Com a economia a abrandar, “só as empresas mais bem preparadas terão sucesso na bolsa”
A bolsa de Lisboa tem tido dificuldades em captar empresas e ainda não houve nenhum IPO em 2019, o que poderá ser agravado pela economia. Mas a Euronext mantém aposta nas tecnológicas.
A desaceleração da economia portuguesa é um desafio adicional para a bolsa de Lisboa, que tem tido dificuldades em captar novas empresas. A head of listing da Euronext Lisbon, Filipa Franco, admite que o abrandamento económico poderá levar a novos cancelamentos ou adiamentos de operações, mas diz acreditar que há empresas com capacidade de chegar ao mercado acionista português.
“Os mercados são efetivamente voláteis e suscetíveis à incerteza que em cada momento se possa viver na economia mundial. Períodos de maior incerteza tornam a realização de operações em bolsa (em particular novas admissões) mais desafiantes e que podem assim levar ao cancelamento ou adiamento de operações que estejam a ser preparadas”, respondeu Filipa Franco, ao ECO, quando questionada sobre o crescimento do PIB que tem vindo a desacelerar desde o ano passado.
Foi o que aconteceu entre o final do ano passado e início deste, quando a Sonae MC e a Science4You falharam entradas em bolsas, enquanto a Pharol e a Vista Alegre cancelaram aumentos de capital.
Mas Filipa Franco acredita que a incerteza sobre a economia (não só portuguesa, mas global) e o aumento dos riscos “não significa, contudo, que não é possível concretizar operações nestes momentos, mas significa, sim, que apenas as operações e as empresas mais bem preparadas conseguirão concretizar com sucesso a sua admissão em bolsa”.
Nunca houve tão poucas cotadas na bolsa de Lisboa. Com as saídas da Transisular, da SAG – Soluções Automóvel Globais e da Compta, este ano, passam apenas a 53. Apesar da criação dos regimes de Sociedades de Investimento para o Fomento da Economia (SIMFE) e das Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária (SIGI) trazerem renovada esperança. Não são conhecidos ainda nomes, mas a Euronext Lisbon diz que há perspetivas de novas entradas em bolsa.
“Temos estado em contacto com agentes de mercado (bancos, escritórios de advogados e também algumas empresas) que revelam um interesse concreto na admissão de novas empresas na Euronext Lisbon, mas a preparação de um admissão à bolsa é um processo que envolve decisões de natureza estratégica que têm de ser cuidadosamente avaliadas, pelo que não posso comentar nenhuma operação em concreto até que seja pública”, diz Filipa Franco.
Euronext volta a apostar nas tecnológicas. Há sete portuguesas
Além destes instrumentos em Portugal, a Euronext tem apostado a nível europeu nas tecnológicas. Pelo quinto ano consecutivo, a gestora de índices acionistas está a realizar o programa TechShare, que pretende dar formação a empresas tecnológicas sobre o que é uma oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) e o que é necessário para estar em bolsa.
Este ano são 132 empresas de nove países europeus diferentes, incluindo pela primeira vez da Irlanda (país cuja bolsa foi comprada pela Euronext). De Portugal, há sete participantes com um volume negócios médio, em 2018, de 2,9 milhões de euros. Apesar de o TechShare não se limitar a ser um curso para entrar em bolsa, há empresas que já piscam o olho a esta forma de financiamento.
Para a empresa de robótica e drones EVA – Electric Visionary Aircrafts esse é o objetivo nos próximos 18 meses. “O nosso modelo tem por base crescimento” e precisa de “mais capital para impulsionar a expansão”, diz ao ECO. Já a empresa WeTek, de software, está no TechShare para “adquirir conhecimento para avançar de forma informada na estrutura e poder administrativo”, mas admite que o IPO poderá estar nos planos dentro de dois a três anos.
Nos últimos anos, várias empresas tecnológicas nascidas em Portugal provaram ser altamente inovativas, capazes de alcançar uma presente internacional muito significativa, frequentemente com uma posição de liderança nos seus negócios e conseguindo angariar, com sucesso, capital junto de investidores internacionais. Mas a capacidade de abrir o capital em bolsa não é necessariamente uma questão de tamanho.
Ambas consideram que a Euronext é o parceiro ideal para a entrada a bolsa, mas a tecnológica Polygon, especializada em serviços digitais, não exclui a hipótese de abrir o capital noutra geografia, tal como fez a Farfetch em Wall Street.
“O principal fator é sentirmos que a empresa estará preparada para fazer o IPO. Em termos de business plan não precisamos de o fazer até 2021, pelo que só depois, e considerando o crescimento internacional da empresa, equacionaremos a possibilidade, bem como o local ideal para o fazer”, conta. Além destas três empresas portuguesas, a lista de participantes nacionais no TechShare inclui também a telecom Celfinet e outras três empresas que preferiram não ser identificadas.
IPO de tecnológicas portuguesas?
Desde o lançamento, em 2015, já passaram pelo TechShare 280 empresas tecnológicas. Destas, quatro (todas elas francesas) fizeram IPO: a Osmozis em fevereiro de 2017, a Theranexus no outubro seguinte, a Balyo em junho desse ano e a Oxatis em abril de 2018. “Temos também a boa notícia de ter um quinto IPO a ser preparado por uma empresa do programa TechShare. É uma empresa holandesa chamada CM.com”, explica Camille Leca, chief operating officer da divisão de Listing Business da Euronext.
O grupo conta com 482 emitentes tecnológicas e acredita que poderá vir a reforçar a presença de empresas portuguesas do setor, sendo que atualmente as tecnológicas na bolsa de Lisboa são a Novabase, Glintt, Reditus e Sonaecom. “O número de empresas portuguesas participantes no TechShare tem vindo a crescer nos últimos anos e, ao longo do tempo, estas têm crescido em maturidade, revelando um interesse crescente no mercado de capitais“, diz Leca.
A COO lembra que há várias tecnológicas portuguesas a ganhar relevo e a conseguir captar cada vez maiores quantidades de capital junto de investidores internacionais. É o caso de Outsystems, Fedzai, Unbabel, Codacy ou Farfetch.
“A capacidade de abrir o capital não é necessariamente uma questão de tamanho. O capital angariado não tem de ser massivo, nem é preciso esperar anos antes de considerar entrar em bolsa“, sublinha Camille Leca, quando questionada sobre se as empresas portuguesas têm dimensão suficiente.
Enquanto os IPO têm sido limitados na bolsa de Lisboa (ainda não aconteceu nenhum este ano), tem sido a emissão de dívida a captar maior interesse. Por um lado, Filipa Franco vê a tendência como positiva já que tanto capital como dívida permitem “o reforço da sustentabilidade financeira das empresas”, alargamento das fontes de financiamento, redução do custo de financiamento e acréscimo de credibilidade.
Por outro, Camille Leca alerta que, no caso das tecnológicas, a emissão de obrigações poderá ser uma forma de financiamento limitada. “Quando falamos de inovação, a dívida dificilmente é uma opção sustentável e o reforço de capitais próprios (equity) é a melhor forma para evoluir“, acrescenta.
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