O líder da missão do FMI, Subir Lall, mostra-se cauteloso em relação às perspetivas de crescimento e prudentemente crítico quanto à forma como o défice público está a ser reduzido.
A economia recuperou no terceiro trimestre, “as notícias do PIB são muito positivas”. Mas ainda é preciso esperar antes de concluir que o crescimento mais elevado voltou. Subir Lall, o chefe da missão do FMI que esteve em Portugal entre 29 de novembro e 7 de dezembro, na entrevista que dá ao ECO analisa a atual situação, define como prioridades a banca e as contas públicas, fala da dívida, do que está a ser feito no sistema financeiro e nas criticas que têm sido dirigidas à troika.
Esta é a primeira parte de uma entrevista dada no último dia da sua deslocação a Portugal para a quinta avaliação pós-programa. Aqui faz uma avaliação global da atual situação económica e financeira.
Qual é a principal conclusão desta quinta avaliação pós-programa?
Passaram quase seis meses desde a nossa última visita em junho. Neste momento há uma relativa estabilidade macroeconómica, que era menos clara na primeira metade do ano, quando se registaram taxas de crescimento trimestrais inferiores às esperadas. No segundo e terceiro trimestre o crescimento aumentou e registou-se uma recuperação no investimento em equipamento, o que são boas notícias. Especialmente bem-vindo foi o desempenho económico no terceiro trimestre, depois de dois trimestres de muito fraco crescimento. Um outro aspeto que se tornou agora claro para a equipa [do FMI] foi que o Governo vai conseguir cumprir a meta do défice orçamental deste ano. A execução orçamental indica que o défice ficará abaixo dos 3% este ano. No que diz respeito à frente financeira, Portugal foi capaz de aceder aos mercados regularmente, fazendo colocações de dívida. E o sistema bancário está finalmente num processo de mudança que se espera que esteja completo nos próximos meses. Por isso, se compararmos onde estávamos há seis meses, essas são as quatro áreas em que noto que há algumas mudanças e alguns movimentos.
E bons movimentos?
Obviamente, a estabilidade macroeconómica é uma boa notícia. As taxas de juro da dívida pública (yields) estão controladas, embora ligeiramente acima do que eram em agosto, quando eram muito baixas. E o sistema bancário está a olhar para o futuro. São obviamente boas notícias.
No terceiro trimestre, as notícias do PIB são muito positivas. Mas é apenas um trimestre, e é muito influenciado pelas exportações líquidas. (…) É ainda muito cedo para concluir que algo fundamental mudou acerca da trajetória do crescimento.
Está agora muito mais otimista do que em junho?
Bem, temos de contextualizar os recentes desenvolvimentos. No terceiro trimestre, as notícias do PIB são muito positivas. Mas é apenas um trimestre, e é muito influenciado pelas exportações líquidas. Para concluir que existem mudanças fundamentais nas perspetivas para o crescimento potencial de Portugal é preciso mais tempo. Precisamos de dados de mais alguns trimestres para que se confirme que o crescimento está a um nível mais elevado. E precisamos que esse crescimento seja mais equilibrado entre exportações e investimento. O investimento continua a ser relativamente fraco. É por isso que é ainda muito cedo para concluir que algo fundamental mudou acerca da trajetória do crescimento. É por isso que as nossas perspetivas de médio prazo para o crescimento são de 1,2%, um valor baixo. Revimos a nossa previsão de curto prazo, mas foi por causa dos efeitos de dois ou três números e não por via de uma dinâmica fundamental.
Há algumas medidas urgentes e importantes que Portugal tenha que tomar?
Dividiria essa questão em duas grandes áreas. Uma é o sistema financeiro e a outra é a parte orçamental. No sistema financeiro, obviamente é importante levar por diante a recapitalização da Caixa Geral e a venda do Novo Banco, o que deve estar concluído nos próximos meses. É uma prioridade imediata em que está toda a gente a trabalhar. Existem ainda as operações em curso nos outros grandes bancos privados. É a agenda de curto prazo, imediata, que é um contributo fundamental para acabar com algumas das incertezas à volta do sistema bancário. Outra prioridade também urgente é atacar o problema do crédito malparado no sistema bancário. Temos falado sobre isso durante muito tempo e o crédito malparado continuava a aumentar. Neste momento há [no sistema bancário] uma maior consciência do problema. Mas, em termos de medidas concretas, ainda temos de verificar. O crédito mal parado (‘non perfoming loans’) ainda continua a ser um problema muito importante em Portugal e no sistema bancário.
Controlar o défice com menos gastos no consumo intermédio ou no investimento é, provavelmente, uma forma que não é sustentável, não se pode fazer isso ano após ano.
E em relação às contas públicas?
As outras preocupações que temos são com a política orçamental. A redução do défice é claramente bem-vinda mas tem implícito um alívio em termos estruturais. Tirando os efeitos do ciclo económico, o ritmo de descida do défice estrutural diminuiu. São dois anos consecutivos [2015 e 2016] em que há um alívio na redução do défice estrutural. Para se conseguir uma redução da dívida pública — como sabe, a dívida em percentagem do PIB não está a descer, basicamente estabilizou ainda em níveis muitos elevados –, precisamos de reduzir o défice estrutural e para isso é necessário adotar medidas permanentes na despesa pública. Para já, a execução deste ano regista um evolução da receita inferior à prevista no orçamento e o que ajudou a reduzir o défice público foi um controlo estrito dos gastos, ficando o consumo intermédio e o investimento público abaixo do que estava orçamentado. Pensamos que para atingir a consolidação orçamental é preciso olhar para as causas do aumento da despesa e isso leva-nos a pensar em questões como os salários dos funcionários públicos e as pensões. Porque controlar o défice com menos gastos no consumo intermédio ou no investimento é, provavelmente, uma forma que não é sustentável, não se pode fazer isso ano após ano. O investimento público está em níveis muito baixos e nalgum momento terá de se investir na manutenção das infraestruturas. Além disso o investimento também é importante para aumentar o crescimento potencial, que é uma prioridade.
Considera que a via de redução do défice público que foi seguida em 2016 é insustentável?
Os desafios das contas públicas são enormes. No sentido em que a dívida pública é muito alta. Significa que é preciso um longo período, de alguns anos, de disciplina orçamental para baixar a dívida pública. Não será feito num ou dois anos. Gastar menos em algumas categorias do orçamento é algo que é muito difícil de manter ano após ano. Provavelmente, mais alguns cortes nesses gastos [de consumo intermédio e investimento] podem ser realizados no próximo ano. Mas temos de ter aqui uma visão de longo prazo. É preciso lidar com o problema da despesa pública de uma forma duradoura. Temos de voltar à agenda, ao que é o objetivo. As metas de redução do défice têm como objetivo reduzir a dívida pública.
É preciso lidar com o problema da despesa pública de uma forma duradoura. Temos de voltar à agenda, ao que é o objetivo. As metas de redução do défice têm como objetivo reduzir a dívida pública.
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Subir Lall: “Ainda é cedo para concluir que algo mudou no crescimento”
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