José Maria da Fonseca: sete gerações a fazer vinho, um setor onde tudo está inventado
O ECO foi até à JMF, em Azeitão, falar com pai e filho sobre dificuldades, desafios e riscos que o negócio vinícola enfrenta, num tempo em que nada tem a ver com 1834, ano em que nasceu a empresa.
Quase a completar 185 anos, pela José Maria da Fonseca (JMF) já passaram sete gerações (descendentes do fundador, o Sr. José Maria da Fonseca). O segredo da longevidade é gerir com vontade de prosseguir um projeto que é 100% familiar, pensando na geração futura, diz António Soares Franco, presidente da empresa e pai de António Maria Soares Franco e Sofia Soares Franco, que também trabalham no negócio da família e fazem parte da mais recente geração a gerir a empresa.
“Uma coisa é gerirmos para desfrutar, outra coisa é gerir a pensar que isto é um património que vem de trás e que nós estamos aqui para passar para a frente. Há aqui uma filosofia de vida diferente. É pensar a médio longo prazo, ainda que, hoje em dia, seja difícil”, conta António Soares Franco, em entrevista ao ECO.
Mas, é na junção entre tradição e inovação que parece estar a melhor receita para a longevidade. O ECO foi até à sede da JMF, em Azeitão, falar com pai e filho sobre as dificuldades, desafios e riscos que o setor vinícola enfrenta.
Como inovar num setor onde tudo está inventado?
“É muito difícil inovar num setor em que tudo já está inventado”, começa por admitir António Soares Franco. “Há vinhos tintos, brancos, rosés e de sobremesa. Diria que ficamos por aí. Podemos é jogar com castas, com métodos de vinificação, ocasiões de consumo… A criatividade é muito importante”, diz.
O grande desafio — num mundo que é, cada vez mais, de antecipação — passa por adivinhar futuras tendências e alterações de consumo. “Às vezes, antes mesmo da oportunidade, já temos de estar lá”, diz o presidente da empresa vinícola com sede em Azeitão.
Para o seu filho, António Maria Soares Franco, administrador com o pelouro do marketing e vendas, a vantagem de uma empresa familiar como a JMF é o mix entre família e profissionais na gestão da empresa. “A família pensa mais a longo prazo e os profissionais a curto prazo. São mais pragmáticos”, diz. “É no equilíbrio destas duas forças que vamos, muitas vezes, encontrar espaços no mercado onde é possível lançar produtos”, acrescenta.
Dos vinhos sem álcool ao restaurante By The Wine, do tratamento das vinhas com proteção integrada ao sistema de rega gota-a-gota, um dos temas centrais na JMF é a sustentabilidade. “Começa nas vinhas, passa para a adega e vai até ao packaging dos vinhos, à nossa relação com a comunidade ou à responsabilidade social”, afirma o administrador da empresa.
Uma fábrica a céu aberto. Um negócio arriscadíssimo
No que toca às alterações climáticas, a equipa de enologia e vinicultura da produtora de vinhos tem feito bastante investigação, quer em termos de cascas, quer em termos de novas formas de cultivo, de plantas ou de podar a vinha. “Tudo para conseguirmos viver num mundo onde, inevitavelmente, os extremos climáticos vão acontecer mais frequentemente”, refere.
Nós trabalhamos com a fábrica a céu aberto, estamos sujeitos ao clima e, por isso, mais do que ninguém, estamos atentos a todos os problemas das alterações climáticas.
“Uns anos é calor a mais, outros anos é chuva a menos”, diz o António Soares Franco. “Lá em casa, a minha mulher diz: ‘os agricultores nunca estão satisfeitos’. É verdade. Nós trabalhamos com a fábrica a céu aberto, estamos sujeitos ao clima e, por isso, mais do que ninguém, estamos atentos a todos os problemas das alterações climáticas. Somos a primeira linha a ser afetada”, afirma.
Dependente do clima, o líder da JMF admite que é o negócio vinícola é, realmente, arriscadíssimo. “Por isso é que uns anos há mais, outros menos. No ano passado houve muito pouco, este ano houve não tanto como se estava à espera”, diz António Soares Franco.
Este ano, a expectativa é positiva. “Temos dados muito positivos em relação à qualidade. Mas só falo a seguir ao São Martinho, como se costuma dizer: ‘até ao lavar dos cestos é vindima'”, acrescenta.
Além do clima, o setor, tal como muitos noutros, tem dificuldades em encontrar quem queira trabalhar as vinhas. “Cada vez mais é mais difícil ter mão-de-obra para trabalhar as nossas vinhas. Daí que todo o trabalho que a enologia esteja a fazer para o futuro é no sentido de ter vinhas que dependem menos de mão-de-obra. É importante, não só no nosso setor como noutros setores da agricultura”, diz António Maria Soares Franco. “Ao mesmo tempo, temos de ir vendo se é possível pagar melhor por esse tipo de trabalho, porque, de facto, hoje em dia não é fácil conseguir arranjar mão-de-obra para a agricultura”, acrescenta.
