Richard Baldwin ainda não vê impacto significativo da guerra comercial para a Europa, mas o economista alerta que, caso as taxas aos automóveis avancem, então haverá consequências económicas.
Richard Baldwin, economista e membro do Conselho Comercial do Fórum Económico Mundial, considera que, mais que uma guerra comercial entre EUA e China, há uma luta do presidente Donald Trump contra o mundo. Para já, ainda não vê grande impacto para a economia europeia, mas caso as taxas sobre as importações no setor automóvel sejam implementadas, os efeitos (e a retaliação) poderão ser grandes.
Professor de Economia Internacional em Genebra e antigo conselheiro económico da Administração Bush, Baldwin fala ainda das grande mudanças e ameaças que a tecnologia 5G traz para o mundo, em entrevista ao ECO, à margem do Fórum do Banco Central Europeu (BCE), que se realizou em Sintra.
Enquanto membro do Conselho Comercial do Fórum Económico Mundial, como está a ver a guerra comercial? Existe fim à vista? Espera uma onda global de protecionismo?
Enquanto Donald Trump for presidente, irá continuar a haver uma troca de taxas aduaneiras. Penso que Trump não irá retirar as taxas, nem a China. O que vejo é uma batalha, mas não uma guerra. Penso que este conflito irá continuar, mas se irá rebentar ou não, não é claro. Há a possibilidade de se tornar muito agressivo, muito rapidamente, e penso que no final deste mês, na cimeira do G20, vamos ter alguma ideia do que pode acontecer. Este é uma altura muito importante.
Muito do que vemos de guerra comercial está relacionado apenas com um homem — Donald Trump — e ele não está a fazê-lo apenas contra a China. Está a atacar a Europa, o Japão, o México, o Canadá… Basicamente, toda a gente. Agora acabou de se atirar à Índia. Trump criou uma luta sozinho contra o resto do mundo e o resto do mundo está a retaliar. Essa parte da guerra está relacionada apenas com ele e não tem grande apoio nos EUA. Mas as taxas aduaneiras não irão acabar enquanto ele for presidente, o que poderá ser daqui a oito meses ou quatro anos e oito meses.
Há outra parte dessa guerra?
Os EUA e a China têm um conflito há muito tempo. Qualquer que seja a próxima administração irá continuar a ter problemas com a China por causa da tecnologia. Poderão usar ferramentas diferentes, mas haverá uma questão relacionada com a ascensão tecnológica da China. Nesse caso, há apoio no país e não é algo que vá desaparecer.
Considera que as instituições internacionais têm clara noção das implicações desta situação para a economia global e, em particular, para a Zona Euro?
Sim. Cecile Malmström, que é a comissária europeia para o Comércio, está muito consciente do que se está a passar. Em termos de impacto económico, o que está a acontecer entre China e EUA não é, neste momento, muito penalizador para a Europa. Mas deu uma oportunidade à União Europeia de desempenhar um papel de liderança no comércio mundial, finalizando o acordo comercial com o Japão, implementando um acordo com o Canadá e ganhando destaque na Organização Mundial do Comércio.
O que é importante para a Europa, em relação a esta guerra comercial, são as taxas aduaneiras automóveis que Trump ameaçou implementar. O setor automóvel é muito importante para a economia europeia. Não só as exportações da Europa para os EUA, mas também as empresas europeias a operar nos EUA e que exportam para outros sítios.
Tudo o que Trump fez até agora é muito pequeno em comparação com o que pode acontecer com os automóveis. Tanto o Japão como a UE vão reagir de forma muito agressiva a taxas aduaneiras sobre o setor automóvel. Trump prometeu implementar taxas aduaneiras sobre os automóveis caso nada mude no comércio, portanto vamos ver o que acontece… É uma grande incerteza e pode ser enorme. Só aí é que começará a ter impacto na economia. Neste momento, penso que é algo grande para a China e para os EUA, mas tem apenas um impacto indireto para a Europa.
Tecnologia está a criar precariedade no trabalho, mas também mais e-commerce. Todas estes fatores estão a unir-se e a mudar o ambiente macro-económico. Os decisores políticos não têm noção ou estão em negação.
