Greve de motoristas. Como é que os sindicatos justificam a greve? Conheça o pré-aviso

Mais do que uma nova paralisação, a greve de agosto é o relançamento do protesto anunciado para 23 de maio, que apenas foi desconvocado graças a promessas que, entretanto, caíram, acusam sindicatos.

Entregue aos ministérios do Trabalho e da Economia, mas também à Associação de Transportes Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) e às associações que representam as empresas de combustíveis, o pré-aviso de greve dos sindicatos das Matérias Perigosas (SNMMP) e Independente de Motoristas de Mercadorias (SIMM) enumera vários pontos de discórdia a separar patrões e motoristas, pontos esses que vão além de questões meramente pecuniárias, abrangendo também medidas de combate à evasão fiscal e de promoção da segurança rodoviária.

Além do que separa ANTRAM e sindicatos, o pré-aviso revisita também as etapas de um processo que ameaça voltar a emperrar a economia portuguesa através de uma greve que procurará ser mais abrangente e demorada que a anterior. Que é como quem diz: “Vêm os sindicatos SNMMP e SIMM, ao abrigo do artigo 57º da Constituição da República Portuguesa (…), declarar greve geral dos motoristas, independentemente do regime de vinculação ou colaboração, regime de prestação de trabalho, área de exercício funcional, desde as 00:01 horas do dia 12 de agosto de 2019 e por tempo indeterminado.”

O objetivo dos dois sindicatos passa por conseguir com esta greve que outros motoristas de mercadorias se associem ao protesto além dos seus próprios associados, já que, avaliam estes sindicatos, há muitos camionistas que não se sentem representados ou defendidos por outras organizações — tendo essa sido, aliás, a razão principal que levou à criação do SNMMP e do SIMM, que uniram centenas de motoristas desagradados com o andamento das negociações entre ANTRAM e FECTRANS para um novo contrato coletivo de trabalho.

É por esta razão que o SNMMP e o SIMM fazem questão de deixar bem claro no pré-aviso as acusações de desrespeito pelos motoristas, salientando que este desrespeito não é dirigido em específico aos motoristas de matérias perigosas nem aos associados do SIMM, mas sim aos “cerca de 50 mil motoristas portugueses”, garantem.

A greve avançará “caso a ANTRAM persista no descrédito e no desrespeito pelos cerca de 50 mil motoristas portugueses”. Ou seja, o que começou como um protesto de uma classe específica de motoristas — de matérias perigosas — procura transformar-se num protesto geral de motoristas.

E isto é algo que fica evidente no texto do pré-aviso, que começa por apresentar as reivindicações específicas de quem trabalha com matérias perigosas, para depois alargar as reivindicações para toda a classe. Isto porque exigências como “abolição de esquemas remuneratórios que visam a fuga aos impostos” são males de que todos os camionistas se queixam, além de que não são apenas os motoristas de matérias perigosas que merecem o pagamento de trabalho extra: “Os motoristas de mercadorias são trabalhadores como quaisquer outros e devem ter o direito ao pagamento do trabalho suplementar.”

Unir para protestar

Dividindo a justificação da greve de 12 de agosto por 14 pontos, os dois sindicatos iniciam o texto do pré-aviso explicando então que a paralisação agora anunciada é, não mais, do que a recuperação da greve prevista para o passado 23 de maio, que foi convocada apenas pelo sindicato das Matérias Perigosas.

Na altura, lembram no primeiro ponto do pré-aviso, o protesto “reivindicava o reconhecimento oficial da Categoria Profissional de Motoristas de Matérias Perigosas”, mas também “a obrigatoriedade de acompanhamento médico anual” a estes motoristas, pago pela entidade patronal, e o reconhecimento do estatuto de profissão de desgaste rápido, retirando-se um ano à idade de reforma por cada quatro a trabalhar com matérias perigosas.

Além disso, a greve procurava também reivindicar “o respeito pelo direito à retribuição e ao horário de trabalho diurno, noturno e suplementar, traduzindo-se num aumento substancial dos valores remuneratórios” e a tal “abolição de esquemas remuneratórios que visam a fuga aos impostos e a perca de direitos pelos motoristas”.

No segundo ponto, os sindicatos recordam a declaração conjunta assinada com a ANTRAM a 9 de maio, onde nasce o principal ponto de discórdia entre sindicatos e ANTRAM — a propósito dos 100 euros de aumentos automáticos em 2021 e 2022. Neste documento, “a ANTRAM e o SNMMP” acertaram diversos temas, “incluindo o remuneratório, partindo dum salário base de 700 euros em janeiro de 2020, atualizado em janeiro de 2021 e em janeiro de 2022 com um acréscimo de 100 euros em cada ano”, dizem.

