Economista-chefe da OCDE: Próximo presidente do BCE tem de ter “enorme habilidade política”

Em entrevista ao ECO, a economista-chefe da OCDE diz que faltam mecanismos à Zona Euro para lidar com a próxima crise. Sobre o sucessor de Mario Draghi, tem de ter "enorme habilidade política".

Considera que a Europa demora muito tempo a tomar decisões e que ainda não está preparada para uma nova crise, mas a economista-chefe da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) está otimista e diz que aprendeu, ao longo dos anos com a Europa, que “é preciso ser paciente e nunca desesperar”. Claro que se houver uma crise, seria mais fácil haver uma convergência de interesses, diz, mas até lá é preciso trabalhar, tanto a nível nacional como a nível europeu.

Laurence Boone trabalhou no setor financeiro, foi conselheira económica do ex-presidente francês François Hollande, altura em que trabalhou com o atual presidente Emmanuel Macron, e é-lhe dado o crédito de ter ajudado a convencer François Hollande durante a crise grega a manter a Grécia no euro.

Em entrevista ao ECO, a atual economista-chefe da OCDE, defende também que o próximo presidente do BCE tem de ter um enorme jogo de cintura e habilidades políticas, um perfil académico muito forte e experiência nos mercados financeiros. Entre elogios a Mario Draghi, deixa escapar que o próximo presidente do BCE pode precisar de mais tempo para evoluir no cargo, apesar de Draghi ter conseguido fazê-lo mais rápido que o normal. Seja quem for, tem a certeza que será encontrado alguém com todas essas capacidades.

Defendeu mais coordenação e um orçamento para a Zona Euro. Como vê o acordo alcançado no Eurogrupo?

Ainda não conhecemos os detalhes, mas temos de ser muito cuidadosos. Defendi uma coordenação para efeitos de estabilização [macroeconómica] e penso que temos alguns elementos disso neste acordo, o que é positivo porque o que tenta fazer é apoiar reformas e investimento. É co-investimento, ou seja tem uma parte que tem de ser nacional, mesmo que dependa das circunstâncias.

Então o que falta?

É positivo porque pode ajudar a aumentar a tendência de crescimento e a convergência, que é algo que precisamos na Zona Euro, mas não é o orçamento de estabilização, nem tem essa ferramenta de coordenação de que precisamos. Quando olhamos para os últimos 20 anos do euro, vemos que o BCE fez um trabalho fantástico, sem qualquer dúvida. Tornou o euro numa moeda de referência internacional, garantiu a estabilidade de preços e a coesão da Zona Euro como um todo, tem retirado a Zona Euro de uma situação de deflação e isso é fantástico. Evoluiu de forma tremenda e temos usado ferramentas muito diferentes desde o início, mas o progresso feito do lado orçamental foi muito, muito curto.

Não sou, de todo, fanática do uso da política orçamental e devemos ser muito cuidadosos. Nas nossas mais recentes perspetivas económicas explicámos que é necessário, nesta conjuntura de abrandamento, investimento público nos países com necessidades de investimento e margem orçamental para o fazer. Mas se se concretizar um abrandamento mais significativo, e não fui a única a defender isto [na conferência do BCE], vamos, definitivamente, necessitar que a política orçamental ajude a política monetária a estabilizar a Zona Euro, e atualmente não temos essas ferramentas. Coordenação já conseguimos ter, é o que o Eurogrupo tem vindo a fazer.

Caso se concretize um abrandamento mais significativo, e não fui a única a defender isto [na conferência do BCE], vamos, definitivamente, necessitar que a política orçamental ajude a política monetária a estabilizar a Zona Euro, e atualmente não temos essas ferramentas.

Laurence Boone, economista-chefe da OCDE

Mas este acordo chega, por exemplo, para criar a posição de ministro das Finanças da Zona Euro que seria esse interlocutor único que defende?

