismo dos bancos no sentido em que mesmo aprovações de 100% da avaliação, que não são de todo a regra, significam que o banco fica mais defendido quanto a um eventual recuo do preço de mercado no caso de ter de executar a hipoteca”, refere a este propósito o economista que identifica ainda outro elemento na fórmula. “Pode significar que os preços subiram demasiadamente depressa e que os avaliadores – que são em princípio independentes – consideram que é, para já, uma valorização excessiva do imobiliário”, acrescenta.

Como sabem que o preço [das casas] está a subir, o setor financeiro e os próprios avaliadores protegem-se.

Luís Lima

APEMIP

Luís Lima, presidente da APEMIP que representa as imobiliárias, tem uma opinião próxima. “Pode ser um fator defensivo em termos do cálculo de risco da operação por parte dos bancos” acredita Luís Lima, levando assim a que “seja mais exigentes na avaliação bancária”. “Como sabem que o preço está a subir, o setor financeiro e os próprios avaliadores protegem-se”, acrescenta.

Os dados do INE mostram que os preços das casas vendidas em Lisboa cresceram ao triplo do ritmo de subida verificada a nível nacional, no acumulado dos últimos três anos, com o valor do metro quadrado a estar já acima dos 3.000 euros (3.010 euros). “Porto e Lisboa têm sido as que mais têm valorizado, tendo Lisboa iniciado o processo. Isto explica-se pela maior atratividade destas localizações, tendo como pano de fundo a pressão demográfica (de portugueses e imigrantes) e o turismo, o que atraiu muito investimento“, afirma Filipe Garcia.

Luís Lima explica ainda que “mais de 60% da procura de casas é em Lisboa e no Porto”, falando numa “pressão muito grande” nessas zonas do país, mas que é particularmente notória na capital do país.

Bolha imobiliária? “Não estamos aí”

Ainda na semana passada, Pedro Castro e Almeida, CEO do Santander Totta, afirmou que quem comprou casa até ao ano de 2016 “comprou bem”, uma afirmação que poderia eventualmente poder ser interpretada como sinal da existência de uma bolha nos preços do imobiliário.

Filipe Garcia não acredita que esteja em causa um cenário desta natureza. “Partilho da opinião de que quem comprou em 2016 comprou bem porque, indubitavelmente, os preços estão agora bem mais altos“, diz, considerando que “o tema da bolha é mais discutível” já que “não se vê de forma muito frequente dois fenómenos típicos de bolha imobiliária que são a compra para venda pouco depois, nem casas vazias”.

Partilho da opinião de que quem comprou em 2016 comprou bem porque, indubitavelmente, os preços estão agora bem mais altos. O tema da bolha é mais discutível porque não se vê de forma muito frequente dois fenómenos típicos de bolha imobiliária que são a compra para venda pouco depois, nem casas vazias.

Filipe Garcia

IMF

O economista lembra que as compras, mesmo que possam ser consideradas a preços altos, têm como finalidade ou a habitação ou o investimento para arrendamento, muitas vezes com reabilitação associada, numa fase em que diz há poucas alternativas. “Portanto, uma coisa é falar de uma alta de preços que pode colocar as coisas em valores difíceis de superar, outra é uma bolha que ao rebentar provoque uma queda acelerada dos preços de venda ou de arrendamento. Creio que não estamos aí”, considera.

Luís Lima salienta, contudo, que no segmento alto, os preços já são mais “esticados”. “Já começa a haver alguma tomada de consciência de que os preços não podem subir até ao céu”, diz relativamente a este segmento, desvalorizando no entanto que tal possa indiciar a existência de uma eventual bolha. “No mercado médio, médio baixo, acredito aliás que nos próximos dez a 15 anos não há risco nenhum“.

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