Tribunal de Contas arrasa venda de imóveis da Segurança Social. Auditoria conclui que nem sempre alienou ao melhor preço
Ao longo de quase 200 páginas, o Tribunal de Contas critica a forma "não eficiente" como a Segurança Social gere o património imobiliário, desde métodos de venda errados a alienação com perdas.
O Tribunal de Contas (TdC) acusa a Segurança Social de não ter gerido de forma “eficiente”, durante 2016 e 2018, os imóveis que detinha acusando a instituição de não ter adotado as práticas mais corretas e eficazes. Num relatório com quase 200 páginas, resultado de uma auditoria, a instituição liderada por Vítor Caldeira conclui que, durante esse triénio, nas vendas de imóveis por parte da Segurança Social, os “custos foram sempre superiores aos proveitos”.
Entre 2016 e 2018, a Segurança Social alienou 147 imóveis por 40,8 milhões de euros, refere o documento. Deste total, 61 foram vendidos por ajuste direto, enquanto 50 foram por concurso, 28 por venda eletrónica e oito por venda direta ao arrendatário.
A primeira crítica do TdC incide sobre a escolha dos métodos de avaliação. “A seleção dos imóveis e a escolha dos procedimentos de alienação não foi fundamentada, designadamente do ponto de vista económico-financeiro”, mas com base em “opções gestionárias do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), tendo por base os imóveis devolutos e em condições de comercialização”.
Neste sentido, o TdC recomenda ao Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) para realizar “estudos económico-financeiros que suportem a seleção dos imóveis e a escolha dos respetivos procedimentos de alienação, equacionando a venda de imóveis através de leilões eletrónicos análogos aos das Finanças“.
"A opção pela ordem de entrada das propostas como critério de adjudicação, em detrimento da proposta de valor mais elevado, originou uma perda potencial de receita na alienação de dez imóveis de 0,3 milhões de euros.”
Ainda neste universo de alienações, 15 imóveis foram vendidos “com base em (seis) procedimentos de ajuste direto pelo valor de venda imediata”. Isto é, “cerca de 30% abaixo do valor de mercado, com uma perda potencial de receita de 1,1 milhões de euros”. Para o TdC, esta opção “apenas se justificaria em situação de necessidade, o que não foi demonstrado”. A título de exemplo, nesta lista estão nove frações nos números 15 a 17 da Rua Nova da Trindade, em Lisboa, que foram alienadas por 1,63 milhões de euros, quando o seu valor de mercado era de 2,33 milhões de euros. Isto representou uma perda potencial de 695.200 euros para a Segurança Social, revela o documento.
Nestes processos de ajuste direto, o TdC aponta ainda o dedo aos critérios de adjudicação. Até março de 2016, a Segurança Social optou por utilizar como critério a “ordem de entrada das propostas, não garantindo a escolha da proposta de maior valor”. Esta opção, em detrimento da proposta de valor mais elevado, representou uma perda potencial de receita de dez imóveis de 0,3 milhões de euros.
A 31 de março desse ano, o critério de adjudicação nos procedimentos por ajuste direto foi alterado para “a proposta de maior valor apresentada no prazo de sete dias a contar da primeira proposta apresentada”. No entanto, “apesar da alteração realizada (…) não existiram alterações equivalentes no Regulamento de Arrendamento de Imóveis de renda livre, mantendo-se o critério da adjudicação por ordem de entrada das propostas, apesar de este critério não assegurar o princípio da concorrência efetiva, nem favorecer a maximização da rentabilidade dos imóveis“.
"A obrigatoriedade de entrega de documentação por todos os concorrentes, independentemente do seu posicionamento na lista de classificação provisória de um procedimento de venda eletrónica, propiciava um elevado número de exclusões.”
