Responder mais rápido e melhor aos desafios da digitalização é a razão fundamental para o reskilling. E até as empresas quase centenárias apostam na requalificação dos seus trabalhadores.
Uma forma de dar resposta às exigências do mercado de trabalho, responder à escassez de talento, valorizar e otimizar os recursos humanos, diminuir o turnover e promover o envolvimento dos trabalhadores na organização. Da ciência à distribuição, passando pelos serviços e pela tecnologia, empresas de setores tão distintos como a Delta, Merck, Luís Simões, Galileu, Axians, Outsystems ou a Bee Engineering estão a apostar em processos de reskilling das suas equipas. Mas porquê investir na reformação de pessoas que, atualmente, se enquadram nas necessidades?
O Fórum Económico Mundial prevê que, a partir de 2022, se comecem a sentir os efeitos da revolução da indústria 4.0, será marcada pela introdução da tecnologia e automação no mundo do trabalho. A disrupção tecnológica poderá eliminar milhões de empregos — e criar novos –, e uma das soluções será a aposta na requalificação para competências digitais e a transição para outras áreas de conhecimento, aumentado a possibilidade de garantir postos de trabalho.
Requalificar para garantir futuro
A requalificar desde o primeiro dia. Fundada em 1961, a Delta Cafés, de Campo Maior, acredita que a requalificação tem permitido garantir a continuidade das mais de 300 funções em todo o grupo, distribuídas pelos mais de 3600 trabalhadores. Os programas “Supera-te”, que forma os supervisores das equipas de operações nas áreas de liderança e comunicação ou o “Delta Force”, em parceria com a Nova SBE e pensado para capacitar toda a equipa de vendas comercial nos seus vários níveis hierárquicos são dois exemplos disso mesmo.
A requalificação “é uma oportunidade para dissipar as dúvidas e a ansiedade que momentos de mudança trazem às organizações”, acredita Ana Rita Lopes, diretora de recursos humanos do grupo Nabeiro-Delta Cafés. “Sendo programas customizados, os colaboradores reveem-se nos objetivos partilhados, no cenário desejado para o futuro e isso motiva-os, não só a participar como também a ser um agente catalisador dessa mudança. O fator essencial da mudança passa por garantir o seu compromisso”, acrescenta.
Na Merck, farmacêutica que se instalou em Portugal em 1934, o reskilling tem servido para reforçar competências digitais e as soft skills dos 83 colaboradores. Para saber o que precisam os trabalhadores, a empresa faz inquéritos anuais e aposta na requalificação de competências e desenvolvimento tecnológico no centro de inovação em Darmstadt, na Alemanha, onde fica a sede da empresa. “Procuramos dar resposta aos desafios constantes da indústria onde estamos inseridos, tentando sempre antecipar necessidades futuras. Não vemos a era tecnológica como uma ameaça para os nossos colaboradores. Pelo contrário, esta era veio fomentar a nossa constante preocupação no desenvolvimento das competências dos nossos colaboradores”, conta Sónia Rosa, diretora de RH da Merck.
O fator essencial da mudança passa por garantir o compromisso dos trabalhadores.
“O setor de transporte e logística está em plena transformação, é fundamental estarmos atentos às oportunidades e sermos ágeis e flexíveis”, começa por contar Daniela Simões, administradora das áreas de business development, subcontratação e RH da Luís Simões. A empresa de logística de distribuição fundada em Loures, em 1948, emprega cerca de 2.500 colaboradores na Península Ibérica e soma mais de 100 funções diferentes dentro da organização. A requalificação não é, no entanto, uma novidade: e o LS Plus, que junta profissionais mais experientes e os recém-chegados, num programa de tutoria, é disso exemplo. Para os mais seniores, a empresa promove “a rotação dos profissionais já com ampla experiência em áreas concretas, oferecendo-lhes a oportunidade de mudar de área ou de negócio”, refere a responsável. Além disso, a empresa tem apostado em ações de automatização e digitalização dos processos, reduzindo tarefas administrativas, repetitivas e de controlo, o que permite melhorar a relação com o cliente.
A Luís Simões dá ainda aos cerca de 2.500 trabalhadores a oportunidade de assumirem outra função, dotando-os das ferramentas e da formação necessária, principalmente em tarefas que passam a ser automatizadas. “A requalificação para as novas funções é fundamental, tanto para dotar o colaborador das condições necessárias para poder exercer a sua função com mais ferramentas, como na perspetiva da empresa, que terá um profissional mais bem preparado para a função e potencialmente com melhores resultados”, ressalva a diretora de RH.
Em 2019, a consultora de tecnologia Bee Engineering, deu mais de 5.600 horas de formação presencial e mais de 5.800 de formação online aos mais de 180 trabalhadores. Através do centro de treino, a empresa “garante formação certificada a todos os nossos colaboradores ao longo do ano em várias áreas: técnicas, softs skills, gestão e línguas”, conta Sandrina Salvado, head of human capital da empresa. “Potenciar o reskilling e upskilling dos nossos quadros permite-nos aumentar a competitividade nesta era do digital. Queremos, acima de tudo, que as nossas pessoas possam crescer e ser uma referência nos projetos que desempenham”, acrescenta.
Também na Galileu, consultora de recursos humanos e especializada em formação noutras empresas, a aposta é dentro de casa. Os programas de requalificação na Galileu passam por formação on job, em sala, e-learning, além do plano anual que é desenhado para cada um dos trabalhadores, que “contempla já questões relacionadas com a transformação digital e a sua evolução profissional na organização”, garante Cláudia.
