Afinal, o que é uma requisição civil? E como funciona?

São duas das palavras que estão a marcar a atualidade: requisição civil. Numa altura de alerta energético para o país, o ECO explica o que é e como funciona este mecanismo legal.

Numa altura em que o país está em alerta energético, devido à greve dos motoristas de matérias perigosas, o termo “requisição civil” tem sido repetido constantemente. Isto porque, na sequência do incumprimento dos serviços mínimos, o Governo deverá avançar com uma requisição civil esta segunda-feira, em Conselho de Ministros — uma decisão entretanto tomada por volta das 19h00. Mas, afinal, o que é e como funciona este mecanismo legal?

Mesmo antes de esta segunda greve acontecer — a primeira aconteceu em abril –, a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (Antram) já tinha pedido ao Governo para avançar com uma requisição civil preventiva. Algo que acabou por não acontecer. Mas esta segunda-feira, dia em que arrancou a greve, o Executivo de António Costa decidiu avançar com a requisição civil parcial.

Contudo, esta deverá ser “gradual e progressiva”, sendo que poderá não ser decretada de forma geral. O Governo poderá determiná-la, através de uma portaria, “empresa a empresa, região a região, serviço a serviço, em função da necessidade”, explicou o primeiro-ministro, esta segunda-feira.

Mas no que consiste a requisição civil?

Surgiu em 1974 e foi introduzida na Constituição durante o Governo de Vasco Gonçalves. Na prática, a requisição civil é um mecanismo que assegura “o regular funcionamento de certas atividades fundamentais, cuja paralisação momentânea ou contínua acarretaria perturbações graves da vida social, económica e até política em parte do território num setor da vida nacional ou numa fração da população”, lê-se no decreto-lei 637/74.

É uma medida de caráter excecional e de emergência a que o Governo pode recorrer, mas apenas em casos “particularmente graves”, para que o “regular funcionamento de serviços essenciais de interesse público ou de setores vitais da economia nacional” fique assegurado. Tem por base a “prestação de serviços, individual ou coletiva, a cedência de bens móveis ou semoventes, a utilização temporária de quaisquer bens, os serviços públicos e as empresas públicas de economia mista ou privadas”.

Na lista de serviços ou empresas que podem ser objeto de requisição civil estão, entre outros, a “exploração e serviço dos portos, aeroportos e estações de caminhos-de-ferro” e a “exploração de serviço de transportes, produção e distribuição de energia ou produção e transformação de alimentos de primeira necessidade”.

Quando é que pode ser requerida?

Este mecanismo legal pode ser pedido em casos de emergência. Já foi usado várias vezes, nomeadamente em empresas de transporte, como a CP e a TAP — em 1977 por Mário Soares, em 1997 por António Guterres e em 2014 por Pedro Passos Coelho.

Apenas se deve recorrer a este mecanismo quando um interesse público e nacional possa ficar comprometido em virtude da ausência e/ou incumprimento dos serviços mínimos a que uma greve obriga. De facto, e para que não se possa afirmar que o direito à greve está a ser violado em virtude da requisição civil, é essencial que estejamos perante uma situação excecional e extremamente gravosa”, explicou ao ECO Tiago de Magalhães, advogado de direito laboral da CMS Rui Pena & Arnaut, neste Descodificador.

No fundo, continuou o especialista, “apenas se pode recorrer à requisição civil quando se verifica um verdadeiro conflito de interesses em que os daqueles que recorrem à greve poderão prejudicar — de forma quase que irreversível — os interesses daqueles outros“.

Como funciona?

A partir do momento em que a decisão da requisição civil é publicitada, tem efeitos imediatos. Ou seja, os motoristas de matérias perigosas terão de comparecer e retomar os seus postos. Para que a requisição se efetive, “é necessário que exista uma portaria do Conselho de Ministros que determine o âmbito de aplicação da mesma”, explicou ao ECO Pedro Antunes, coordenador do departamento laboral da CCA Ontier.

A portaria deverá ter as seguintes informações: objeto, duração, autoridade responsável pela execução da requisição e o regime de prestação de trabalho dos requisitados, detalha Marta Carvalho Esteves, advogada especializada em direito do trabalho da JPAB. Este mecanismo legal não dá direito a qualquer indemnização que não seja o salário ou vencimento decorrente do contrato de trabalho ou da categoria profissional.

E se não for respeitada?

O incumprimento da requisição civil pode ter consequências disciplinares e até criminais. “Se não for respeitado poderá levar a um procedimento disciplinar instaurado contra o faltoso ou, no limite, um processo-crime por abandono de funções”, explica Tiago de Magalhães, da CMS Rui Pena & Arnaut. Assim, os trabalhadores que não compareçam ou se recusem a exercer funções podem levar com processos disciplinares e/ou, em casos mais graves, pode mesmo ser invocado o crime de abandono de funções.

Pode estar ainda em causa o crime de desobediência, como explicava aqui o advogado Pedro Antunes. “Verificando-se o incumprimento, verifica-se também a eventual sujeição às sanções disciplinares legalmente previstas e, no limite, verificados os respetivos pressupostos, pode dar lugar ao preenchimento do crime de desobediência”. Este crime é punido com “uma pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”, mas em casos extremos a pena de prisão pode chegar aos dois anos.

(Artigo atualizado com a decisão do Executivo de avançar com a requisição civil parcial)

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