Portugal visto de fora: brilhou, tremeu e não caiu
Portugal "continua no fio da navalha em termos económicos, mas em 2016 não caiu". É esta uma das perspetivas do país visto pelos jornalistas correspondentes com que o ECO falou.
Com o atual nível de dívida externa, Portugal está dependente dos investidores externos. Estes estão atentos ao que se passa no país para tomar decisões: mudanças políticas, orçamentos e a relação com a União Europeia são os principais fatores. Centeno, por exemplo, incendiou duas vezes os mercados: em setembro disse a palavra “resgate” à estação de televisão norte-americana CNBC e em novembro referiu uma renegociação da dívida ao jornal alemão Bild.
Não é só na dívida que as notícias são essenciais. No turismo, por exemplo, uma das mudanças de política foi, nos últimos anos, apostar em convites a jornalistas estrangeiros para vir reportar sobre os destinos turísticos do país. O Web Summit — uma das obsessões do ECO — foi um íman de atração, no final do ano, e a nomeação de António Guterres para a ONU foi a cereja no topo do bolo de um ano em que Portugal mostrou a sua face mais positiva ao mundo. Isto depois de quatro anos em que o programa de ajustamento financeiro era o lead de qualquer notícia, tal como recorda Marie-line Darcy ao ECO.
Paul Ames, jornalista freelancer que colabora com o Politico, o Financial Times ou o Wall Street Journal, elege 2016 como um ano de “muitas notícias”, elencando as eleições presidenciais, o Euro 2016 e Guterres na ONU como os principais focos. No entanto, o jornalista tinha uma eleição a fazer. “Para mim, a notícia portuguesa do ano foi a sobrevivência e funcionamento da ‘geringonça’“, nota ao ECO, explicando: “A maneira como o Governo conseguiu evitar um conflito maior com Bruxelas e ao mesmo tempo manteve o apoio parlamentar do PCP e do BE, inclusive dois acordos de Orçamento do Estado, isto foi para mim o acontecimento mais marcante do ano”.
O jornalista vai mais longe argumentando que Portugal “continua no fio da navalha em termos económicos, mas em 2016 não caiu”, conseguindo o equilíbrio entre Bruxelas, Toronto (agência de rating DBRS), os parceiros da ‘geringonça’, o sistema bancário, o processo de sanções e suspensão dos fundos europeus, a subida dos juros sobre as obrigações, entre outros temas que Paul Ames destaca.
Já em França, do ponto de vista de Marie-line, não houve “nenhum” interesse na ‘geringonça’. “As boas notícias não vendem. Não há espaço de rádio, de jornais, para incluir coisas ‘mais pequenas’ de Portugal. Comparando com tudo o que é publicado em França, a janela portuguesa é muito pequenina“, afirma, ao ECO, a jornalista que está há mais de 20 anos em Portugal. Como freelancer baseada em Lisboa, a jornalista também ajuda colegas franceses que chegam a Portugal para cobrir determinado evento. “A crise deu-me muito trabalho. Muito mais trabalho… Tinha de estar atenta quando havia uma decisão da troika e do Governo português”, recorda, comparando com o momento atual.
Em 2004 e 2005, respetivamente, Durão Barroso e António Guterres foram eleitos pela Associação de Imprensa Estrangeira em Portugal para Personalidade do Ano. O prémio é dado anualmente e, em 2016, os nomes destes dois portugueses regressaram à atualidade por diferentes razões: Durão Barroso foi notícia pelas dúvidas éticas da sua passagem da Comissão Europeia para a Goldman Sachs Internacional; António Guterres chegou, depois de um processo de meses, a secretário-geral da Organização das Nações Unidas.
Em 2016, apesar de Guterres se ter destacado novamente, foi a vitória inédita do Euro 2016 que deu a Fernando Santos o prémio este ano. Javier Martín considera que, “pela sua importância”, António Guterres foi a Personalidade do Ano “sem dúvida nenhuma”. No entanto, “pelo impacto nas pessoas da rua, Fernando Santos”, nomeia o jornalista espanhol.
Também Marie-line Darcy — que colabora, entre outros órgãos de comunicação social, com a Radio France e a France 24 — revê-se na importância de Guterres, apesar de pouca gente o conhecer. Isso deu-lhe alguns pedidos de perfil do português após a nomeação para a ONU. Contudo, “em França, as eleições presidenciais dominaram a agenda mediática no país, retirando espaço a outros assuntos, principalmente nos meios não online onde o espaço é limitado”, explica a jornalista. Comparando com outros anos, a jornalista classifica 2016 como “um ano low profile“.
