Petróleo afunda para terreno negativo. E agora?

Data limite de um contrato de futuros foi a chave para o crude WTI negociar pela primeira vez em terreno negativo. Ainda deverá faltar mais um dia de sofrimento, mas a prazo o efeito poderá não durar.

Há tanto petróleo no mundo que há quem prefira pagar, aos compradores, para se livrar de ter de armazenar a matéria-prima. Pela primeira vez na história, o crude WTI negociou em terreno negativo e chegou a tocar -40 dólares. Apesar de o movimento inédito ser visto como um efeito técnico (causado pelo fim do prazo de um contrato de futuros), é também sintomático da dimensão do excedente.

O armazenamento está demasiado cheio para os especuladores comparem este contrato e as refinarias estão a trabalhar a baixos níveis porque ainda há a imposição de confinamento em muitos Estados”, explica Phil Flynn, analista do Price Futures Group em Chicago, em declarações à Reuters.

O contrato, a que se refere o analista, foi a chave para a queda a pique dos preços. Os futuros de maio atingem a maturidade esta terça-feira, e à medida que os contratos de futuros se aproximam do vencimento, perdem liquidez já que muitos investidores não querem realmente comprar a mercadoria, mas apenas negociá-la ou especular sobre o preço.

Na prática, se os investidores não vendessem o contrato, teriam de ficar com a matéria-prima. Normalmente, vendem-no a quem queira realmente o petróleo, mas, neste caso, o excedente no mercado impediu esse normal funcionamento.

O armazenamento está demasiado cheio para os especuladores comparem este contrato e as refinarias estão a trabalhar a baixos níveis porque ainda há a imposição de confinamento em muitos Estados.

Phil Flynn

Analista do Price Futures Group em Chicago

Há 160 milhões de barris, que ninguém quer comprar, estacionados por todo o mundo, enquanto grande parte da população global está fechada em casa sem precisar de consumir combustíveis. Com a capacidade de armazenamento a atingir o limite, os custos agravam-se.

O fim do prazo do contrato, a juntar-se à volatilidade que se tem vivido nos mercados devido ao impacto da pandemia e a notícias de dois grandes players dos fundos petrolíferos, criou a tempestade perfeita.

Se, por um lado, a situação pode ser vista como um fator técnico, por outro, este ainda não chegou ao fim: esta terça-feira este contrato ainda vai negociar. “Não tenho grande esperança em que haja melhorias nas próximas 24 horas”, acrescenta Flynn.

Ser técnico significa que vai passar? Não é assim tão simples

Ao contrário do que aconteceu com os contratos para entrega em maio, os restantes prazos mantiveram-se em terreno positivo. O petróleo para junho perdeu 19% para 20,43 dólares, sendo que o spread entre os contratos de maio e junho chegou ao máximo histórico de 60,76 dólares.

Diferencial semelhante foi o registado entre o crude WTI e o Brent de referência europeia. Apesar de o petróleo ter desvalorizado também no mercado londrino, a queda foi muito inferior: cerca de 9% para 25,60 dólares por barril.

Evolução do preço do Brent

Para Portugal, é esta a referência das importações. O país fica assim à margem da montanha russa que se viveu em Wall Street esta segunda-feira, mas não completamente a salvo da volatilidade no mercado devido ao excedente causado pelo forte impacto da pandemia de Covid-19 na procura por petróleo.

Após uma guerra de preços entre Arábia Saudita e a Rússia devido ao desacordo em relação à abordagem ao problema, os maiores produtores de petróleo do mundo — o grupo conhecido como OPEP+ — acabaram por alinhar num corte de produção.

Este grupo — que inclui 23 países, dos quais os 13 são os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) — vai cortar a produção em 9,7 milhões de barris por dia. Mas a estimativa é que a procura por petróleo diminua em 30 milhões de barris por dia devido à pandemia.

A expectativa dos analistas é que os preços continuem sob pressão, a menos que seja vista uma intervenção mais forte dos produtores. Neste cenário, a incerteza ainda é grande para perceber se as variações terão impacto na economia e nas contas públicas de Portugal, que importa todo o consumo. Até porque o caminho da procura irá depender da forma como o levantamento das medidas de restrições se processar.

Onde a variação do preço se faz sentir quase de imediato é na carteira dos consumidores. Com as atualizações semanais feitas pelas petrolíferas em Portugal com base na evolução média dos preços do petróleo e derivados nos mercados internacionais, os combustíveis refletem logo as variações. Atualmente, gasolina e gasóleo já são comercializados aos preços mais baixos desde o verão de 2017. Caso o petróleo continue a desvalorizar, os combustíveis poderão acompanhar.

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