Porque é que a recessão em Portugal é menor que em Espanha e Itália?

Os países do Sul costumam ser comparados por terem economias com características semelhantes. Contudo, o impacto da pandemia não será igual, segundo as previsões da Comissão Europeia. Porquê?

A Comissão Europeia prevê que a crise pandémica provoque a maior recessão que a União Europeia já viveu. Contudo, o impacto não será igual em todos os países nem nos habituais “blocos” de economias com características semelhantes, como é o caso do sul da Europa. Países como Espanha e Itália vão ver o PIB cair mais de 9% em 2020 enquanto em Portugal a recessão não deverá chegar aos 7%, de acordo com as previsões de primavera de Bruxelas divulgadas esta quarta-feira. O que justifica esta diferença?

Não há uma resposta direta nas previsões da Comissão Europeia, mas os números e o texto que acompanha cada país permite tirar algumas conclusões. Olhando apenas para as componentes do PIB, como mostra a tabela seguinte, o consumo privado vai cair quase o dobro em Espanha e Itália, em comparação com Portugal, assim como o investimento. É aí que está a grande diferença.

Por um lado, em Espanha, o consumo público será mais intenso do que em Portugal e em Itália, mas por outro lado haverá uma queda mais expressiva das exportações espanholas.

Previsões de primavera de 2020 da Comissão Europeia. Os valores correspondem às respetivas variações homólogas em 2020, face a 2019.

 

Deixando os números de lado, é possível também tirar encontrar justificações para esta diferença na forma como a pandemia afetou estes países — Itália e Espanha foram, até agora, os dois países da Zona Euro mais afetados pelo coronavírus — e na composição do seu mercado de trabalho, por exemplo.

No relatório, comparando as grandes economias da Zona Euro, a Comissão Europeia escreve que a diferença que existe entre o impacto económico na Alemanha e em países como Itália e Espanha deve-se aos diferentes timings das medidas de contenção e do distanciamento social, mas também às “estruturas económicas, incluindo a exposição a serviços dependentes do contacto” pessoal, como o turismo. Neste ponto, tanto Itália como Espanha ainda estão mais expostos do que Portugal, segundo dados da OCDE citados pelos técnicos de Bruxelas neste relatório.

Há também o ingrediente da política orçamental como estabilizador macroeconómico: “O tamanho e a esperada eficácia da resposta [da política orçamental] não pode ser negligenciada“, alerta a Comissão Europeia. Neste aspeto, Espanha leva a melhor na comparação com Portugal e Itália, pelo menos no indicador do consumo público. Tal poderá refletir a margem orçamental que é condicionada pelo nível de endividamento público de Portugal e Itália, acima dos 100% do PIB, bem acima do rácio da dívida pública espanhola.

Mas a maior diferença entre esses dois países e Portugal parece estar no mercado de trabalho, não só na sua composição mas também no impacto da pandemia no emprego, de acordo as previsões da Comissão Europeia. Espanha tem uma “elevada percentagem de contratos temporários” enquanto Itália “tem uma relativamente elevada proporção de trabalhadores por conta própria”. Estes dois tipos de trabalhadores estão “mais vulneráveis”, têm maior probabilidade de verem “reduções significativas no rendimento” durante a contração económica, recebem “menos ajuda” dos apoios estatais e ainda estão “sobrerrepresentados em setores mais afetados pelo confinamento”.

A análise é dos técnicos da Comissão Europeia e é corroborado pelas suas previsões. Portugal, que tinha uma taxa de desemprego de 6,5% em 2019, registará uma redução do emprego de 3,4%, sendo que para já os números mostram que o lay-off simplificado tem conseguido estancar grande perdas de postos de trabalho. Já em Espanha, onde a taxa de desemprego estava acima dos 13%, a redução será de 8,7% e em Itália, onde a taxa de desemprego estava acima dos 10%, a redução será de 7,5%. Ou seja, o mercado de trabalho destes dois países, seja pela sua composição, regulação ou pelas medidas dos Governos, vai ser mais afetado do que o português, segundo as previsões da Comissão.

No geral, as palavras usadas por Bruxelas para descrever a recessão em Espanha e Itália são mais duras do que em Portugal. No capítulo de Itália, a Comissão diz que a economia italiana irá entrar numa “profunda recessão” com as medidas de confinamento a travar a fundo o consumo privado, o qual não deverá voltar à normalidade dado que haverá mais poupança por precaução. Além disso, a redução forte do emprego, pelos seus efeitos de contágio a toda a economia, poderá colocar em causa a força da recuperação.

No capítulo de Espanha, a Comissão antecipa uma “contração sem precedentes” da atividade económico e um aumento “significativo” da taxa de desemprego uma vez que as ajudas do Estado “não preveniram uma rápida queda do emprego, afetando em particular os trabalhadores temporários”. A redução do rendimento disponível dos espanhóis deverá levar a uma “fraca procura, elevada incerteza, falta de liquidez [nas empresas] e menos rentabilidade”, o que por sua vez resultará numa “contração acentuada do investimento” na economia.

Já no capítulo de Portugal, a Comissão antecipa que o consumo privado irá cair “a um ritmo mais baixo do que o PIB uma vez que as medidas de apoio vão compensar parcialmente a queda do rendimento dos agregados familiares”. Tanto que os técnicos dizem mesmo que “muitos dos cortes nos postos de trabalho serão provavelmente temporários“, ainda que a recuperação do emprego possa ser mais lenta nos setores ligados ao turismo e serviços relacionados. Apesar do investimento em equipamento afundar, o investimento em construção deverá manter-se “mais resiliente, beneficiando do ciclo e da nova flexibilidade introduzida nos fundos da União Europeia”.

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