No Euro, a conversa foi outra: “Em termos jornalísticos não se pensou com antecedência que Portugal poderia ganhar. Os media franceses não estavam preparados”, recorda ao ECO. Foi um período mais intenso para a jornalista que gostou particularmente desse momento. “Para os jornalistas correspondentes franceses foi interessante para poder transmitir justamente o bom ambiente e o apoio de Portugal inteiro à equipa. O facto de ser uma vitória depois de anos de complicações, de crise, de austeridade… Os portugueses precisavam de uma alegria. Os portugueses são muito criativos”, esclarece.
Espanholização da banca
Visto pelo seu país vizinho, a espanholização da banca foi o ‘acontecimento’ mais marcante, para lá das possíveis sanções e da suspensão dos fundos estruturais que uniram os dois países junto da União Europeia. No final de 2015, o Santander Totta comprou o Banif e 2016 foi um ano marcado pela conquista da posição dominante do CaixaBank, um dos maiores bancos espanhóis, no BPI e a redução da exposição a Angola. Além disso, o Bankinter comprou o Barclays e aumentou a sua presença em Portugal ao longo deste último ano com a sua política de crédito. Ao ECO, Javier Martín elege este assunto como o mais importante do ano, do ponto de vista económico, enquanto correspondente espanhol em Lisboa.
Web Summit vs. Eleições nos EUA
2016 foi o ano em que o Web Summit veio para Lisboa. E com o evento vieram dois mil jornalistas de todo o mundo. Apesar de Javier Martín argumentar que é “um evento muito específico e sobrevalorizado”, a verdade é que o evento espalhou mundialmente o nome de Portugal: The Guardian, The Atlantic, The Huffington Post, Business Insider, Telegraph – estes são apenas alguns exemplos dos muitos artigos escritos sobre o país e o evento.
Paul Ames notou a importância do evento, apesar de não lhe terem pedido muitos artigos sobre o evento, principalmente nos seus colegas correspondentes em Lisboa. “Há interesse no setor start-up em Portugal, sobretudo há um buzz em volta de Lisboa“, destaca o jornalista. Como escreve maioritariamente para o site Politico.eu, o seu foque é mais política, tendo em conta o enquadramento europeu e internacional, apesar de também escrever sobre turismo, viagens, gastronomia ou cultura para outros órgãos.
O entusiasmo da jornalista francesa também não foi maior. “Fiquei muito dececionada”, começa por dizer, seguindo para uma pergunta: “Quem se lembrou de fazer o Web Summit em Lisboa na mesma semana que as eleições norte-americanas?” Marie-line Darcy explica ao ECO que a atenção dada ao evento foi pouca por falta de espaço nos noticiários dado o momento político internacional. “Tenho pena porque até era um assunto interessante”, refere.
Turismo: um motor e uma bolha
Nos primeiros dez meses do ano os turistas deixaram em Portugal 36 milhões de euros, por dia. Esta contabilização não conta com o Web Summit que se realizou no 11º mês, novembro. Javier Martín, correspondente do El País, realça essa componente: “O turismo tem sido um dos motores da economia portuguesa“, afirma ao ECO. Isso reflete-se nos artigos que são mais lidos, por exemplo, no diário espanhol, atraindo por isso o interesse dos espanhóis. “Os artigos no suplemento do El Pais, o El Viajero, são dos mais visitados. Frequentemente tenho amigos espanhóis em Lisboa”, revela.
Essa mesma visão é corroborada por Paul Ames: “Os números mostram um grande aumento das visitas. 2015 já foi um ano recorde, e este ano vamos ter de novo um crescimento acima de 10%”, relembra o jornalista. Uma das razões, aponta, é o facto de Portugal surgir como uma alternativa segura, na Europa, sobretudo na região do Mediterrâneo, face aos sucessivos atentados em vários locais do Ocidente. Apesar de triste — no final de novembro, o americano Eric Weiner escrevia na BBC que Portugal era “o país europeu que adorava estar triste” — Portugal foi a escolha de muitos estrangeiros.
