CESE, energias renováveis e a fatura da transição energética: quo vadis?
Um dos principais fatores que mais influencia a capacidade de produção energética nacional é a carga ou pressão fiscal para cada exercício económico.
A reformulação da Diretiva 2009/28/CE, por intermédio da Diretiva (UE) 2018/2001, aponta o caminho ambicioso que a UE pretende prosseguir, no âmbito da promoção das energias renováveis e da redução de emissão de gases com efeito de estufa.
No horizonte 2020-2030 e até ao término da terceira década do presente século, é fixada uma meta vinculativa ao nível da União de, pelo menos, 32% de consumo de energia de fonte renovável.
Pese embora as orientações estabelecidas ao nível do quadro comunitário, caberá aos respetivos Estados-Membros definir o seu contributo a fim de alcançar a referida meta, através dos respetivos planos nacionais integrados em matéria de energia e clima (no caso português, o PNEC 2021-2030), de acordo com as suas especificidades, o mix energético e ainda a respetiva capacidade de produção.
Um dos principais fatores que mais influencia a capacidade de produção energética nacional é a carga ou pressão fiscal, correspondente à relação percentual entre o total dos impostos e contribuições efetivas para a Segurança Social e o PIB, para cada exercício económico.
É justamente ao nível da relação entre política energética e política fiscal que Portugal apresenta um cenário totalmente contracíclico, especialmente prejudicial num país com ampla disponibilidade de recursos endógenos renováveis (água, sol, vento, biomassa, geotermia).
A uma taxa real de IRC próxima dos 30% (composta pela taxa nominal, acrescida de derramas e tributações autónomas), acresce uma série de tributos setoriais, com natural destaque para a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE).
Depois das alterações introduzidas pelo OE 2019, o legislador veio colocar termo à isenção de CESE até então vigente para as entidades detentoras de centros eletroprodutores com recurso a fontes de energia renovável que beneficiem de regimes de remuneração garantida (“feed-in tariff”).
Tal opção evidencia bem que, não obstante a CESE ter nascido em 2014 com propósitos conjunturais, ainda sob a égide do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), rapidamente se metamorfoseou num tributo de base estrutural, ancorado numa pretensão de exigir aos respetivos sujeitos passivos o pagamento, pela via fiscal, dos custos associados à dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN).
Ora, a realidade atual demonstra que as motivações de política fiscal que presidem à oneração do setor das energias renováveis por intermédio da CESE há muito cederam perante a evidência dos factos:
- Em primeiro lugar, a dívida tarifária do SEN apresenta uma trajetória descendente desde o ano de 2016, mesmo sem contemplar a devida injeção da receita da CESE consignada à respetiva amortização, situação igualmente paradoxal e já salientada pela própria ERSE;
- Em segundo lugar, o setor das energias renováveis é, conforme inicialmente referimos, o principal veículo para a prossecução e alcance dos objetivos nacionais em matéria de consumo de energia de fonte renovável e, consequentemente, para o alcance dos objetivos a que Portugal se encontra vinculado no horizonte 2020-2030, em matéria de transição energética.
É conhecida a existência de um amplo contencioso em torno da CESE que, mais tarde ou mais cedo – assim entendemos – levará a que o Tribunal Constitucional sancione a indisciplina normativa do legislador nacional ao nível deste tributo camaleónico e disforme.
Antes disso, seria da maior importância que o mesmo legislador tivesse a ousadia de utilizar a política fiscal como um verdadeiro instrumento indutor de eficiências, tanto na produção como na alocação de recursos escassos (como é o caso da energia, tendo em consideração fatores como a sua dissipação ou condições de armazenamento).
E tal só se afigura possível com uma diametral revisão do enquadramento das energias renováveis no regime da CESE, enquadramento esse que, a não culminar com o restabelecimento da isenção que vigorou até 2019, pelo menos possa atenuar, forma significativa, os efeitos nocivos deste tributo para os diferentes ciclos de investimento do setor e, por esta via, para a preservação do seu contributo em face dos amplos desafios impostos pela transição energética.
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