Quando a falta de curso dá em demissão

Um, dois, três, quatro: em apenas um mês, o Governo disse adeus a quatro membros por causa de problemas relativos ao grau de escolaridade. Cada caso tem as suas nuances e o ECO relembra-lhe quais são.

Não é inédito. Governos anteriores também tiveram os seus casos de licenciaturas falsas ou informações incorretas publicadas em Diário da República. No entanto, no último mês esta tem sido uma constante no atual Governo socialista. Apesar de em muitos cargos não ser necessário ter uma licenciatura, há quem alimente currículos com informações erradas. Já vão em quatro das demissões do Executivo por causa do grau de escolaridade dos membros em questão, depois da primeira denúncia feita pelo Observador.

1. Rui Roque

Era o adjunto do primeiro-ministro para os Assuntos Regionais e foi o primeiro a cair no role de demissões por causa de licenciaturas falsas. O que dizia o despacho de nomeação do assessor de António Costa? Dizia que Rui Roque, de 37 anos, era licenciado em engenharia eletrotécnica e de computadores.

Problema? O adjunto do primeiro-ministro não tinha nenhuma licenciatura, tendo feito apenas quatro cadeiras do curso de Engenharia Eletrónica na Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de Coimbra, segundo avançou na altura o Observador. Por causa da denúncia de falsa licenciatura, Rui Roque saiu pelo próprio pé, tendo António Costa aceite a sua demissão.

2. Nuno Félix

O ex-chefe de Gabinete do secretário de Estado da Juventude e do Desporto não tinha uma licenciatura falsa… tinha duas: uma em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa e outra em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa. O documento que servia para nomear Nuno Félix foi fatal para a sua continuação no Governo. As universidades em questão confirmaram que Félix não tinham nenhuma das duas licenciaturas.

Por causa da polémica o então chefe de Gabinete do secretário de Estado da Juventude e do Desporto demitiu-se, mas defendeu-se dizendo que teria colocado que estava em frequência no Ensino Superior e não que era licenciado. Esta foi a segunda baixa do Governo em apenas uma semana.

3. Carla Fernandes

Cerca de um mês depois da semana fatídica com duas demissões, o Observador divulgou esta quarta-feira que — após uma análise aos currículos da equipa do Executivo — foram demitidos mais dois membros dos gabinetes do Governo por causa de casos semelhantes. Segundo o jornal, António Costa incumbiu a secretária de Estado Adjunta, Mariana Vieira da Silva, de resolver o assunto e dessa análise vieram mais duas demissões. A primeira foi Carla Fernandes, assessora do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos.

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A azul, a secretária de Estado Adjunta, Mariana Vieira da Silva.Paula Nunes / ECO

No entanto, este caso é ligeiramente diferente: não há prova efetiva de que a licenciatura é falsa porque a Universidade de Dublin — onde Carla Fernandes terá feito o bacharelato em Business Studies — não confirma nem desmente a denúncia. Contudo, Pedro Nuno Santos explicou o caso ao Observador: “Pedimos entrega de certificados de habilitações, mas a Carla não entregou e disse que não tinha forma de entregar e pediu a exoneração. Não ignorámos a mentira, mas não foi preciso tomar a iniciativa porque ela pediu a exoneração”.

Ou seja, a assessora de imprensa não conseguiu provar que tinha o bacharelato e, por isso, demitiu-se.

4. Fausto Coutinho

Um caso mais bicudo é o de Fausto Coutinho. O ex-diretor de informação da RDP era assessor de imprensa da ministra do Mar, mas caiu não por ter mentido nas suas habilitações. Pelo contrário: foi sincero no currículo que aparece no despacho de nomeação. Nesse documento relativo ao ex-jornalista pode ler-se o seguinte: “Em 2005, matriculou-se na Universidade Lusófona de Lisboa que, devido à sua intensa atividade profissional, não chegou a frequentar”.

O Observador escreve que o caso tornou-se viral nas redes sociais e Ana Paula Vitorino não terá ficado agradada com o ocorrido, principalmente por estar a ser partilhado como exemplo da falta de rigor dos membros do Governo. Resultado: Fausto Coutinho pediu a exoneração e, tal como Carla Fernandes, abandonou o Executivo.

Déjà Vu?

Sim, não foi a primeira vez que este tipo de polémicas assombrou um Governo. Em Executivos passados, os casos afetaram membros do Governo com maior peso político por causa do cargo que ocupavam. Nomeadamente, o caso da licenciatura de José Sócrates, ex-primeiro-ministro entre 2005 e 2011, e o de Miguel Relves, ex-ministro dos Assuntos Parlamentares do Governo de Pedro Passos Coelho.

1. Miguel Relvas

Recuemos ao ano de 2013. O verão desse ano foi quente para Miguel Relvas: o Ministério Público investigou uma queixa contra a licenciatura em em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona. Em junho deste ano, a TSF noticiou que Relvas ficou sem a licenciatura uma vez que o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa considerou nulo o grau de licenciado anteriormente atribuído.

Em causa está a atribuição do diploma depois de Miguel Relvas só ter feito quatro das 36 cadeiras do curso. As restantes foram atribuídas por equivalência, invocando a experiência e formação profissionais. A principal causa da anulação foram as duas cadeiras que Miguel Relvas teria feito e que, afinal, já tinham sido retiradas do plano de estudos da licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais. À falta de créditos académicos, o aluno universitário Miguel Relvas ficou sem licenciatura.

2. José Sócrates

O ex-primeiro-ministro ainda tem de ser tratado por Sr. Engenheiro? Na prática sim uma vez que o Ministério Público, apesar de considerar que a licenciatura é nula, não avançou com uma ação para invalidar a licenciatura em Engenharia Civil pela Universidade Independente. Porquê? No final do ano passado, o Ministério Público justificava a sua decisão com a falta de fiscalização ao funcionamento da faculdade em questão, encerrada em agosto de 2007.

Sócrates terá terminado a licenciatura em 1996, mas só em 1997 é que o conselho científico da instituição se reuniu. Esta sequência de eventos é importante para a história: a lei exige que esse conselho reúna para serem concedidas equivalências, tal como aconteceu no caso do ex-primeiro-ministro por este ter estudado anteriormente no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra e de Lisboa.

Editado por Mónica Silvares

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