Jeroen Dijsselbloem desiste e abre caminho para a búlgara Kristalina Georgieva ser a candidata a diretora-geral do FMI

Os ministros votaram três vezes para escolher o candidato europeu ao FMI, mas foi preciso o holandês Jeroen Dijsselbloem desistir para abrir caminho para a vitória de Kristalina Georgieva.

À terceira foi mesmo de vez e está quebrado o impasse das últimas semanas. Depois de quase 13 horas, os ministros chegaram à eleição da búlgara Kristalina Georgieva. A diretora executiva do Banco Mundial teve mais votos, mas não cumpria o critério da maioria qualificada. Depois da resistência da Holanda à pressão francesa, Jeroen Dijsselbloem acabou por conceder a derrota quando os ministros já tinham suspendido a reunião para jantar. O caminho fica assim livre para a búlgara Kristalina Georgieva, antiga vice-presidente da Comissão Europeia, que era dada como favorita desde o início do processo, e que foi promovida intensamente pela França, país que coordenou o processo.

A búlgara de 66 anos é economista e começou a sua carreira no Banco Mundial em 1993, onde ocupou o cargo de vice-presidente. Abandonou o grupo em 2010 para ser comissária na segunda Comissão liderada por Durão Barroso, e chegou a ser vice-presidente da Comissão Europeia no atual Executivo comunitário liderado por Jean-Claude Juncker. É hoje diretora executiva do Banco Mundial, um cargo novo que foi criado quando a búlgara regressou a Washington.

Há muito que Kristalina Georgieva é candidata ou nome falado para vários cargos de destaque a nível internacional, regra geral promovida pela Alemanha. Em 2016, aquando da eleição de António Guterres para secretário-geral das Nações Unidas, a búlgara entrou na corrida já tarde, com o apoio da Alemanha (que tinha prometido guardar o seu voto para a António Guterres), e acabou por sofrer uma derrota pesada, ficando atrás mesmo de outra Búlgara, Irina Bokova (2.º lugar) que se recusou a abandonar a corrida para dar espaço a Georgieva.

Após as eleições europeias de maio passado, foi falada como uma das hipóteses de compromisso fora do grupo de spitzenkandidaten para a presidência da Comissão Europeia, mas o seu nome não reunia consenso. O mesmo aconteceu mais tarde para o cargo de presidente do Conselho Europeu e até de Alto Representante da União Europeia para a política externa.

Nos contactos iniciais feitos por Bruno Le Maire, Kristalina Georgieva não foi a primeira escolha, sendo vista como uma candidata aceitável caso não fosse encontrado um candidato com melhor perfil e que conseguisse o consenso entre os ministros das Finanças. Além disso, a sua vitória exige uma mudança nos estatutos do FMI devido ao limite legal de idade para ser escolhido para o cargo — 65 anos –, que apesar de não ser particularmente complicada em termos técnicos, exige o acordo dos países, sendo que vários já se demonstraram contra essa alteração, incluindo a Alemanha.

França foi quem mais puxou pela sua eleição. Apesar de não ter declarado abertamente a sua escolha inicialmente, chegou a apresentar listas reduzidas a três candidatos aos diferentes grupos de países, sendo a búlgara a única presença constante. Esta estratégia levou a alguma confusão no início desta semana, depois de vários jornais internacionais terem noticiado que a shortlist tinha sido reduzida, já sem os nomes de Mário Centeno e Nadia Calviño. O Ministério das Finanças francês clarificou publicamente que se mantinham cinco nomes e que todas elas eram excelentes candidaturas.

No entanto, a escolha esteve longe de ser consensual e obrigou a uma terceira ronda de votações, ai já sem a espanhola Nadia Calviño, que retirou o seu nome após a primeira ronda de votações de uma forma insólita: anunciou a decisão primeiro à imprensa espanhola e só depois avisou os ministros das Finanças que estavam na votação.

No final da reunião do Governo espanhol, Nadia Calviño disse que foi “uma grande honra” estar na shortlist, mas que o “a prioridade do Governo desde o primeiro dia é que a União Europeia tenha um bom candidato e que seja escolhido por consenso”.

O governador do Banco Central da Finlândia, Olli Rehn, também retirou o seu nome, mas já depois da segunda ronda, justificando a decisão com a necessidade de encontrar o maior consenso possível em torno do candidato europeu.

“A União Europeia está prestes a votar no candidato da Europa para diretor-geral do FMI. É um desafio excecionalmente significativo e motivante. No entanto, retira o meu nome de consideração nesta altura, para que consigamos um consenso alargado sobre o candidato europeu, e apoio a nível mundial”, disse o responsável no Twitter.

No entanto, mesmo a terceira votação não foi conclusiva. Kristalina Georgieva tinha mais votos, mas não conseguiu a maioria qualificada necessária para ser eleita, o que levou a uma disputa entre vários países sobre se deveria ser a vencedora ou não. A França argumento que o critério da maioria qualificada tratava-se apenas de uma indicação, e não era vinculativa, mas a Holanda contestou.

Foi só já depois de os ministros suspenderem a reunião para jantar, à espera de voltarem a conversar mais tarde, que Jeroen Dijsselbloem anunciou a sua desistência de forma pública. No Twitter, o holandês desejou sucesso a Kristalina Georgieva.

Mário Centeno também confirmou a vitória, desejando felicidades à búlgara através de uma publicação no Twitter.

