PPP, autonomia de gestão e incentivos. Estas são as propostas dos partidos para a saúde

A saúde foi um dos temas mais debatidos nesta legislatura, e as clivagens entre os partidos no setor refletem-se nos programas eleitorais. O papel dos privados é um dos pontos que os separa.

Se há assunto próximo do coração dos portugueses é a saúde. As críticas constantes de falta de investimento, degradação dos serviços, falta de profissionais e elevados tempo de espera, marcaram o tom da oposição ao longo da legislatura, que viu Adalberto Campos Fernandes ser substituído por Marta Temido, na remodelação governamental levadas a cabo por António Costa na sequência da demissão de Azeredo Lopes, há quase um ano. Com as eleições legislativas a aproximarem-se, o ECO foi ver que propostas os partidos têm para o setor. Na realidade, há muitas medidas com as quais todos concordam, mas as principais divergências residem no papel do setor privado no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Durante esta legislatura foi aprovada uma nova Lei de Bases da Saúde, e as Parcerias Público-Privadas (PPP) e a participação privada no SNS estiveram no centro das discussões para a aprovação do documento. O desacordo entre os partidos neste ponto levou a avanços e recuos nas negociações, tanto até que tudo indicava para que a Lei não conseguissem passar no Parlamento esta legislatura.

No entanto, um acordo de última hora entre o PS, o Bloco e o PCP permitiu viabilizar o diploma. Todas as propostas referentes às PPP ficaram de fora do documento final, já que foram rejeitadas no grupo de trabalho que se debruçou sobre o assunto. Sendo também revogado o decreto-lei que legislava as PPP, os partidos da geringonça concordaram em dar o aval, ficando agora por definir o quadro legal das PPP.

O Presidente da República, perante tantas divergências e incertezas, foi fazendo avisou à navegação. Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que uma Lei de Bases que não contemplasse o setor social e também as PPP era “irrealista” e sinalizou que não iria promulgar uma lei que não reunisse consenso, porque era necessário um documento que pudesse resistir nas próximas legislaturas.

Mesmo assim, a solução encontrada, por “não comprometer, em nenhum sentido, as escolhas futuras do legislador”, recebeu luz verde de Marcelo, como se lê na nota sobre a promulgação. Depois das discussões sobre esta Lei, que já foi publicada em Diário da República, as PPP e a participação privada no SNS são precisamente os elementos que mostram as diferenças mais flagrantes entre os programas eleitorais, nomeadamente entre a direita e a esquerda.

“Há um conjunto de ideias, sobretudo mais à esquerda, de que o setor deve ser completamente público, ou o mais possível”, diz, ao ECO, Miguel Gouveia, professor na Universidade Católica. Já os partidos “menos à esquerda são mais flexíveis”. Para o economista especialista na área da Saúde, “a insistência num sistema de saúde completamente público ignora a realidade”, porque o papel dos prestadores privados na saúde tem vindo a crescer.

O PSD e o CDS defendem o recurso aos privados quando necessário, mas o Bloco e o PCP argumentam o fim da gestão privada dos hospitais públicos. O PS diz que “a contratação de entidades terceiras é condicionada à avaliação da necessidade”, mas compromete-se a não fazer “nenhuma nova PPP na gestão clínica num estabelecimento em que ela não exista”.

Já o PAN não faz referência ao papel dos privados na saúde, apontando, no entanto, no capítulo que diz respeito aos contratos públicos, que quer “rever todas as cláusulas potencialmente abusivas das atuais PPP”, bem como “condicionar a celebração de novas PPP à obtenção de parecer”.

O caso particular das PPP é onde as ideologias se tornam mais vincadas“, aponta Miguel Gouveia. Os estudos, de entidades como o Tribunal de Contas, apontam para que estas parcerias poupem cerca de 400 milhões de euros, recorda o especialista na área da saúde, e ao acabar com elas “os governos estão a deitar fora poupanças”.

“Caos” no SNS e listas de espera

O SNS tem estado no centro das discussões políticas, estando muitas vezes na base das críticas ao Governo. Tanto à direita como à esquerda, multiplicam-se as acusações de falta de investimento e de recursos humanos, bem como relatos da demora das listas de espera para consultas e cirurgias.