Os seus estudos nos últimos anos têm-se focado na tecnologia. Como é que vê o cenário global de desenvolvimento tecnológico?
Tenho pensado muito nisso e ainda não cheguei a nenhuma conclusão… Mas os meus pensamentos têm-se focado em algumas ideias. Primeiro, a mudança que está a acontecer na Huawei é só início e não o fim. É apenas a ponta do iceberg que aí vem. O 5G, que está a chegar, vai trazer maior ligação em rede. Se olharmos para os assuntos de privacidade de dados que a Europa tem promovido, a combinação destes dois fatores pode causar uma separação da internet.
Os dados passam a ser trocados automaticamente com o 5G e há regras de privacidade que impedem a troca de informação entre países que não têm padrões semelhantes. Isso significa que o impacto nos padrões de privacidade vão alastrar-se a toda a cadeia. Ainda estou a juntar as peças sobre este assunto…
Esses dois aspetos não são incompatíveis?
Poderá ter de haver uma separação das redes. Empresas europeias só podem usar redes compatíveis com as suas regras, mas não as outras. Portanto poderá haver uma divisão mais firme. Grupos de países com padrões de privacidade diferentes não poderão cooperar. Por exemplo, os EUA e a Europa têm regras semelhantes. A privacidade com o 5G não separa UE e EUA, mas na China são diferentes.
Vão ser criados dois blocos, um com EUA e UE e outro com China, África e América do Sul?
E Ásia central, sim. A ideia de fragmentação não é nova, já existe com a internet na China. A Rússia também parece interessada em ter uma rede autónoma dos restantes países. A minha questão é se realmente interessa ou não. Por exemplo, não se pode usar Paypal na China, mas as pessoas usam Alipay. Será que realmente interessa? Para alguns acionistas talvez, mas para as pessoas no geral, penso que não.
Não haverá custos acrescidos para as empresas, especificamente as tecnológicas?
Sim. Haveria uma separação no setor das empresas tecnológicas. A questão é se estas empresas estão integradas na economia real. É aí que eu penso que há falsas analogias com a guerra fria. Nessa altura, teve um impacto imediato na economia. Mas desta vez, não é claro. Mas não deixa de ser muito interessante porque tem implicações ao nível da segurança nacional e militar.
A internet das coisas permite a hackers entrarem em tudo porque está tudo ligado. Terroristas podem ameaçar desligar todas as luzes de Lisboa ou do Porto se Portugal não reconhecer isto ou aquilo… Esse tipo de ameaça pode entrar na esfera militar. Por exemplo, as redes de eletricidade são todas online por questões de coordenação e há quem diga que hackers na Rússia usaram as redes de eletricidade como arma militar numa invasão à Ucrânia. Com a internet das coisas e o 5G, tudo está ligado.
Os países estão preparados para esta nova ameaça?
De certeza absoluta que não. A maioria dos decisores políticos não têm noção da rapidez com que está a acontecer ou estão em negação. As pessoas não estão preparadas. A maioria dos governos nem tem nenhum departamento dedicado à tecnologia digital ou ninguém a olhar para ciber, cripto, privacidade, 5G, internet das coisas, etc. Devia haver grupos de pessoas a fazê-lo.
Na edição do ano passado do Fórum BCE ouviu-se muito falar sobre tecnologia, mas este ano não. Quando a economia começa a desacelerar, este tema é esquecido?
Os temas que Mario Draghi [presidente do BCE] fala em Sintra são apenas a ponta do iceberg. Sei, com certezas, que o BCE está a trabalhar num relatório que irá ser divulgado proximamente sobre estes temas. A tecnologia está a criar mais precariedade no trabalho — a gig economy –, mas também mais e-commerce. Estes fatores estão a unir-se e a mudar o ambiente macroeconómico e o BCE está a estudá-los. Tal como a OCDE e muitos outros. O facto de Mario Draghi não ter falado sobre isso não significa que não estejam a acompanhar a situação.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Richard Baldwin: “Trump criou uma luta sozinho contra o resto do mundo e o mundo está a retaliar”
{{ noCommentsLabel }}