O ponto não é falta de atratividade. “Diria que, para pessoas que têm formação, é com certeza atrativa porque é uma indústria virada para fora, com horizontes mais largos do que as fronteiras de Portugal”, garante o pai. Mas para a mão-de-obra menos qualificada as dificuldades são grandes. “Não é fácil encontrarmos [mão-de-obra] e temos sempre vagas em aberto para esses lugares de entrada. É bom que os políticos se apercebam disso. Não é uma questão de irmos a mão-de-obra temporária ou a gente que vem da Ásia… Queremos que as pessoas façam carreira cá dentro, que evoluam”, acrescenta.
E para o Executivo, o empresário deixa ainda outros recados: “Acho muito importante, sob o ponto de vista fiscal, é haver estabilidade fiscal. Há muitos anos que vivemos numa constante alteração“. “A cada ano que passa aparecem mais requisitos e mais custos para as empresas. No fundo, é aquilo que chamamos de custos da legalidade e que pesam cada vez mais sobre as empresas hoje em dia”, complementa António Maria Soares Franco.
Os empresários defendem ainda que as empresas familiares deveriam ser mais acarinhadas. “As empresas familiares são um motor da economia, não são só as Galp e as EDP desta vida. São as empresas familiares que fazem a economia mexer efetivamente. São responsáveis por grande parte do investimento que se realiza neste país. E, portanto, acho que deviam ser ainda mais acarinhadas”, sublinha António Maria Soares Franco..
“Não ponho de parte que daqui a dez anos não haja vinho que chegue no mundo”
De colheita em colheita, muito tem mudado no mercado vinícola e, a partir de certa altura, também chegaram alguns receios de que as novas gerações não fossem tão adeptas do vinho como as anteriores. “A certa altura convenci-me que a nova geração ia criar-nos problemas, porque estava muito mais virada para outro tipo de bebidas alcoólicas”, começa por contar António Soares Franco, em entrevista ao ECO.
Certo é que os problemas que o presidente da José Maria da Fonseca antevia acabaram não se concretizar. “Tem sido uma surpresa muito positiva porque há cada vez mais interesses nas novas gerações pelo vinho, pela cultura e sociabilidade do vinho”, diz. “Não ponho de parte que daqui a dez anos não haja vinho que chegue no mundo. Não é um cenário que eu descarte”, afirma.
Os preços são muito baixos para o trabalho que dá gerir uma vinha. Não se enriquece com uma vinha.
“Talvez assim os preços subissem alguma coisa e os viticultores de alguns países, sobretudo de algumas regiões de Portugal, fossem recompensados, porque agora não são devidamente recompensados. Os preços são muito baixos para o trabalho que dá gerir uma vinha. Não se enriquece com uma vinha”, afirma o presidente da JMF.
O regresso dos consumidores aos vinhos europeus
António Maria Soares Franco diz que estamos a assistir a um regresso dos consumidores aos vinhos europeus. “O mercado do vinhos andou como um ponteiro. Antigamente era muito mais vinhos europeus, depois passamos por uma fase, no final dos ano 90 e princípio do milénio, em que os vinhos do novo mundo ganharam uma preponderância grande, nomeadamente vinhos da Austrália, Chile, Argentina, Estados Unidos e África do Sul. Eram vinhos beber mais fáceis de beber e de entender para um consumidor que estava a entrar no consumo de vinhos”, explica.
Depois das primeiras provas e à medida que os consumidores vão entrando neste mercado e bebendo cada vez mais vinhos, “o próprio paladar vai exigindo coisas mais sofisticadas e mais complexas”. “Estamos a assistir, nos últimos anos, a um regresso dos consumidores a vinhos europeus. Cascas diferentes, muitos vinhos de lote e mais sofisticados e complexos. Temos visto, quer Portugal, quer Itália, Espanha ou França, a crescer vendas lá fora”, afirma. “Há um ressurgimento dos países europeus no negócio do vinho”, acrescenta.
O problema de Portugal, para o administrador da JMF, é que o preço médio a que os vinhos portugueses vendem lá fora continua a ser bastante baixo e abaixo de muitos outros países. “E não faz muito sentido, sobretudo se pensarmos no tipo de custos que as empresas têm, quer a nível da dimensão da propriedade — que continua a ser uma dimensão de vinha relativamente baixa –, quer a nível das castas — porque as castas portuguesas, comparadas com as internacionais, produzem bastante menos por hectare”, explica António Maria Soares Franco.
“As condições naturais da indústria de vinho português têm custos de produção acima de outros países. Portanto, nós, inevitavelmente, não podemos estar a competir em preço lá fora”, refere. “Numa empresa como a nossa, que vende muitos milhões de garrafas, obviamente que o volume é um tema importante (…) mas temos de trabalhar cada vez mais a valorização dos nossos vinhos. Não só a JMF, mas os vinhos portugueses em geral”, remata.
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