Nuno Garoupa: “Os partidos já desistiram há muito tempo de mudar seja o que for”

Para Nuno Garoupa, os responsáveis pelo estado atual da justiça portuguesa são, no limite, os eleitores. O professor de direito afirmou à Advocatus que não há nenhuma fórmula para melhorar a justiça.

Nuno Garoupa esteve à conversa com a Advocatus sobre o estado atual da justiça em Portugal. Doutorado em economia pela Universidade de Iorque, RU, foi professor de direito na H. Ross and Helen Workman Research Scholar e co-diretor do programa em Direito, Comportamento e Ciências Sociais da Faculdade de Direito da Universidade do Illinois. A investigação também está no seu ADN e é investigador afiliado na FEDEA (Madrid).

Em que estado se encontra a justiça portuguesa atualmente?

De um lado temos já dois Governos sucessivos que terminam o mandato dizendo que a reforma principal está feita (e diga-se, em abono da verdade, com base em relatórios internacionais do FMI e da OCDE). Do outro lado, temos as perceções das empresas e dos cidadãos de que não há melhorias significativas. A que se juntam as queixas dos operadores. Parece-me claro que há melhorias das Estatísticas da Justiça (que refletem uma dada realidade, muito parcial). Mas nada de substancial mudou – a Justiça continua a ser um fator impeditivo do crescimento económico e de melhorias sociais; a produção legislativa não melhorou; o ordenamento jurídico mantém-se como um novelo burocrático e formalista sem grande preocupação com as consequências económicas e sociais.

E a justiça económica, como se encontra atualmente?

Basta lembrar o caos da justiça administrativa e fiscal (onde o atual Governo começou por reconhecer uma situação complexa e acabou por fazer muito pouco) – atrasos de cinco anos ou mais. Ou a justiça penal económica onde se vão somando problemas derivados da ineficácia do ordenamento jurídico. O excesso de normas prevalece. Não se vislumbram ganhos significativos na redução dos custos de contexto.

Quem é responsável pelo estado atual da justiça portuguesa?

No limite, os eleitores. Vivemos em democracia há quase 50 anos. PS, PSD e CDS já fizeram muitíssimas reformas. No entanto, a justiça continua a ser percecionada como um enorme problema. Como isso não parece ter qualquer impacto relevante no comportamento eleitoral, não surpreende muito que se mantenham os problemas.

Na sua opinião, qual é a fórmula para melhorar a justiça e a justiça económica?

Não há. Portugal decidiu não fazer as reformas que fizeram Holanda, Países Bálticos, Coreia e Japão no final dos 90 e na década seguinte. Portugal ficou preso numa determinada lógica jurídica da qual recusa sair. Enfrenta, pois, problemas semelhantes aos países que foram incapazes de mudar a sua forma de entender o papel do Estado de direito democrático numa sociedade moderna. O modelo jurídico que Portugal segue simplesmente não é adequado para o mundo de hoje. Por exemplo, os tempos e a ineficácia burocrática das normas jurídicas em Portugal são simplesmente absurdos no século XXI.

Portugal ficou preso numa determinada lógica jurídica da qual recusa sair. Enfrenta, pois, problemas semelhantes aos países que foram incapazes de mudar a sua forma de entender o papel do Estado de direito democrático numa sociedade moderna.

Em que se devem centrar as medidas dos partidos no que concerne à justiça e à justiça económica?

Os partidos podiam ter começado pelo Pacto para a Justiça, mas resolveram fazer de conta que nunca existiu. Ou podiam apresentar o tal plano nacional de combate à corrupção em vez de continuar a fazer de conta que é uma questão de populismo. Ou explicar a reforma da justiça administrativa-fiscal. Nada disso consta.

Caso já tenha analisado as várias propostas dos partidos, acha que a justiça foi uma preocupação dos candidatos?

De forma alguma. Cada partido tem medidas pontuais e avulsas, de importância e impacto muito marginal. Os partidos já desistiram há muito tempo de mudar seja o que for na justiça. Insistem nas mesmas receitas dos últimos 20 anos que já sabemos serem, na melhor das hipóteses, meramente conjunturais. Penso que o fosso, hoje já enorme, entre o discurso dos partidos (“a justiça melhorou e funciona bem hoje em dia”) e a perceção pública sobre a justiça vai agravar-se ainda mais na próxima legislatura.

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