O Governo responde às críticas com números. No debate com os outros partidos com assento parlamentar, António Costa apontou que se fizeram mais 700 mil consultas nos cuidados de saúde primários do que em 2015, e que existe hoje um “maior número de quadros no SNS”. Isto em resposta a Assunção Cristas, que pintou um cenário de “caos na Saúde”.

Quando se olha para a última década, a despesa pública reduziu-se e “só agora em 2019 está a voltar ao valor que estava em 2010, sublinha Miguel Gouveia. Apesar de haver investimento, “não se pode negar que tenha havido consequências negativas no SNS” devido a algumas políticas aplicadas, reitera o professor da Católica.

O “retrocesso em medidas aplicadas durante a troika, como as 35 horas de trabalho semanais, pode ter satisfeito os profissionais”, mas criou situações de falta de recursos humanos das quais o SNS não “recuperou”, sublinha o especialista em saúde. O Governo tem vindo a contratar mais profissionais para responder às 35 horas, sendo que em agosto autorizou a contratação de 1.400.

Tendo em conta os diferentes aspetos deste setor, alguns partidos “tendem a enfatizar incapacidade do sistema prestar os serviços necessários”, aponta Miguel Gouveia. Por outro lado, os “partidos que apoiam o Governo põem ênfase na ideia que contrataram mais profissionais”.

Com o retrato que tem sido feito do SNS em mente, muitas medidas propostas pelos partidos nos seus programas têm em vista resolver estes problemas: a contratação de mais profissionais, mudanças no sistema das listas de espera e reformulações nas unidades de cuidados ou nos centros de saúde, por exemplo.

Mas quando chega a altura de decidir o partido, “para muitas pessoas a saúde é importante, mas não tanto que determine o voto“, aponta Miguel Gouveia. Para além dos profissionais ligados à área, deverá ser mesmo para as “pessoas que tiveram muitas horas nas urgências e nas listas de espera, que sofreram fraca capacidade de resposta”, que as medidas na saúde irão pesar mais na hora de fazer a cruz no boletim de voto.

Incentivos aos profissionais e autonomia de gestão unem os partidos

Nos programas dos principais partidos o capítulo que se debruça sobre a saúde apresenta à volta de 20 a 30 medidas. O PAN é o campeão em termos de propostas, ao contemplar mais de 100 medidas na área da saúde e bem-estar. Seguem-se o CDS e o PS, que mesmo assim não se aproximam da centena.

De todas estas propostas, nas áreas que juntam os partidos encontra-se a saúde mental, com quase todos a defenderem um investimento na área, e os cuidadores informais, cujo entendimento entre as forças com assento parlamentar já levou à aprovação do estatuto destes profissionais.

A valorização dos profissionais do SNS também está presente em todos os programas, embora em níveis diferentes. Os partidos defendem incentivos, se bem que no caso do PCP e do Bloco estes são à dedicação exclusiva dos profissionais do SNS, enquanto para o PS, PSD e CDS os inventivos são em função dos resultados obtidos.

Para além do médico de família, incluído em todos os programas dos partidos com assento parlamentar, o enfermeiro de família é uma figura mencionada pelo CDS e pelo PCP, estando ainda presente nos programas de partidos como o Livre. Já o PS promete uma “equipa de saúde familiar”, enquanto o Aliança sugere a instituição da figura do Enfermeiro de Comunidade.

Finalmente, há ainda outro assunto chave que une alguns dos partidos. A autonomia de gestão dos hospitais está presente nos programas do Bloco, do PSD e do CDS, que defendem que as unidades do SNS tenham mais flexibilidade. O PS propõe mais autonomia nos níveis de gestão intermédia nos hospitais públicos, enquanto o PCP defende autonomia para os Centros de Saúde.

Já no que diz respeito ao subsistema de saúde dos funcionários públicos, entre os partidos com assento parlamentar, apenas o CDS e o PCP fazem referência à ADSE. Os centristas defendem o alargamento da ADSE para todos, uma medida que consta também nos programas de partidos como o Aliança e a Iniciativa Liberal. Enquanto isso, o PCP foca-se na autonomia dos subsistemas.

Veja aqui as principais propostas dos partidos para a saúde.

