CGTP e UGT pintam um retrato semelhante de como a pandemia está a afetar o mundo do trabalho, mas diferem nas medidas que propõem como resposta.
É com o desemprego a disparar e milhares de portugueses com rendimentos cortados que é comemorado, este ano, o Dia do Trabalhador. A pandemia sanitária corre o risco de se tornar numa pandemia do emprego, afirma Carlos Silva. Os direitos dos trabalhadores têm sido atropelados, frisa Isabel Camarinha. Os líderes das duas centrais sindicais do país, a UGT e a CGTP, traçam um retrato semelhante da atual realidade do mercado de trabalho português, mas diferem nos caminhos propostos em resposta.
Abusos laborais, desemprego, cortes nos rendimentos. Foi isto que o surto de Covid-19 trouxe ao mundo do trabalho português, dizem os sindicalistas, em entrevista ao ECO. Camarinha critica as medidas tomadas pelo Governo, enquanto Silva pede “contenção” aos empresários. Mas se para a primeira a lei laboral deve ser revista e os despedimentos de todos os tipos proibidos, para o segundo o Código do Trabalho deve gozar agora de alguma estabilidade e os despedimentos evitados, reconhecendo que a proibição seria algo não só complicado, como impossível.
Em sintonia, estão pelo menos quanto a um ponto: o salário mínimo vai ter de continuar a crescer, sobretudo nas atuais circunstâncias. Num momento em que o Executivo de António Costa já deixou cair o compromisso de aumentar as remunerações no Estado em 2021 — dizendo que não sabe se tal será possível –, UGT e CGTP são claras: a valorização da remuneração mínima garantida não pode ser agora abandonada.
No momento atual, qual o maior problema ou desafio no mercado de trabalho português?
- Isabel Camarinha (CGTP): O maior desafio é existirem medidas que correspondem às necessidades do momento, do país e dos trabalhadores, isto é, medidas que garantam todos os postos de trabalho, que garantam os salários e os direitos dos trabalhadores, que garantam o investimento nos serviços públicos e nas funções sociais do Estado. Aquilo que alguns diziam: “quanto menos Estado melhor o Estado”, não é verdade, nunca foi e está agora provado que não é assim. Relativamente aos trabalhadores, o que estamos a assistir é a um brutal ataque aos seus direitos, começando pelo próprio direito ao trabalho, à segurança no emprego. Os níveis de precariedade que temos no nosso país, fica agora provado que fragilizam ainda mais os nossos trabalhadores. Os trabalhadores com vínculos precários foram os primeiros a serem despedidos dos seus locais de trabalho, nos quais estavam a ocupar postos de trabalho permanentes, na sua maioria.
- Carlos Silva (UGT): O crescimento exorbitante do número de desempregados que estão a acorrer aos centros de emprego, a falta de resposta do Estado — não tanto do Governo, mas do Estado do ponto de vista global –, a confusão gerada num conjunto de organismos do Estado — ao nível da Segurança Social, pela ausência de pagamento às empresas da sua parte do lay-off –, e a continuação do estado de pandemia, embora termine no fim de semana o estado de emergência.
Quando as empresas tiveram de encerrar, tivemos conhecimento de milhares de micro, pequenas e média empresas que a primeira coisa que fizeram foi rescindir os seus contratos com os trabalhadores, mandar para a rua tudo o que era precário.
A pandemia de coronavírus tem dado azo à violação dos direitos dos trabalhadores e a abusos laborais?
- Carlos Silva (UGT): Quando as empresas tiveram de encerrar, tivemos conhecimento de milhares de micro, pequenas e média empresas que a primeira coisa que fizeram foi rescindir os seus contratos com os trabalhadores, mandar para a rua tudo o que era precário. E depois algumas aproveitaram a onda, de forma oportunista, para fazer despedimentos coletivos em massa. O apelo que se faz no 1º de Maio é para que haja algum sentido de contenção no setor empresarial em Portugal para travar, além da pandemia sanitária, a pandemia que se está a instalar ao nível do emprego. Depois do que aconteceu nos anos da troika, virem empresários colocar de novo a espada em cima da cabeça dos trabalhadores, que neste momento nem sequer têm alternativa de emigrar… veja bem quais são as condições que neste momento temos em Portugal.