Em primeiro lugar, coordenação é o mínimo que devemos ter para uma conjuntura como a atual. Segundo, quando olhamos para a política monetária durante a crise, percebemos que teria sido muito mais fácil se Mario Draghi tivesse tido apenas um interlocutor em vez de ter de andar a bater às várias portas para defender, argumentar e explicar o que iria fazer e assim garantir que tinha apoio político suficiente, quando nos Estados Unidos só é preciso falar com uma pessoa. Na Europa, é muito mais complicado, o que ajuda a explicar o tempo que demora a implementação de qualquer decisão. Atualmente temos uma margem de manobra orçamental reduzida e mostrar que podemos trabalhar em conjunto e coordenar-nos enviaria um sinal forte de confiança aos mercados, e quando digo que criaria margem de manobra orçamental é precisamente isto.

Teria sido muito mais fácil se Mario Draghi tivesse tido apenas um interlocutor em vez de ter de andar a bater às várias portas para defender, argumentar e explicar o que iria fazer e assim garantir que tinha apoio político suficiente, quando nos Estados Unidos só é preciso falar com uma pessoa. Na Europa, é muito mais complicado

Laurence Boone, economista-chefe da OCDE

Como é que essa coordenação criaria mais margem orçamental?

Podemos ter dois tipos de situações. A primeira, foi o que aconteceu em 2011/2012, quando cada país falava apenas por si e o mercado olhava para cada um de forma isolada, via países gastar que tinham pouca, ou nenhuma, margem orçamental, e os spreads aumentavam. Mas podemos imaginar numa situação hipotética, e esperemos que em breve real, em que um ministro no final do Eurogrupo diria que ‘tomámos uma decisão em conjunto de estabelecer para a Zona Euro x% a ser aplicada neste país, desta forma’. Ai o mercado vai pensar ‘uau’, e os juros diminuem automaticamente criando margem orçamental.

Mas com o atual estado da relação entre a Alemanha e a França é expectável que se chegue a um acordo deste género no futuro próximo?

Em 2009 foi possível. Não aconteceu exatamente desta forma, mas foi suficientemente coordenado…

Com Philip Lane, economista-chefe do BCE, e Peter Praet, que deixou o cargo há duas semanas, no Fórum do BCE em Sintra

Mas na altura os países estavam pressionados por uma crise severa…

Sim, mas estou certa que é possível quando realmente o quiserem fazer. Há exatamente um ano, em Meseberg, foi dado um pequeno, mas necessário, passo no caminho para um orçamento de estabilização, que, mesmo que com muitas amarras, aconteceu, por isso é possível. Eu acredito que os ministros das Finanças da Alemanha e de França fizeram tudo o que puderam no Eurogrupo, e que o resultado irá potenciar a convergência. Claro que há questões que ainda estão em aberto, desde logo a questão dos recursos financeiros e que é, no meu entender, uma questão muito importante quando o tema passar para os chefes de Estado e de Governo no Conselho Europeu, para perceber se este será apenas uma rubrica no orçamento da União Europeia ou se pode ser um verdadeiro orçamento da Zona Euro. Continua muito em aberto, mas aprendi a ser paciente e a nunca desesperar com a Europa. Mesmo que não resulte agora [quando há cimeira do euro], alguém irá pegar nas rédeas do processo outra vez.

Ainda há muito em aberto, mas aprendi a ser paciente e a nunca desesperar com a Europa. Mesmo que não resulte na sexta-feira [quando há cimeira do euro], alguém irá pegar nas rédeas do processo outra vez.

Laurence Boone, economista-chefe da OCDE

Os líderes europeus demoram sempre a chegar a acordo. Quando a próxima crise chegar, teremos as ferramentas para lidar com ela?

Penso que podemos estar bastante seguros disso [de que haverá sempre uma crise]. Mas antes, é importante lembrar que a Zona Euro é agora maior do que era há oito anos, por isso, também é necessário fazer um esforço extra para dialogar com outros países além da Alemanha e a da França. Há muitas ideias novas em Espanha, por exemplo, e se calhar devíamos fazer mais para falar com estes países, porque eles beneficiaram tremendamente da União Europeia e devemos debater como podemos ter em conta o que estes países defendem agora.