Partido Socialista (PS)

  • Não fazer nenhuma nova PPP na gestão clínica num estabelecimento em que ela não exista.
  • Criar, junto das unidades de cuidados primários de territórios de baixa densidade, unidades móveis que possam prestar em proximidade cuidados de saúde primários.
  • Celebrar pactos de permanência no SNS com os profissionais de saúde, após a conclusão da futura formação especializada e dar incentivos em função dos resultados.
  • Alargar o número de consultas externas, tendo em vista a melhoria do acesso e da satisfação dos utentes, por exemplo alargando a atividades programadas aos sábados.
  • Criar, a exemplo do cheque dentista, um vale de pagamento de óculos a todas as crianças e jovens até aos 18 anos e pessoas com mais de 65 anos beneficiárias do rendimento social de inserção, prescrito em consulta no SNS.
  • Rever e universalizar o modelo das unidades de saúde familiar (USF) a todo o país, adequando-o à realidade de cada região.
  • Garantir uma equipa de saúde familiar a todos os portugueses.
  • Alargar a cobertura de medicina dentária no SNS, nomeadamente através dos centros de saúde e em colaboração com os municípios.
  • Reforçar o papel dos níveis de gestão intermédia nos hospitais públicos, “conferindo-lhes mais responsabilidade e mais autonomia, remunerando-os diferenciadamente e exigindo-lhes a dedicação plena”.
  • Estimular a oferta de serviços de creche para os filhos dos profissionais de saúde.

Partido Social Democrata (PSD)

  • Recorrer às Parcerias Público-Privadas “sempre que as condições e necessidades de prestação de serviços o aconselhem, sob a condição de mais qualidade da prestação e custos mais baixos”.
  • Novo modelo de gestão dos hospitais públicos do SNS, com a “garantia de autonomia de gestão no quadro dos objetivos contratualizados e incentivos financeiros aos profissionais de saúde em função dos resultados obtidos”.
  • Alargar o sistema SIGIC das listas de espera para cirurgias às consultas de especialidade e exames complementares, através da emissão de vouchers, quando os mesmos não se realizem em tempos clinicamente aceitáveis.
  • Contratualizar Médicos de Família do setor público e privado. Para o PSD, a forma de garantir o acesso a médicos de família a todos os portugueses deverá ser “através da contratualização do SNS com médicos disponíveis” em ambos os setores.
  • Permitir que as despesas com os cuidadores informais possam ser dedutíveis no IRS, como as despesas de institucionalização. Esta é uma das medidas relativas aos cuidadores informais no programa social-democrata, que compara as despesas com estes profissionais com aquelas com, por exemplo, lares de idosos.
  • Alargar a rede de cuidados continuados e paliativos em 25%, em parceria com as instituições do setor social.

Bloco de Esquerda (BE)

  • Reforço do orçamento do SNS e criação de um plano plurianual de investimentos. O partido defende um “aumento do investimento público para o patamar mínimo de dez mil milhões de euros por ano, nomeadamente para a saúde”.
  • Separação clara entre público e privado. Fazer uma separação entre setores, estabelecendo que não há gestão privada de unidades inseridas no SNS e que os setores privado e social são, na prestação de cuidados, supletivos do serviço público de saúde são medidas essenciais para o desenvolvimento do SNS.
  • Corrigir o “apagão de tempo de serviço” aos Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica ou a enfermeiros e reconhecer função específica dos Técnicos Auxiliares de Saúde.
  • Autonomia de gestão das unidades do SNS. A partir do momento em que o seu orçamento e plano de atividades anual são homologados pela tutela, as instituições do Serviço Nacional de Saúde “não devem ficar dependentes de autorizações para a contratação de profissionais ou para a realização de pequenos investimentos”.
  • Contratar 18 mil profissionais para o Serviço Nacional de Saúde, na enfermagem, técnicas de diagnóstico e terapêutica, especialidades médicas, auxiliares e pessoal administrativo.
  • Reforçar o número de vagas para formação especializada e promoção, através das instituições do SNS, da formação contínua e especializada a todas e todos os profissionais de saúde.
  • Apostar na produção do Estado de medicamentos. Transformar o Laboratório Militar num laboratório nacional de produção de medicamentos e articulá-lo com a investigação científica que se faz em Portugal.

