Mario Draghi ainda está a recarregar a bazuca, mas banca já treme

BCE prepara pacote de estímulos à economia, mas o impacto inicial é negativo para os bancos, que antecipam margens financeiras menores. Medidas de mitigação poderão não ser suficientes.

O Banco Central Europeu (BCE) prepara-se para “disparar” um novo pacote de estímulos à economia depois do verão. Consciente de que as armas disponíveis têm efeitos colaterais negativos para a banca, o presidente Mario Draghi apressou-se em explicar que estão a ser estudadas medidas de mitigação para o setor. Penalizada por juros negativos há quase cinco anos, e ainda à espera de pormenores do plano do italiano, a banca da Zona Euro está a receber os estímulos extra como se uma bomba se tratasse.

Em plena época de resultados, os banqueiros têm mostrado preocupações com o impacto da política do BCE (e nalguns casos emitindo mesmo profit warnings) nas margens financeiras, enquanto os investidores têm espelhado esses receios. A banca tem estado entre os setores mais penalizados nas últimas sessões em bolsa e o setor já anulou todos os ganhos do ano, acumulando uma desvalorização superior a 1%.

Miguel Maya, CEO do BCP, que até aumentou os lucros no primeiro semestre, alertou que “há um fator que tem a ver com a evolução das perspetivas da política monetária que teve impacto importante” e acrescentou que os últimos três meses do ano vão ser “desafiantes”. Na sessão desta terça-feira, as ações chegaram a perder um máximo de 7%, para 23,29 cêntimos, o valor mais baixo desde o final de março.

BCP afunda em Lisboa. Banca cai na Europa

Também o BPI fez o mesmo alerta: a situação de mercado é “muito difícil”, segundo o CEO Pablo Forero. “Para futuro, será muito difícil continuar a alimentar a margem financeira perante os juros negativos”, sublinhou o responsável espanhol do banco, cujo resultado líquido encolheu. “Estou a prever más notícias neste aspeto”.

Já em Espanha, pelo menos três bancos cortaram projeções devido ao BCE. O CaixaBank, dono do BPI, antecipa que a margem financeira será mais baixa do que o inicialmente previsto, enquanto o Sabadell diz que esta não irá crescer. O Bankia foi mais além. O banco anunciou que irá rever em baixas as estimativas de lucros para 2020 por causa de Mario Draghi.

Setor sob pressão… por antecipação

Juros negativos não são novidade para a banca já que duram desde 2015. No entanto, a expectativa era que 2019 marcasse o início da inversão na política monetária não convencional do BCE. Ou seja, que além de acabar com a compra líquida de dívida, o banco central subisse gradualmente os juros. Draghi trocou-lhes as voltas.

O outlook económico em degradação e a inflação persistentemente aquém da meta levaram o BCE a sinalizar um corte nos juros, nomeadamente das taxas de depósitos (acompanhado de um sistema escalonado) e o possível relançamento do programa de compra de dívida. Apesar de ainda não ter feito alterações na reunião de julho, poderá fazê-lo depois das férias, em setembro.

A taxa de juro de referência está atualmente em 0%, a taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez em 0,25% e a de facilidade permanente de depósito em -0,40%. O banco central introduziu a possibilidade de um corte nos próximos 12 meses, sendo que o mercado antecipa que a escolhida seja a taxa de depósitos, podendo cair para -0,5%. Se assim for, a margem financeira dos bancos — que traduz a diferença entre os juros cobrados nos empréstimos e pagos nos depósitos — ficará sob pressão.

Transmissão automática para o balanço

Em Portugal, tal como em Espanha ou Itália, a maioria dos empréstimos, nomeadamente para a compra de casa, estão indexados a taxas variáveis. Ou seja, a transmissão da política monetária do BCE para o balanço dos bancos acaba por ser automática, isto porque os créditos passam automaticamente a contar com taxas que, neste momento, estão já em “terreno” negativo. E tendo em conta os spreads praticados há alguns anos, em determinados casos os bancos em Portugal acabam por ter de pagar aos clientes.

A “bomba” do BCE faz estragos no negócio principal da banca, o de conceder crédito, sendo que nos depósitos o setor está limitado a taxas 0% — não se pode cobrar pelos depósitos em Portugal –, sendo que as poupanças que lhes são confiadas têm custos. O excesso de liquidez — exacerbado pela dificuldade em dar crédito às empresas — tem de ser depositado no banco central, com os bancos a “pagarem”, por enquanto, um juro de -0,40%.

Esta conjugação de fatores torna mais difícil aos bancos conseguirem aumentar as margens, tornando muito mais desafiante o aumento dos lucros. “Certamente que há riscos em prolongar taxas de juro negativas por um longo período de tempo. Temos de o considerar”, reconheceu Mario Draghi.

Ajuda de Draghi pode não chegar à banca do sul

Para compensar os bancos deste contexto de taxas baixas por mais tempo, o BCE prepara-se para, além da terceira série de operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas (TLTRO, na sigla em inglês), criar um sistema de escalões dos juros a cobrar pela liquidez excedentária dos bancos. No limite, parte dos custos podem desaparecer para algumas instituições financeiras, dando primazia aos que repassem liquidez para a economia.

No entanto, em ambos os casos (cedência de liquidez e juros por escalões), o impacto poderá ficar concentrado nos países mais ricos. Por um lado, 60% dos juros pagos pelos depósitos nos bancos centrais dizem respeito a instituições financeiras na Alemanha e França. Por outro, o próprio negócio é diferente. Se alemães, franceses, holandeses e belgas estão focados em negócios que requerem muita liquidez como investimento e empresas, portugueses e espanhóis estão “presos” ao crédito às famílias.

Além disso, a banca portuguesa tem-se mantido à margem dos TLTRO. Um inquérito recente do Banco de Portugal concluiu que, nas duas primeiras rondas, o pouco financiamento recebido foi usado para colmatar necessidades de refinanciamento, nomeadamente como alternativa a operações de cedência de liquidez do Eurosistema. Como não encontraram empresas para dar crédito, houve quem preferisse não recorrer a estes empréstimos.

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