De uma só vez, Portugal arrecada um quarto da dívida que precisa para este ano

Portugal e Irlanda foram ao mercado no mesmo dia, conseguindo captar forte interesse junto dos investidores. Ofuscaram as Bunds, numa altura em que a Alemanha conta com juros negativos.

Portugal inaugurou o mercado de dívida pública, em 2020, com uma mega operação. Tal como tem vindo a acontecer nos últimos anos, a primeira colocação do ano foi realizada através de um sindicato bancário, através do qual o país emitiu 4 mil milhões de euros em obrigações do Tesouro (OT) a dez anos. O montante representa quase um quarto do total previsto para todo o ano de 2020.

“Esta é a primeira venda sindicada da República de Portugal em 2020 e, com esta emissão, está coberta mais de 20% [especificamente 24%] da meta bruta de emissões de 16,7 mil milhões de euros a ser executado através de leilões e sindicatos em 2020”, afirmou a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, num comunicado com os dados finais da operações.

O programa de financiamento para 2020 prevê a emissão de um total de 16,7 mil milhões de euros em OT, combinando sindicatos e leilões, assegurando emissões mensais. Parte deste valor será usado para reembolsar os 8.019 milhões de euros em OT que vão atingir as maturidades, enquanto os outros 8.698 milhões servirão para fazer face às necessidades de financiamento do Estado (que deverão situar-se em cerca de 9,5 mil milhões de euros).

A emissão realizada esta quarta-feira abrangeu já grande parte desse montante, sendo que as vendas sindicadas não têm montante indicativo e têm como objetivo exatamente colocar um montante mais elevado garantido pelo sindicado de bancos. E os investidores estavam dispostos a comprar (muito) mais: até 25 mil milhões de euros, ou 6,25 vezes mais.

“A transação beneficiou de uma forte procura de investidores, como revelou o livro de ordens final, que ficou acima de 25 mil milhões de euros (incluindo dois mil milhões do sindicato bancário), o que permitiu a Portugal colocar o preço das novas obrigações com um spread de 33 pontos base face à taxa mid swap, cujo guidance inicial se situava na área dos 38 pontos base”, acrescentou a agência liderada por Cristina Casalinho.

Portugal paga mais que a Irlanda, mas procura é superior

Segundo o ministério das Finanças, o forte apetite dos 350 investidores que participaram na operação — a maioria deles espanhóis, italianos, franceses e britânicos — “confirma a evolução extremamente favorável das condições de financiamento de Portugal ao longo do ano de 2019“.

Mas são também as taxas negativas praticadas em parte dos países da Zona Euro, que levam a que um juro de quase 0,5% seja visto como muito atrativo no contexto internacional. A colocação aconteceu no mesmo dia em que a Irlanda — que tal como Portugal foi alvo de um resgate da troika — foi ao mercado emitir quatro mil milhões de euros a 15 anos, tendo pago um valor próximo: 0,45%.

Apesar de a yield paga para emitir títulos com uma maturidade mais longa ter sido inferior, a procura por dívida irlandesa foi mais baixa, situando-se em 20 mil milhões. Também a Alemanha emitiu dívida: 3,5 mil milhões a dez anos, numa operação em que a procura foi de apenas 4,2 mil milhões, numa altura em que as taxas da maior economia europeia estão em terreno negativo.

"O leilão de Bunds foi fraco, mas podia ter sido ainda mais fraco devido ao atual ambiente. Há uma série de alternativas interessantes para por o dinheiro a render.”

Christoph Rieger

Estratego de dívida do Commerzbank

O leilão de Bunds foi fraco, mas podia ter sido ainda mais fraco devido ao atual ambiente“, disse Christoph Rieger, head of fixed-rate strategy no Commerzbank, em declarações à Bloomberg. “Há uma série de alternativas interessantes para pôr o dinheiro a render”, salientou. Portugal e Irlanda beneficiaram disso mesmo.

Obrigações de Portugal e Irlanda ofuscam Bunds alemãs

12,7 mil milhões para leilões mensais. Trocas de dívida em aberto

Em Portugal, ficam assim 12,7 mil milhões de euros disponíveis para os leilões mensais, que deverão variar entre os mil milhões e os 1.750 milhões de euros em cada colocação. O valor compara com os 8.523 milhões de euros em novas OT emitida ao longo de 2019, ano em que viu os juros caírem para mínimos históricos (1,1% em média entre janeiro e novembro).

Às emissões de OT, juntam-se ainda colocações de Bilhetes do Tesouro. Para este ano, estão previstas emissões de 13.252 milhões de euros (exatamente o mesmo valor que em 2019), para devolver ao mercado 11.983 milhões e ficar ainda com uma margem de 1,27 mil milhões. A primeira operação de emissão de dívida de curto prazo acontece já na próxima semana.

"Enquanto não tivermos sinais de subidas de taxas, devemos conseguir ir fazendo o rollover da dívida com taxas baixas que permitirão fazer uma grande poupança no custo que temos do serviço da dívida portuguesa.”

Filipe Silva

Diretor da gestão de ativos do Banco Carregosa

Apesar de expectáveis, as operações de troca de dívida ficam ainda em aberto. “Enquanto não tivermos sinais de subidas de taxas, devemos conseguir ir fazendo o rollover da dívida com taxas baixas que permitirão fazer uma grande poupança no custo que temos do serviço da dívida portuguesa”, diz Filipe Silva, diretor da Gestão de Ativos do Banco Carregosa, sobre o bom momento que o país vive.

É possível que o IGCP continue a aproveitar os baixos juros — conseguidos pela conjuntura internacional apoiada pelo Banco Central Europeu, bem como pelo reforço da confiança de investidores e agências de rating nas contas nacionais — para refinanciar-se com menores custos, tal como no ano passado. Em 2019, houve seis operações de troca de dívida, nas quais o Tesouro adiou o reembolso de 4,3 mil milhões de euros.

“A estratégia de financiamento para 2020 centrar-se-á na emissão de títulos de dívida pública nos mercados financeiros em euros com realização regular de emissões de Obrigações do Tesouro (OT), para promover a liquidez e um funcionamento eficiente dos mercados primário e secundário. Oportunidades para realizar operações de troca e recompras de títulos serão exploradas“, referiu a agência liderada por Cristina Casalinho, no programa de financiamento.

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