Como uma diferença de 0,226 pontos percentuais ameaça paralisar a União Europeia
Entre a nova proposta da Comissão e a do Parlamento Europeu existem 0,226 pontos de diferença que ameaçam paralisar a UE. Eurodeputados até pediram à Comissão para criar plano de contingência.
Os líderes da União Europeia vão sentar-se, esta quinta-feira, à mesa numa cimeira extraordinária em Bruxelas, na qual esperam desbloquear as negociações sobre a proposta de orçamento plurianual da região. As perspetivas não são as melhores não só porque muitos países não estão satisfeitos — uns porque não querem pagar tanto, outros porque consideram que os valores ficam aquém das ambições comunitárias –, mas também porque o Parlamento Europeu já ameaçou chumbar a proposta. E a palavra final é do hemiciclo em Estrasburgo.
Entre a nova proposta da Comissão Europeia e a do Parlamento Europeu estão 0,226 pontos percentuais que ameaçam paralisar a União Europeia. Os eurodeputados até pediram à Comissão Europeia para criar um plano de contingência para evitar hiatos entre quadros comunitários, ou seja, meses ou anos em que não haja fundos europeus disponíveis, tendo em conta os atrasos nas negociações das novas perspetivas financeiras.
Mas afinal quais são os números em cima da mesa, que já mereceram a crítica do Governo português, dos parceiros sociais e dos partidos políticos, da esquerda à direita?
1,074% do Rendimento Nacional Bruto
A nova proposta da Comissão Europeia
O anúncio foi feito no dia dos namorados, mas a proposta está longe de encantar os países Amigos da Coesão, onde Portugal se inclui. A nova proposta da Comissão Europeia aponta para uma contribuição dos Estados-membros de 1,074% do Rendimento Nacional Bruto (RNB).
A proposta contempla um envelope global de 1.094 mil milhões de euros a preços correntes, destinando 323 mil milhões de euros aos fundos da Política de Coesão (contra 367,7 mil milhões do atual quadro financeiro 2014-2020, já sem contar com os contributos do Reino Unido) e 329,3 mil milhões de euros para a Política Agrícola Comum (contra 367,7 mil milhões do orçamento plurianual ainda em curso).
Esta proposta é incrivelmente semelhante à proposta finlandesa que foi classificada como “um erro grave” por Portugal.
1,07% do Rendimento Nacional Bruto
A proposta finlandesa
A nova proposta da Comissão Europeia pretende fazer a ponte entre as pretensões dos Amigos da Coesão e os contribuintes líquidos da União Europeia que gostariam de ver limitadas as contribuições dos Estados membros a 1% do Rendimento Nacional Bruto.
A proposta finlandesa, apresentada por Helsínquia durante a presidência rotativa do Conselho da UE no segundo semestre de 2019, apontava para uma redução entre 60 e 70 mil milhões do montante global de 1,279 biliões de euros (preços correntes) previsto pela Comissão Europeia. Numa ótica de despesas, eram previstas despesas no valor global de 1,087 biliões de euros, 48.000 milhões abaixo do plano inicial da Comissão Europeia.
A própria presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, manifestou a sua preocupação porque estavam previstos “cortes profundos em políticas que são chave para a agenda estratégica, como na Frontex [Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira], na Defesa, na área digital ou na economia verde”.
Valores que davam voz ao descontentamento dos países mais ricos, mas que foram liminarmente rejeitados por países como Portugal que antecipava um corte de 10% na Política de Coesão caso a proposta seguisse em frente. Mas a 13 de dezembro António Costa já se regozijava com a “morte diplomática” desta proposta.
1,16% do Rendimento Nacional Bruto
A proposta de Portugal
António Costa classificou de “inaceitável” a proposta finlandesa, mas colocou outra em cima da mesa: que as contribuições do Estados ascendessem a 1,16% do RNB. Na verdade, o valor das autorizações de despesas é mesmo que vigora para 2014-2020, na UE a 27 (excluindo o Reino Unido). Portugal considera tratar-se de “uma proposta razoável”, que se situa num ponto “intermédio” entre as propostas do Parlamento Europeu e do Conselho.
Por isso, até realizou uma cimeira dos Amigos da Coesão em Beja, no início de fevereiro, para pedir a manutenção do Orçamento comunitário. Quinze dos 17 países presentes assinaram a declaração (de fora só fiaram a Itália e a Croácia). “O financiamento da Política de Coesão para 2021-2027 deve manter o nível do Quadro Financeiro Plurianual de 2014-2020 em termos reais. Nenhum Estado-membro deve sofrer uma redução acentuada e desproporcionada da sua verba de coesão”, lia-se na declaração final da Cimeira.
1,114% do Rendimento Nacional Bruto
A proposta original da Comissão
Já na proposta inicial da Comissão Europeia (que contemplava contribuições de 1,114% do RNB) Portugal arriscava um corte de 7% na Política de Coesão e de 15% no segundo pilar da Política Agrícola Comum (PAC), o do desenvolvimento rural, embora os pagamento direitos (o primeiro pilar) se mantivessem para Portugal.
A nova proposta de Charles Michel continua a ser inferior à apresentada originalmente pela Comissão Europeia, em 2018, e que já na altura recolheu um coro de críticas, porque colocava as autorizações de despesas em 1,134 mil milhões de euros ou 1,11% do Rendimento Nacional Bruto, contra 1,16% em 2014-2020 para a UE-27 (excluindo o Reino Unido).
1,3% do Rendimento Nacional Bruto
Proposta do Parlamento Europeu
Tudo o que está em discussão fica aquém da contribuição de 1,3% do RNB defendida pelo Parlamento Europeu, que tem a última palavra no processo negocial, e que já manifestou o seu descontentamento com o novo documento sobre a mesa, porque não difere muito da proposta finlandesa, claramente rejeitada pelo Parlamento.
Na resolução aprovada a 4 de novembro, o PE contrariou a proposta da Comissão Europeia, que previa face ao atual Quadro Financeiro Plurianual um corte global de cerca de 10% na Política de Coesão e de 5% na PAC para 2021-2027.
A proposta dos eurodeputados — aprovada por 429 votos a favor, 207 contra e 40 abstenções — defende que o nível do próximo orçamento comunitário deve ser fixado em 1,324 biliões de euros, o que representa 1,3% do RNB da UE-27, “a fim de assegurar o nível necessário de financiamento para as políticas fundamentais da UE que lhes permita cumprir a sua missão e objetivos”.
Tanto o Parlamento Europeu, como Portugal defendem que o Orçamento comunitário seja “engordado” com recursos próprios, nomeadamente através da tributação dos gigantes tecnológicos, a aplicação de taxas sobre as empresas poluentes e sobre transações financeiras internacionais. Esta opção permitiria mais verbas para as novas prioridades da Comissão sem aumentar as contribuições dos Estados membros.
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