Depois de quatro plenários para a apresentação destas condições aos associados do SNMMP e da ANTRAM, detalha o terceiro ponto do pré-aviso, as duas entidades voltaram a reunir, celebrando a 17 de maio um novo protocolo negocial, “que refere as condições da declaração conjunta apresentada, confirmando que aquela era agora concretizada”.

É na interpretação deste último protocolo, e do que o mesmo inclui e exclui, que reside a grande divergência entre motoristas e sindicatos: para os primeiros, este protocolo “concretiza” os vários pontos da declaração conjunta, incluindo os aumentos de 100 euros em 2021 e 2022. Já segundo a ANTRAM, não estando escrito “preto no branco” neste protocolo esses aumentos, tal é a prova que o SNMMP já os tinha deixado de reivindicar — até porque os restantes pontos pecuniários previstos na declaração surgem no protocolo, à exceção do relativo aos aumentos de 100 euros.

Independentemente de quem tem razão neste ponto, certo é que os sindicatos alegam no quarto ponto do pré-aviso de greve entregue que foi apenas graças “à aceitação daqueles dois documentos” — a declaração e o protocolo — que o SNMMP aceitou desconvocar a greve de 23 de maio, de modo a iniciar-se “um conjunto de reuniões com vista à transposição daquelas condições” na revisão do Contrato Coletivo (CCT) em curso.

Contudo, e como a ANTRAM interpretou o segundo protocolo como excluindo os aumentos de 100 euros, a corda rebentou, explica o quinto ponto do pré-aviso. “No decorrer das reuniões com vista à reforma do CCT a ANTRAM recusou formalmente cumprir com o que se comprometeu com o SNMMP, enganando assim todos os motoristas com o único objetivo de ganhar tempo sem que existisse a referida greve”, acusa o texto entregue na Direção-geral do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT).

Dividir para reinar

O pré-aviso de greve revela nos pontos seguintes dados relativos às reuniões específicas entre a ANTRAM e o Sindicato Independente, já depois dos documentos assinados com o SNMMP. Contudo, depois de estes dois sindicatos decidirem unir esforços perceberam que a ANTRAM tentou enganar o sindicato independente, acusam.

O SIMM, que no ano passado recusou assinar o novo CCT assinado pela FECTRANS, aponta o sétimo ponto do pré-aviso, não viu nenhuma das propostas apresentadas à ANTRAM aceites, sendo que, asseguram, a ANTRAM garantiu que “não havia qualquer documento onde tivessem ficado vertidas melhores condições do que as que foram apresentadas”. Nada mais falso, diz o pré-aviso.

Depois dos sindicatos cruzarem documentos, detalha o pré-aviso, ficou notório que a ANTRAM tentou “enganar claramente esta estrutura sindical com vista a causar divisão entre as estruturas que representam os trabalhadores, para daí obter vantagens ilícitas“, detalha o oitavo ponto do documento. Aqui é de notar, porém, que a proximidade entre o SIMM e o SNMMP foi bastante noticiada aquando da paralisação de abril e do pré-aviso para maio.

Além das relações específicas entre sindicatos e ANTRAM, e além das questões específicas que são hoje reclamadas pelos motoristas, o pré-aviso de greve critica também o CCT celebrado no ano passado para o setor, salientando no ponto nove que a entrada em vigor deste novo acordo confirmou “que a suposta valorização salarial foi feita à custa da enorme retirada de direitos” dos motoristas, razão pela qual algumas das suas cláusulas devem ser revistas. E passam ao ataque a este documento:

“O novo CCTV continua a permitir o pagamento das ajudas de custo com base nos quilómetros percorridos, à viagem ou à tonelagem transportada, todos fatores geradores de insegurança rodoviária e que a ANTRAM teima em manter e, dessa forma, prejudicar os trabalhadores em matéria de proteção social, efetuando descontos ilegais e favorecendo a evasão fiscal“, acusam os sindicatos no pré-aviso de greve.

Assim, conclui o pré-aviso, sendo certo que “os motoristas de mercadorias são trabalhadores como quaisquer outros”, e que depois de apresentados estes pontos em Congresso de motoristas foi deliberado “por unanimidade que a manter-se a postura da ANTRAM em incumprir com o que se encontrava acordado”, então “a greve interrompida deve continuar“.

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