O próprio Presidente da República reconheceu que 2016 foi um “ano histórico para o turismo”, mas deixou um aviso: é preciso que o crescimento seja sustentado. É o mesmo receio que tem Paul Ames: “Lisboa deve ter algum cuidado porque o turismo está a transformar a cidade de uma forma que nem sempre é positiva”, afirma ao ECO. “Moro no centro da cidade e vejo a proliferação de hotéis e alojamentos locais com alguma preocupação. Os turistas não vêm para ver hotéis, nem para ver outros turistas. Antes procuram uma cidade com alma, e receio que Lisboa corra o risco de perder a sua. Receio também que se esteja a criar uma bolha imobiliária“, alerta o jornalista.
O mesmo receio é partilhado por Marie-line Darcy: “Houve uma grande bola de neve à volta do estatuto de não residente habitual. O Governo anterior vendeu essa ideia. O imobiliário conseguiu pegar nisto e vender. Fizeram grandes promoções em França, talvez os portugueses não se apercebam”, revela. Agora, avisa, pode já estar em andamento uma bolha imobiliária que “pode ser perigosa para Portugal, principalmente se os turistas forem embora. Não quero que isto vá novamente para uma crise, o que pode acontecer”.
Portugal no radar das notícias
É difícil fazer um recapitular de todo o ano com as notícias sobre Portugal. No entanto, há algumas peças marcantes nas áreas da economia e política: o “oásis de estabilidade” descrito no Politico (expressão de Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares), o resgate de Centeno na CNBC, a investigação jornalística internacional Football Leaks que envolve vários portugueses, as críticas de Schäuble na Bloomberg, a estabilidade política exceto as autárquicas relatada pela The Economist, o país cool descrito pelo El Confidencial, e até a possível fábrica da Tesla em Portugal noticiada inicialmente pelo Faro de Vigo.
Fora da economia e política, Portugal também esteve nas notícias: o facto de Portugal ter estado quatro dias apenas a utilizar energia renovável, o conflito diplomático com o Iraque, Fernando Santos foi eleito o melhor selecionador do mundo, o sucesso nas Estrelas Michellin com 2016 a ser o melhor ano de Portugal, a ida de Durão Barroso para a Goldman Sachs e ainda as relações tensas com Angola puseram Portugal no radar. Mesmo a terminar o ano, as palavras do diretor do Jornal de Angola tiveram eco. José Ribeiro criticou as elites portuguesas, a ida de Luaty Beirão à Assembleia da República, e disse que “as punhaladas portuguesas são históricas”.
O que reserva 2017?
É outra das obsessões do ECO: 2017, o que aí vem? As perspetivas para o próximo ano têm marcado os últimos dias do ano da agenda mediática numa altura menos noticiosa. Contudo, o estado de saúde de Mário Soares é um assunto a acompanhar, referem os jornalistas correspondentes em Lisboa. Em França, principalmente, refere Marie-line Darcy, o ex-Presidente tem fama pela sua ligação aos socialistas franceses. “A imprensa internacional vai estar muito atenta”, afirma Paul Ames.
De um ponto de vista económico, as avaliações da DBRS em abril e outubro são os momentos fulcrais, principalmente no mês em que o Orçamento do Estado para 2018 será apresentado. Além disso, Paul Ames destaca a situação na banca e a “pressão sobre as obrigações do Estado”, para além dos habituais temas: as dúvidas à volta do crescimento económico, o défice e a dívida pública.
“Vamos ter um contexto internacional muito complicado – com o Trump, o Brexit, as eleições em França, Holanda e Alemanha, as incertezas vindas de Itália, que podem todos ter um grande impacto numa economia como a de Portugal. A questão mais relevante é de saber como o Governo de António Costa vai conseguir navegar nestas águas turbulentas“, explica o jornalista Paul Ames. Internamente, a situação política da oposição, nomeadamente no PSD, poderá ser um foco para a imprensa internacional dedicada à política europeia. Por fim: as eleições autárquicas no final do ano podem, se lidas nacionalmente, ter impacto, principalmente os resultados em Lisboa e Porto.
Fora da economia e política, a visita do Papa Francisco em maio nas comemorações do centenário das aparições de Fátima vai gerar interesse, por exemplo, em França, apesar de o calendário poder fazer bater a segunda volta das eleições presidenciais, nota Marie-line Darcy. A localidade vai ainda receber, no final de 2017, a Conferência Mundial da Organização Mundial de Turismo.
Editado por Mónica Silvares
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