Mas a situação política está mais fragmentada na Europa e muitos destes países também têm situações internas menos estáveis, como podemos esperar um acordo em temas tão importantes com um espetro político tão díspar?

Obviamente, não estou na política, mas noto que a participação nas eleições europeias aumentou e que é a mais elevada em muitos anos, o que demonstra o interesse genuíno com os acontecimentos na Europa. Isso é muito importante. Outra questão são os novos equilíbrios nos parlamentos. Em vez de termos dois — em especial um — partido dominante, agora temos um maior equilíbrio que pode chegar a quatro partidos. Às vezes pode ser muito difícil manter uma coligação, mas também pode significar um resultado mais equilibrado e ideias novas. É verdade que o Parlamento [Europeu] será mais fragmentado, mas ao mesmo tempo também pode haver quem insista mais em soluções, uma coligação mais alargada do que antes e isso pode trazer um novo olhar, mais fresco, para questões como a União Bancária, o mecanismo comum de garantia de depósitos ou o fundo de resolução. Não estou a dizer que vá acontecer imediatamente, mas penso que esta diversidade de pensamento pode ser muito importante.

Com o economista português Ricardo Reis (esquerda), num dos painéis do Fórum BCE em Sintra.

Mas em termos económicos, quanto tempo mais podemos esperar por soluções?

O que estamos a observar é efetivamente uma maior fragmentação do lado financeiro, alguns bancos domésticos a comprar mais dívida pública do seu país do que antes e a primeira linha de defesa continua a ser nacional, mas isso é porque ainda não temos um fundo de resolução [europeu]. Por isso, se houver uma crise entretanto, será financeira e a primeira linha de defesa continua a ser nacional. Mas, tal como aconteceu no passado — e, de qualquer forma, não será a mesma crise — continua a haver atividade transfronteiriça, por isso haverá uma discussão também ela transfronteiriça. É mais fácil haver convergência para encontrar soluções quando há convergência de interesses, e numa crise haveria convergência de interesses e isso muda tudo. O poderia ser preocupante é o tempo que se demora a consensualizar uma solução. Pode demorar muito tempo, como já o vimos, essa é a minha preocupação.

É mais fácil haver convergência para encontrar soluções quando há convergência de interesses, e numa crise haveria convergência de interesses e isso muda tudo. O poderia ser preocupante é o tempo que se demora a consensualizar uma solução. Pode demorar muito tempo, como já o vimos, essa é a minha preocupação.

Laurence Boone, economista-chefe da OCDE

Como as mudanças a nível europeu demoram a concretizar-se, o que podem fazer países em situações mais frágeis, como é o caso de Portugal, Grécia ou até a Itália, para se prepararem para uma eventual crise?

Pode ver a diferença entre um país como a Itália, que não está a ter uma relação de cooperação com a Comissão, e a evolução das suas taxas de juro. Se olharmos para Espanha e Portugal, as taxas de juro exigidas no mercado sobre a sua dívida pública estão completamente desligadas do que se passa em Itália, o que demonstra que o contágio pode ser travado e que os mercados são capazes de distinguir os países. Isto é verdade para a dívida pública e é verdade para os bancos.

É muito importante porque é uma defesa que não existia durante a crise anterior e significa que se tiverem uma atitude de cooperação, conseguem mostrar que fazem parte deste projeto, que estão investidos nele e que têm algo a perder. Em 2011, o que os mercados esperavam era ver um líder com um plano e tinham grandes esperanças que surgisse do lado político, o que é normal porque é a representação normal em democracia, mas acabou por ser Mario Draghi, que fez o que fez com o apoio do lado político e o mercado percebeu. Não devemos subestimar o poder que tem demonstrar aos mercados que há uma estratégia definida, faz uma diferença tremenda.

Se olharmos para Espanha e Portugal, as taxas de juro exigidas no mercado sobre a sua dívida pública estão completamente desligadas do que se passa em Itália, o que demonstra que o contágio pode ser travado e que os mercados são capazes de distinguir os países. Isto é verdade para a dívida pública e é verdade para os bancos.