Partido Comunista Português (PCP)

  • Reformular a rede de serviços de urgência, articulando Hospitais, a rede de CSP e o INEM “de forma a assegurar a plena cobertura territorial das valências necessárias, o seu reforço em meios humanos e materiais assegurando pelo menos um serviço de urgência básica e de transporte urgente de doentes de 24 horas em cada concelho”.
  • Proceder à eliminação programada das Parcerias Público-Privadas e a integração dos hospitais no Setor Público Administrativo.
  • Atribuir médico e enfermeiro de família a todos os utentes e a progressiva redução de lista de utentes por médico e por enfermeiro de família de acordo com as recomendações da OMS.
  • Reorganizar os Centros de Saúde numa base concelhia, garantindo a autonomia financeira e administrativa dos CSP.
  • Intervir de forma adequada no sentido de “reduzir a atual dependência estratégica da ADSE, Assistência na Doença aos Militares, SAD/PSP e SAD/GNR em relação aos prestadores privados, garantindo a autonomia administrativa e financeira destes subsistemas e medidas adequadas para que se mantenham na esfera pública do Estado”.
  • Gestão pública de todas as unidades do SNS com a eleição democrática para todos os órgãos de direção técnica.
  • Atribuir médico e enfermeiro de família a todos os utentes e progressivamente reduzir lista de utentes por médico e por enfermeiro de família.
  • Regularizar a situação contratual dos profissionais de saúde assegurando o vínculo público de nomeação definitiva e a substituição até ao fim da legislatura de empresas de trabalho temporário pela contratação direta de trabalhadores com vínculo público.

CDS – Partido Popular

  • Alargar a ADSE a todos os portugueses.
  • Definir um tempo máximo de resposta garantido para o acesso a primeiras consultas de especialidade no SNS, que se ultrapassado confere aos utentes a liberdade de aceder a consulta de especialidade em qualquer outro hospital, seja do setor público, seja do setor privado ou social.
  • Construir um “sistema nacional de saúde, de qualidade e reconhecida eficiência, não obriga a que seja sempre o Estado a prestar, diretamente, todos os cuidados de saúde, podendo e devendo chamar-se os setores privado ou social a fornecer serviços”, defende o CDS no programa.
  • Alargar o modelo das Unidades Locais de Saúde (ULS) a todas as regiões do país. Esta medida contempla também a adaptação do modelo de financiamento das Unidades de Saúde Familiar, que pode estar dentro ou fora das ULS.
  • O CDS é contra a despenalização e institucionalização da eutanásia e “não viabilizará, com o seu voto, qualquer projeto legislativo que presuma, que estabeleça, que perspetive ou que abra possibilidade à despenalização da eutanásia”.
  • Incentivar a prestação de cuidados de saúde domiciliários e de hospitalização domiciliária aos utentes que não precisam de cuidados agudos em internamento hospitalar, nomeadamente na população envelhecida e/ou mais dependente.
  • Reforçar e alargar a todo o país o papel do enfermeiro de família.

Pessoas-Animais-Natureza (PAN)

  • Assegurar que todos os profissionais de saúde que desempenham funções nos hospitais do SNS estão integrados em carreiras com vínculo à Administração Pública, através de contratos de trabalho em funções públicas.
  • Instituir um regime de dedicação exclusiva dos profissionais de saúde ao SNS garantindo o pagamento de remuneração adequada.
  • Concluir o processo de regulamentação das terapêuticas não convencionais.
  • Despenalizar a morte medicamente assistida, por “decisão consciente e reiterada da pessoa, com lesão definitiva ou doença incurável e irreversível e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável”.
  • Atribuir nutricionistas no SNS a crianças com excesso de peso.
  • Rever o regime da carreira especial de Enfermagem, “nomeadamente garantindo que todos os serviços têm um enfermeiro gestor e que o número total de postos de trabalho correspondentes à categoria de enfermeiro especialista não seja inferior a 50% do total de enfermeiros de que o serviço ou estabelecimento careça”.
  • Criar a carreira especial de nutricionista e de psicólogo.
  • Contratar 60 psicólogos para os Serviços Prisionais.

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