- Isabel Camarinha (CGTP): O que estamos a assistir é ao atropelo dos direitos dos trabalhadores. Começando pelo próprio direito ao posto de trabalho, mas também aos salários. O que vemos é uma redução brutal das retribuições dos trabalhadores, quer em situação de lay-off, quer em situação de desemprego, quer em assistência à família. As medidas que o Governo aprovou não garantem a subsistência destes trabalhadores.
Sabemos também que este lay-off simplificado está a ser aproveitado por muitas empresas que não precisavam de apoio nenhum e que estão a utilizá-lo para pagar os salários aos trabalhadores. Médias e grandes empresas com muitos lucros de milhões, nos últimos anos.
A fiscalização desses abusos laborais tem sido suficiente, nomeadamente com o reforço dos recursos humanos e de competências da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT)?
- Isabel Camarinha (CGTP): A ACT não tem recursos suficientes. Já há muitos anos que dizemos que também aí houve desinvestimento. Com a nossa persistência e insistência, houve um esforço para reforçar a ACT, mas de qualquer forma é muito insuficiente para a necessidade que existe. Logo à partida exigimos que a ACT vá verificar os fundamentos para contratação com vínculo precário dos trabalhadores que foram despedidos pelas empresas, nomeadamente as que recorreram ao regime de lay-off simplificado. O que sabemos é que a legislação coloca a proibição dos despedimentos coletivos e dos despedimentos por extinção de postos de trabalho a partir do momento em que se requer o lay-off e até 60 dias depois, mas houve muitos trabalhadores que foram despedidos, com vínculos precários e outros, antes e durante o regime, mas como têm vínculo precário não se chama despedimento, chama-se caducidade. Sabemos também que este lay-off simplificado está a ser aproveitado por muitas empresas que não precisavam de apoio nenhum e que estão a utilizá-lo para pagar os salários aos trabalhadores. Médias e grandes empresas com muitos lucros de milhões, nos últimos anos.
- Carlos Silva (UGT): Por não ser suficiente é que nós temos de insistir com a necessidade de alocar ou afetar mais meios humanos e logísticos à ACT para fazer a sua fiscalização. Não apenas à ACT, mas também à ASAE. À ASAE, porque muitos empresários fariam uma verdadeira especulação, não viesse o Governo determinar que os preços das matérias fundamentais para a proteção vital dos trabalhadores tinha de ter um teto máximo; tínhamos um problema de especulação. Quem é que faz especulação? São empresários com poucos escrúpulos. Nós estamos num momento em que estamos em cima das autoridades para elas também estarem em cima das empresas e fiscalizarem os abusos. Porque os abusos são mais do que muitos. É uma vergonha! Despedimentos, marcação de férias unilateralmente.
É entendimento da UGT que o salário mínimo, no seu aumento ou evolução, deve ser intocável.
O Governo arrancou esta legislatura com os olhos postos numa meta: atingir um salário mínimo de 750 euros até 2023. Ainda é possível concretizar este objetivo ou a pandemia veio prejudicar os planos? Na Função Pública, já não há compromisso de aumentos…
- Carlos Silva (UGT): Nada está fora da mesa. Se me perguntar se acho que há condições, digo que não sei. Essa avaliação vai ter de ser feita entre nós e o Governo. [O salário mínimo] é discutido em Concentração Social e aprovado pela Assembleia da República. É entendimento da UGT que o salário mínimo, no seu aumento ou evolução, deve ser intocável. A UGT insiste que o salário mínimo deverá ser aumentado, em 2021. Agora não me pergunte é para qual é o valor. Vamos exigir o aumento do salário mínimo nacional em função da realidade do país. Vamos ter que ser muito pragmáticos, conscienciosos e ter a noção de que a evolução deste ano em que em vez de ser 50 ou 60 euros, como gostaríamos, porventura terá que ser mais baixa, mas isso vamos aguardar.