Laurence Boone, economista-chefe da OCDE

Como vimos em Sintra, a palavra de Mario Draghi tem um grande peso nos mercados. Que impacto pode ter nos mercados a sua saída e quanto tempo teremos de esperar para que o seu sucessor ganhe este tipo de credibilidade junto dos agentes económicos?

Demora muito tempo, mas não foi assim que aconteceu com Mario Draghi. Ele entrou em 2011 e a primeira coisa que fez foi cortar a taxa de juro. Até julho de 2012 [quando disse que faria o que fosse necessário para salvar o euro], passou apenas meio ano para deixar a sua marca. Na altura foi completamente fascinante, mas parece natural agora. Temos que encontrar uma personalidade compatível. Primeiro, é preciso ver que tipo de critérios serão usados para esta escolha, porque as pessoas também evoluem no cargo, como aconteceu com Mario Draghi apesar de mais rapidamente que outros. Se calhar o próximo vai precisar de tempo.
É necessário ter uma experiência académica muito forte. Estando aqui [na Fórum do BCE] percebemos que as pessoas podem ter uma mente criativa e olhar para os mesmos temas de formas diferentes, mas também precisam dos checks and balances intelectuais sobre as suas ideias, por isso ter um doutoramento numa boa universidade e ter trabalhado na área faz a diferença. Ou seja, conhecimentos económicos muito bons, enorme habilidade política…

Mas também uma carreira política? Porque isso não é muito bem visto na escolha de um banqueiro central…

É por isso que estou a dizer habilidade política e não carreira política. Mario Draghi tem a habilidade política para conseguir juntar franceses, alemães, italianos e espanhóis no mesmo barco, pessoas muito diferentes, porque tem a credibilidade e o capital político para o fazer, mas ele não é um político. São duas coisas muito diferentes. A terceira coisa é, ter experiência em várias áreas, como ter passado pelos mercados financeiros, o setor público, conhecer todo o enquadramento que permita perceber como a política monetária funciona é muito importante. Mas estou certo que encontraremos alguém assim.

Mario Draghi tem a habilidade política para conseguir juntar franceses, alemães, italianos e espanhóis no mesmo barco, pessoas muito diferentes, porque tem a credibilidade e o capital político para o fazer, mas ele não é um político. São duas coisas muito diferentes.

Quão preocupados estão com Itália?

O que me preocupa em relação a Itália são as perspetivas de crescimento. Nas previsões que fizemos para Itália em abril, insistimos que as maiores questões eram a baixa produtividade e o crescimento reduzido da produtividade, e, porque existem desigualdades muito grandes, garantir que a despesa pública é bem distribuída entre investimento produtivo e a correção de algumas dessas desigualdades protegendo os mais pobres, não apenas para efeitos de redistribuição, mas também na melhoria do sistema de educação e do ambiente de negócios, porque o que se quer é que as pessoas com mais habilitações também queiram ficar em Itália. Para mim, o mais importante é ter uma politica económica centrada no aumento do crescimento e do bem-estar do maior número de pessoas possível.

Isso não implica uma grande mudança na política económica do atual governo e também mais despesa quando o défice já é elevado?

De certa forma, implica uma continuidade com o que tem vindo a ser feito nos últimos anos. Há medidas que podem ajudar, se forem modeladas corretamente, como é o caso do complemento salarial criado para os mais pobres. Se a referência for o valor de rendimento a distribuir, pode não só ajudar a reduzir a pobreza como ajudar essas pessoas a regressarem ao mercado de trabalho. O que fizemos no relatório económico [sobre Itália] foi demonstrar que nem tudo é mau, que existem esses problemas que têm de ser resolvidos, mas se calhar a melhor forma de o fazer não é a que está a ser tentada agora, e oferecemos algumas sugestões à luz da experiência de outros países.

Quão recetivo foi o governo italiano a essas sugestões?

Penso que tivemos discussões muito boas, mas veremos.

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