Governo com folga de 600 milhões para negociar próximo Orçamento com a esquerda
Portugal teve esta quinta-feira boas notícias na frente económica e orçamental. Duas instituições aproximaram-se das previsões de Mário Centeno para o PIB e um delas vê mesmo um excedente no OE.
Qual a diferença entre o défice de 0,2% do PIB previsto pelo Governo em abril para 2019 e o excedente de 0,1% do PIB que o Conselho das Finanças Públicas (CFP) antevê agora para este ano? A resposta são cerca de 600 milhões de euros de folga que ninguém sabe ainda como vão ser usados. Mas que estão em cima da mesa nas negociações que o PS terá de fazer com Bloco de Esquerda e PCP com vista à aprovação do Orçamento do Estado para 2020.
“Temos condições para antecipar este ano e nos próximos resultados melhores do que o previsto”, disse esta quinta-feira o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a partir da Grécia, comentando os dados do CFP.
A ideia de que os resultados poderiam ser melhores que o esperado já tinha sido admitida pelo ministro das Finanças numa entrevista à Lusa, quando reconheceu que o défice poderia ficar ligeiramente melhor do que os 0,2% do PIB que estão inscritos no Programa de Estabilidade e que foram reafirmados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) ao Eurostat.
No entanto, só quando o Governo enviar para Bruxelas o draft do Orçamento do Estado e quando entregar no Parlamento a proposta de lei do Orçamento — que António Costa já disse gostava que fosse ainda este ano — é que se saberá o que o que o Governo fez à folga que conseguiu este ano.
O Governo terá três hipóteses:
- Manter a meta de défice de 0,2% acomodando novas medidas para o próximo ano. Uma solução que permitiria ao PS ter na manga uma folga para negociar à esquerda o ok ao Orçamento.
- Assumir um excedente orçamental de 0,1% e não reservar qualquer margem para medidas reclamadas pelo Bloco de Esquerda, PCP, PEV, PAN e Livre.
- Ou uma solução mista em que melhora um pouco a sua meta de défice face aos 0,2% do PIB, mas não gasta tudo nos objetivos orçamentais, reservando uma parte para as negociações do OE.
Para se perceber para que podem servir 600 milhões de euros, calculados no pressuposto de que tudo o resto se mantém constante, é útil ir por exemplo ao programa eleitoral do Bloco de Esquerda e ver quais as prioridades que tem posto na mesa das negociações com o PS. Uma delas é a recuperação do investimento público que os bloquistas querem que seja reposto no patamar anual dos 5% do PIB, o que agora corresponde a dez mil milhões de euros.
No capítulo do investimento público, Catarina Martins tem sublinhado que a prioridade do Bloco é “salvar o Serviço Nacional de Saúde” (SNS), garantindo que este tem o financiamento necessário, combatendo a promiscuidade entre o público e o privado, e fazendo o caminho para a exclusividade dos profissionais do SNS. Mas também responder à crise da habitação e dos transportes e construir uma resposta decidida à emergência climática. Medidas que custam dinheiro, embora no programa do BE não estejam quantificadas.
Por outro lado, o Bloco defende ainda a recuperação do controlo público dos CTT. Ora a empresa tem presentemente uma capitalização bolsista de 326,7 milhões de euros, o que se acomoda bem na nova folga que Centeno tem. Além disso, para recuperar o controlo não é necessário deter a empresa a 100%, logo a medida ficaria mais barata. Contudo, é preciso ter em conta que os CTT são uma empresa endividada e, passando para o universo do Estado, iria pesar na dívida pública, tal como a CP ou a Águas de Portugal.
Mas, na quinta-feira, a comissão política do PS reuniu-se e decidiu não assinar acordo escrito com o Bloco e avançar já para um governo minoritário do PS que terá de procurar apoio parlamentar para aprovar Orçamentos.
Por isso é necessário ter em conta também quais são as exigências do PCP para dar luz verde a um Orçamento do Estado. No programa comunista estavam medidas como um aumento geral das reformas, creche gratuita para todas as crianças até aos três anos, construção de habitação pública e aumentar o salário mínimo para 850 euros, uma medida que também tem impacto nas contas públicas tendo em conta o elevado número de funcionários públicos.
Para se perceber o que estes 600 milhões representam convém recordar que, por exemplo, as medidas de alívio fiscal sugeridas pelo PS custam 200 milhões de euros. Dar continuidade ao desenvolvimento de mecanismos que acentuem a progressividade do IRS, revendo os respetivos escalões, está no programa eleitoral do PS e custa 200 milhões de euros, embora não se saibam detalhes, nomeadamente ao nível de eventuais alterações dos limites dos escalões e, principalmente, das suas taxas marginais.
Por outro lado, o Programa de Estabilidade para 2019 prevê medidas de redução de taxa de imposto — aumentar as deduções fiscais, no IRS, em função do número de filhos (sem diferenciar os filhos em função do rendimento dos pais) — a partir de 2021, que também custa 200 milhões de euros.
Na apresentação do relatório que apontou para um excedente orçamental, a presidente do CFP não quis dizer o que o Governo deve fazer com um excedente orçamental, mas Nazaré Cabral não passou ao lado da “mudança de legislatura” ao destacar os riscos orçamentais que pairam sobre as contas públicas e ao lembrar que Portugal tem ainda o “legado” da elevada dívida pública.
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