De dentro para fora
Mas o reskilling não é apenas da responsabilidade interna das empresas. A Recodme, um programa de reconversão profissional criado por um conjunto de empresas e destinado a jovens até aos 29 anos que queiram fazer reforçar competências ou fazer carreira no setor da tecnologia, conta também com o apoio do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). “São muitos os jovens interessados em mudar o rumo da sua vida profissional. Há cada vez mais pessoas a perceber o potencial de uma carreira em tecnologia”, salienta Rebecca Santos, program manager da Recodme. “Temos as competências técnicas para o fazer e, por isso, agarramos esta oportunidade para ter um impacto positivo na sociedade e todos temos a ganhar – as empresas por terem profissionais qualificados que podem contratar e por outro lado, as pessoas que têm a oportunidade de construir uma carreira na área mais dinâmica do mercado de trabalho”, esclarece.
Uma das empresas fundadoras da Recodme foi a Bee Engineering. “É necessário continuarmos a apostar na transferência de conhecimento produzido pelas universidades e politécnicos para o tecido empresarial”, destaca Sandrina Salvado. A Bee Engineering promove o programa 360º, para selecionar talento para o setor da inovação e tecnologia com base na sua competência, independentemente da sua idade, género, país de origem ou incapacidades físicas.
O setor de transporte e logística está em plena transformação, é fundamental estarmos atentos às oportunidades e sermos ágeis e flexíveis.
“O que observamos no mercado é que a automação está a criar desemprego em indústrias em que temos clientes, e é aí que nos vemos a atuar, dinamizando projectos de reskill e upskill”, sublinha Gonçalo Gaiolas, vice-presidente da Outsystems, empresa portuguesa líder mundial em plataformas low-code que tem investido na formação e requalificação de competências digitais, dentro e fora da empresa. Entre várias iniciativas, a Outsystems criou um programa piloto com o IEFP e o Instituto Politécnico de Castelo Branco, destinado aos alunos licenciados com bons resultados nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemáticas e outro, de educação para reforçar as competências digitais em cursos com menos saídas profissionais e ainda o Upskill, para garantir que os programadores mais experientes não ficam para trás na era de transformação digital.
Requalificar ou substituir?
O reskilling vai permitir às empresas acompanhar as inovações tecnológicas, ao mesmo tempo que dá aos trabalhadores a garantia de que a sua função continua a ter valor no mercado de trabalho. Mas algumas profissões serão totalmente substituídas, principalmente as que requerem tarefas mais repetitivas, dependentes de papel e de gestão manual.
“O que sentimos também é a necessidade de contratar um maior número de profissionais que não tinham tanta procura no nosso setor, como por exemplo, designers gráficos ou business designers”, conta Fernando Rodrigues, managing director da Axians. “Um engenheiro especialista em redes de telecomunicações terá de ter a capacidade de programar software. Um trabalho que, no passado, era feito manualmente, será no futuro feito por um robô”, exemplifica.
No caso da Delta, a automação vai ter maior impacto nas áreas de controlo e gestão, mas Ana Rita Lopes exclui a hipótese de virem a desaparecer funções. “Destacamos funções que se relacionem com a gestão de grandes quantidades de informação, que nos levam a considerar que de futuro venhamos a ter cada vez mais funções de business analytics e de controlo e gestão de informação”, refere. “Por outro lado, nas áreas menos ligadas à produção, o desafio passará por identificar em que medida a IA poderá alavancar os processos e formas de trabalho, de forma a potenciar as competências das nossas pessoas”, sublinha a responsável de RH.
“A diferença parece-me estar na forma como cada empresa recebe e acolhe aqueles que atraiu para junto de si, e que experiências lhes consegue proporcionar”, acrescenta Sandrina Salvado, da Bee Engineering.
Procuramos dar resposta aos desafios constantes da indústria onde estamos inseridos, tentando sempre antecipar necessidades futuras
Esta realidade estende-se também à Luís Simões, por exemplo no caso dos operadores de armazém, que substituíram o papel por um suporte em radiofrequência, com ajudas visuais e controlos anti erro, e dos motoristas. “A função dos motoristas é muito mais do que conduzir, é um gestor de uma unidade de produção: realizamos confirmações de entrega com suporte tecnológico e disponibilizamos a informação das viagens nas consolas das viaturas, o que obriga os nossos colaboradores a possuir conhecimentos técnico adicionais”, explica Luís Simões.
Mudar para prosperar
No horizonte, as empresas olham para a mudança como uma oportunidade de melhorar e não como uma ameaça. “Estamos a assistir a uma incontestável alteração do recurso estratégico: as pessoas assumem na sociedade de informação um papel vital e crucial. Atrair os colaboradores certos para funções certas e retê-los, motivá-los, alinhando os seus objetivos de carreira com os da empresa, representa um grande desafio”, ressalva Sandrina Salvado, da Bee Engineering.
“Temos as competências técnicas para o fazer e, por isso, agarramos esta oportunidade para ter um impacto positivo na sociedade e todos temos a ganhar – as empresas por terem profissionais qualificados que podem contratar e por outro lado, as pessoas que têm a oportunidade de construir uma carreira na área mais dinâmica do mercado de trabalho”, remata Rebecca Santos, da Recodme.
O maior desafio do futuro será gerir a forma como os trabalhadores se vão relacionar com o trabalho e integrar a complexidade da mudança, sem esquecer as características que os tornam únicos.
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Reskilling: quando o poder está na (trans)formação
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