Outras das críticas apontadas pelo TdC tem a ver com a documentação necessária que os interessados devem apresentar. Até agosto de 2017, todos os concorrentes, “independentemente do seu posicionamento na lista de classificação provisória de um procedimento de venda eletrónica”, eram obrigados a entregar toda a documentação necessária, o que, na opinião do Tribunal, “propiciava um elevado número de exclusões”. Exemplo disso, nesse mesmo ano, num processo de alienação de 16 imóveis, foram excluídas propostas de valor superior ao montante da adjudicação devido à “falta de apresentação da documentação”. Isto resultou numa potencial perda de 116 milhões de euros para a Segurança Social.
Contudo, neste ponto, o IGFSS defende-se, explicando que “esta norma apenas foi aplicável a um concurso”, sendo que no âmbito do mesmo “foi autorizada a concessão da extensão do prazo para a apresentação da documentação”. E acrescenta que “se entende que não existe qualquer potencial perda de receita”.
TdC critica avaliação dos imóveis e divulgação dos procedimentos
Depois de ter apontado o dedo à Segurança Social pelo facto de a instituição ter alienado certos imóveis por valores abaixo do valor de mercado, o TdC criticou também as avaliações feitas aos próprios imóveis e os métodos escolhidos para divulgar os procedimentos. “Não foram adotadas as melhores práticas de mercado quer na avaliação de imóveis quer na divulgação e publicidade dos procedimentos de alienação ou arrendamento”, refere o documento.
Em termos de avaliação dos imóveis o Tribunal sublinha que a Segurança Social “recorre apenas a uma avaliação para os imóveis que pretende alienar”, contrariando as práticas que dizem respeito à avaliação dos imóveis. Isto é, que “devem ser realizadas pelo menos duas avaliações”. Isto porque, para além de serem vendidos imóveis abaixo do valor real, também foram vendidos imóveis por “um montante superior a 200% ao valor de mercado atribuído na avaliação”. Exemplo disso são dois prédios, em Alvor e no Porto, cujas vendas foram superiores em 249% e 279% ao valor da avaliação.
"O recurso a mais do que uma avaliação reduz o risco da desadequação do valor atribuído ao imóvel face ao justo valor de mercado.”
O Tribunal de Contas explica que “o recurso a mais do que uma avaliação reduz o risco da desadequação do valor atribuído ao imóvel face ao justo valor de mercado“. Neste sentido, recomenda ao IGFSS “garantir que o valor base de venda dos imóveis a alienar não é inferior ao seu valor de mercado e que é sustentado por mais do que uma avaliação”.
Já do lado do IGFSS, a instituição defende-se ao argumentar que “a duplicação de um relatório duplica o encargo financeiro na sua aquisição, pelo que se entende que o IGFSS adota a metodologia que melhor combina o custo/benefício, atento o princípio da economia que subjaz à gestão da coisa pública, não existindo, em nossa opinião, razão bastante para se alterar o procedimento”. Importa referir que, desde 2018, nos casos em que os imóveis são alienados a entidades públicas por procedimento direto, “são realizadas duas avaliações”.
Mas, no mesmo documento, o TdC volta à ideia e sublinha que, desses 147 imóveis vendidos, apenas 101 geraram mais-valias à Segurança Social, num total de 3,87 milhões de euros. Os restantes, 38 tiveram um resultado nulo nas contas e oito tiveram deduções por serem destinados a renda apoiada.
"Método de divulgação e publicidade dos procedimentos de alienação dos imóveis não se revelou suficiente no sentido de atingir novos mercados e suscitar interesse a potenciais interessados, alargando a procura com vista à maximização da receita.”
Outra crítica apontada pelo TdC tem a ver com o método de divulgação e publicidade dos procedimentos de alienação dos imóveis que, segundo o relatório, “não se revelou suficiente no sentido de atingir novos mercados e suscitar interesse a potenciais interessados, alargando a procura com vista à maximização da receita”. Assim, o tribunal recomenda ao IGFSS “garantir a introdução de melhorias na promoção dos imóveis a alienar/arrendar, através de uma ampla divulgação e reformulando o modelo de publicitação dos imóveis de modo a suscitar um maior interesse no mercado”.
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