- Isabel Camarinha (CGTP): Se o Governo optar por esse caminho, está a optar pelo caminho errado. [Com a crise pandémica] ganha ainda mais força a necessidade do aumento generalizado dos salários, do aumento do salário mínimo nacional — e mantemos a consideração de que o objetivo deverá ser os 850 euros no mais curto prazo –, de acabar com a imensa precariedade. Se vamos aplicar outra vez a mesma receita que foi aplicada no tempo da troika com redução de retribuições e de direitos dos trabalhadores, o que vamos fazer é afundar ainda mais a economia e os trabalhadores ficarão em situações de exploração e de pobreza, que são completamente inaceitáveis.
Mantemos a nossa exigência de que haja uma revisão do Código do Trabalho, mas no sentido do progresso e da melhoria das condições de trabalho e para isso é preciso acabar com a caducidade das convenções coletivas de trabalho, repor o tratamento mais favorável, repor os valor das compensações por despedimento coletivo.
Este é um Dia do Trabalhador comemorado com o Código do Trabalho preso no Tribunal Constitucional. Que avaliação faz hoje e à luz dos desafios atuais de revisão recente da lei laboral?
- Isabel Camarinha (CGTP): Mantemos a posição que tínhamos, que foi completamente contra as alterações que foram introduzidas no Código do Trabalho, nomeadamente aquelas que aumentaram as possibilidades de precariedade. O que aconteceu na revisão do Código do Trabalho em 2019 foi que piorou relativamente à permissividade de contratos com vínculo precário. Mantemos a nossa exigência de que haja uma revisão do Código do Trabalho, mas no sentido do progresso e da melhoria das condições de trabalho e para isso é preciso acabar com a caducidade das convenções coletivas de trabalho, repor o tratamento mais favorável, repor os valor das compensações por despedimento coletivo.
- Carlos Silva (UGT): Para nós o Código do Trabalho está em vigor na sua plenitude. Na nossa opinião, não está nada pendente. No parlamento, há partidos que entenderam haver necessidade de outras mexidas, mas isso agora tem ficado de lado do discurso. O que importa é acudir às atuais circunstâncias. Neste momento, não estamos disponíveis para mexer em nada da legislação laboral. Como está atualmente, está muito bem e importa que seja fiscalizada e aplicada na defesa dos trabalhadores.
Neste momento, como o Código do Trabalho está, para nós, tem estabilidade e é para manter.
Na sua opinião, qual a medida mais urgente a ser tomada neste momento e até talvez já olhando um bocadinho para o futuro?
- Carlos Silva (UGT): Preferia que o Código do trabalho não tivesse a permissão dos despedimentos, mas isso é uma coisa impossível. É algo que nós devíamos naturalmente exigir — está a ser exigido pelos sindicatos em todo o mundo –, que os despedimentos fossem evitados, mas proibir é uma coisa complicada. Neste momento, como o Código do Trabalho está, para nós, tem estabilidade e é para manter. Se me pergunta em relação ao futuro, não fazemos adivinhação. A UGT tem uma postura responsável no país. É conhecida por isso, por alguma ponderação. Quando chegarmos a setembro ou outubro, analisaremos as denúncias que os trabalhadores que nos fizerem chegar e depois, nessa altura, tomaremos as nossas posições.
- Isabel Camarinha (CGTP): A medida mais urgente é proibir os despedimentos e pagar as retribuições totais aos trabalhadores. No momento em que estamos, isso é fundamental. Proibir todos os despedimentos, seja de trabalhadores efetivos, seja de trabalhadores com vínculo precário. Reverter os despedimentos que foram efetivados e pagar a retribuição total aos trabalhadores. Isso garantiria que o desemprego não aumentava, garantiria os postos de trabalho, garantiria a capacidade retributiva dos trabalhadores e também a manutenção do consumo e contribuiria para a manutenção da atividade económica para não entrarmos numa recessão ou numa crise profunda.
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Pandemia chegou ao trabalho. CGTP e UGT diferem na resposta à crise
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