O coordenação da escolha ficou a cargo do ministro das Finanças de França, Bruno Le Maire, que depois de semanas de consultas não conseguiu encontrar um candidato consensual entre os ministros das Finanças da União Europeia. Na quinta-feira de manhã, Bruno Le Maire propôs aos ministros que se avançasse para uma votação para quebrar o impasse que se mantinha, e de forma a permitir à Europa antecipar-se aos países emergentes e consolidar um candidato que garantisse que a liderança do Fundo continuaria em mãos europeias.

Os ministros acabaram por aceitar a ideia de Bruno Le Maire e marcaram uma votação para esta sexta-feira a partir das 07h00. No entanto, também esta decisão não foi consensual. O ministro das Finanças da Alemanha, Olaf Scholz expressou reservas, Mário Centeno acabou por retirar o seu nome por entender que a votação era prejudicial, mas o mais crítico foi o representante do Reino Unido, que defendeu por escrito que o processo era prejudicial e que deveria ser dado mais tempo para encontrar um consenso. O Reino Unido recusou-se a participar no processo e não votou, o que tornou as contas para encontrar uma maioria qualificada ainda mais difíceis.

Continuará o candidato europeu a ser o vencedor da corrida?

Desde a fundação do FMI em 1946, na sequência dos acordos de Bretton Woods, que há um acordo informal com os Estados Unidos para que a liderança do Fundo seja escolhido pelos países europeus, deixando a escolha do presidente do Banco Mundial para os Estados Unidos. Sendo verdade que os Estados Unidos mantêm a sua parte do acordo — Donald Trump escolheu David Malpass para presidente da instituição em março deste ano –, também o é que esta tradição tem sido muito questionada pelos países emergentes, desde a primeira nomeação de Christine Lagarde em 2011.

Na altura, os diretores que representam os BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, com 18% dos direitos de voto na escolha, emitiram um comunicado criticar este acordo, qualificando-o como uma “convenção informal obsoleta” e a pedir um processo transparente e baseado no mérito. O processo mudou, e até houve outros candidatos de países emergentes — como o governador do Banco do México, Agustín Carstens –, mas no final os BRICS não se uniram em torno de um candidato.

No final, aplicou-se o acordo de cavalheiros entre os Estados Unidos e a Europa e, como tem sido mais frequente, voltou a ser um francês. Christine Lagarde, foi a primeira mulher a liderar o FMI, e a quinta francesa em 11 diretores-gerais. Em 73 anos de existência, França teve o cargo máximo do FMI durante 44 anos.

A luta cada vez mais aguerrida dos países emergentes por mais representação e influência dentro do FMI, em particular com o crescimento das economias chinesa e indiana, não tornará o processo de seleção de mais um europeu fácil, mesmo com o apoio manifestado pelos Estados Unidos ao acordo tácito que existe desde 1946. Especialmente depois de os Estados Unidos terem bloqueado a reforma do sistema de quotas do FMI, que daria mais poder a este grupo de países, sendo a primeira da lista a China.

Ainda não avançaram outros candidatos. O candidato europeu é o primeiro a ser escolhido. No entanto, já se falam de hipóteses como o eterno candidato Agustín Carstens, mas também o indiano Raghuram Rajan.

Como se escolhe o diretor-geral do FMI

Escolhido o candidato europeu, o FMI estabeleceu como data limite o dia 6 de setembro para que todos os que quiserem avançar coloquem os seus nomes na disputa. O processo ficará fechado até ao dia 4 de outubro.

O diretor-geral do FMI, o cargo mais elevado na instituição e o seu efetivo líder, é escolhido formalmente a partir de um dos nomes que pode ser avançado pelos 24 diretores que representam todos os países que são membros do Fundo, sendo que apenas os Estados Unidos, Japão, China, Alemanha, França, Reino Unido e Arábia Saudita têm o seu próprio representante. Quem representa Portugal é o italiano Domenico Fanniza, que agrupa ainda a representação de Itália, Albânia, Grécia, Malta e San Marino.

Também o conselho de governadores do FMI, onde cada membro tem o seu próprio representante, pode nomear candidatos para a corrida à direção-geral do Fundo. O representante de cada país no conselho de governadores é tipicamente o ministro das Finanças ou o governador do banco central desse país, embora não necessariamente, e cada país pode ter um substituto. O representante de Portugal é o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, mas não está nomeado qualquer substituto, ao contrário da generalidade dos países.

Desde 2011, quando Christine Lagarde foi nomeada pela primeira vez, que o processo para a nomeação foi alterado para o tornar mais transparente e aberto, com critérios ancorados no mérito do candidato, dando a hipótese aos governadores para fazerem as suas nomeações, e o processo de seleção — que tem sempre o objetivo de ser feito por consenso — não demorou mais do que um mês das últimas duas vezes.

O FMI definiu também vários critérios que os candidatos devem cumprir para poderem ser escolhidos, como um percurso reconhecido como decisores económicos a todos os níveis, um currículo profissional de alto nível, a capacidade demonstrada de gestão e as qualidades diplomáticas necessárias para liderar uma organização mundial, mas também de ser um defensor inequívoco do multilateralismo. São os 24 diretores que vão receber as candidaturas e reduzir a lista a três candidatos, caso sejam mais. Depois voltam a reunir-se para fazer a seleção do próximo diretor-geral, de acordo com os direitos de voto atribuídos a cada um.

(Notícia atualizada às 20H55)

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