“A CGD colocou-se várias vezes numa situação em que ficou refém de si própria”, diz relatório. Leia aqui as conclusões da Comissão de Inquérito

A Comissão de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos não poupa críticas ao Banco de Portugal, ao Ministério das Finanças e à gestão de Carlos Santos Ferreira.

A Comissão de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos não poupa críticas ao Banco de Portugal, ao Ministério das Finanças e à gestão de Carlos Santos Ferreira. Diz que “a CGD colocou-se várias vezes numa situação em que ficou refém de si própria”, afirmando que muitos dos financiamentos concebidos “condicionavam os seus direitos em casos de insolvência”.

O projeto de relatório que será apresentado esta segunda-feira fala de administradores que marcavam presença nas reuniões do conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD) com o mero objetivo de “constituição de quórum”; irregularidades reportadas ao Ministério das Finanças sem que existisse “evidência de diligências efetuadas no sentido de as colmatar“; um regulador preocupado “com o reforço dos modelos de governance, mas não com a sua operacionalidade” e que fez o “registo pró-forma da idoneidade mas não avaliou o comportamento dos administradores”.

Leia aqui as 25 conclusões da III Comissão de Inquérito à CGD:

  • Foram concedidos pela CGD, durante o período em análise, vários créditos com pagamento integral no final do contrato. Assim, financiaram-se participações qualificadas, que não se poderiam desfazer – portanto pagar o crédito – sem causar tumulto no mercado e eventual desvalorização da própria garantia;
  • Sem prejuízo da sua utilidade, o Relatório EY não foi base dos trabalhos da Comissão. Tendo acesso à documentação original, os Deputados fizeram a sua própria leitura dos processos, não se posicionando na polémica que vários depoentes criaram com o Relatório;
  • As operações de financiamento à aquisição de participações consistiram, e era previsível que assim fosse, um enorme risco sistémico, expondo largamente a CGD à evolução de outro banco, no caso o BCP;
  • As recomendações da Direção de Gestão de Risco nem sempre foram acomodadas, no entanto uma parte significativa dos riscos veio a materializar-se, apontando para uma necessidade de maior consideração destes avisos.
  • Os financiamentos à aquisição de ações foram concedidos com elevados níveis de alavancagem;
  • Segundo alguns depoimentos na CPI, a presença de alguns administradores nos CAC destinava-se à mera constituição de quórum, no pressuposto da confiança, sem evidência de debate ou confronto de posições, o que frustrou os resultados de alterações introduzidas na governance da CGD;
  • As irregularidades detetadas pelos órgãos de controlo interno foram reportadas ao Ministério das Finanças, não existindo evidência de diligências efetuadas no sentido de as colmatar;
  • A CGD colocou-se várias vezes numa situação em que ficou refém de si própria, credora e acionista dos mutuários, o que condicionava os seus direitos nos casos de insolvência;
  • Foi exercida uma supervisão do sistema financeiro de forma burocrática, não procurando olhar para além dos rácios de solvabilidade e níveis adequados de liquidez, de cada banco, e não percebendo o risco sistémico de algumas operações;
  • O BdP preocupou-se com o reforço dos modelos de governance, mas não com a sua operacionalidade. Também se dedicou ao registo pró-forma da idoneidade mas não avaliou o comportamento dos administradores, a concretização da segregação de poderes, nem a falta de discussão dentro dos conselhos – em que as propostas de cada um não eram escrutinadas pelos outros;
  • Verificou-se uma dualidade de critérios no tratamento dos casos semelhantes pelo BdP: veja-se Vale do Lobo, onde o BdP escreveu cartas a exigir detalhes da operação mas, depois, no caso do BCP, não exerceu o mesmo zelo; ou como foi usada a “moral persuasion” para afastar Filipe Pinhal mas restringiu-se no caso de Francisco Bandeira ou Armando Vara o BdP veio invocar motivos legais para cumprir o seu papel. Ou seja, o mesmo BdP que invocava a inexistência de atribuição legal para atuar em certos casos, não deixava de o fazer noutros idênticos.
  • A supervisão seguiu acriticamente as notas técnicas dos serviços do BdP, não exigindo mais informação do que aquela fornecida, demonstrando mais receio no confronto jurídico com os supervisionados do que com a possibilidade de erros ou fraudes.
  • O BdP teve uma confiança extrema nas linhas internas de defesa das instituições – direção de risco, auditoria, administração – e externas – revisores e auditores -, tanto que nem perante reparos, ênfases ou denúncias públicas, atuou com celeridade, colocando assim em causa a utilidade da sua supervisão;
  • O BdP não seguia os problemas detetados, assumindo que as suas orientações eram executadas, o que muitas vezes não acontecia;
  • O tratamento não foi igual aos diferentes clientes, como se verifica na diferença de tratamento entre o Grupo Fino e o Grupo Berardo.
  • Na concessão do financiamento de EUR 350M à Fundação José Berardo, o Banco de Portugal deveria ter realizado uma análise real da instituição em vez de aceitar informação de fraca qualidade dos seus serviços. Uma análise completa poderia ter levado poderia ter inibido os direitos de voto e exigido contrapartidas adicionais.
  • No caso dos créditos concedidos a José Berardo, ficou esclarecido (por carta de José Pedro Cabral dos Santos) que foi o cliente a procurar a CGD e não o contrário;
  • O investimento no projeto ARTLANT era para ser realizado na modalidade de project finance – é normal uma due diligence para um projeto desta dimensão demorar 1 a 2 anos. A aceleração do projeto, mediante a concessão de financiamentos intercalares foi reveladora da vontade política de realizar o investimento. Vontade essa referida várias na Comissão;
  • O financiamento à LSB revelou-se desastroso, e não era necessário para o desenvolvimento da fábrica em Sines. Já eram conhecidas irregularidades praticadas pelo CEO da LSB quando o investimento foi feito. Não se percebe esta necessidade nem porque foi suportada pelo Governo de então;
  • O projeto ARTLANT foi apresentado à CGD como tendo apoio do Governo, o CAIXA BI rejeitou, mas mesmo assim o projeto foi aprovado – vontade política
  • A constituição da WOLFPART configura uma situação paradigmática de contorno das recomendações da CGD para realização do investimento. A CGD entrou com 97% dos fundos, mas ficou apenas com 25% do capital;
  • A operação em Espanha centrou-se, não no esperado apoio aos pequenos e médios empresários portugueses com atividades ibéricas, mas na banca de investimento e no setor imobiliário – como no projecto Ajalvir -, cujos resultados geram perdas de mais de EUR 500M;
  • A operação “BOATS CARAVELA” procurou melhorar os resultados de 1999, eliminando uma provisão de EUR 25,5M em perdas potenciais de Obrigações do Tesouro, trocando-as por participação num Veículo Especial de Financiamento. Apesar das discordâncias sobre o que foi aprovado pela Administração da CGD e o contrato assinado com o CREDIT SUISSE FIRST BOSTON, foi evidente a falta de conhecimento e preparação para lidar com este produto estruturado cujas perdas de EUR 340M que tiveram de ser assumidas durante os anos seguintes;
  • O Novo Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares permitiu acesso a mais informação, cumprindo o objetivo da alteração legislativa e quebrando a barreira de ocultação de informação;
  • Durante os trabalhos desta comissão, verificaram-se importantes desenvolvimentos e ações do setor financeiro no sentido de recuperar os montantes em dívida;

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