Quem dá mais aos sócios-gerentes: o Governo ou o Parlamento?
No dia em que o Governo disse "sim" ao alargamento do apoio aos sócios-gerentes com trabalhadores, o PSD viu aprovada a proposta de abrir o lay-off a estes portugueses. A discórdia está instalada.
Contra a vontade dos socialistas, os deputados aprovaram na generalidade a proposta da bancada de Rui Rio que estabelece o alargamento do mecanismo de lay-off simplificado aos sócios-gerentes. Horas antes, o Governo tinha dado “luz verde” a um diploma que reforçava a proteção social desses mesmos portugueses. Em apenas um dia, os sócios-gerentes passaram, assim, a contar com duas novas medidas de apoio e a discórdia está instalada entre o Executivo e a Assembleia da República.
No pacote de apoios à economia originalmente desenhado pelo Executivo de António Costa, não constava qualquer apoio aos sócios-gerentes. Assim, um empregador em crise por causa da pandemia de coronavírus podia, por exemplo, colocar todos os seus trabalhadores em lay-off simplificado — recebendo da Segurança Social um apoio para o pagamento desses salários –, mas o sócio-gerente dessa empresa continuava sem ter acesso a qualquer proteção social extraordinária.
Perante as críticas, o Governo decidiu alargar a ajuda já prevista para os trabalhadores independentes aos sócios-gerentes, mas fez depender a disponibilização dessa ajuda de duas condições: não ter trabalhadores dependentes e não ter mais de 60 mil euros anuais em faturação.
Esses requisitos acabaram, contudo, por tornar a medida “insuficiente”, denunciaram os partidos. O Governo respondeu, esta quinta-feira, com uma nova alteração: fez cair o critério dos trabalhadores e aumentou para 80 mil euros o volume de faturação.
No mesmo dia, foram a votos, no Parlamento, seis propostas do PSD, CDS-PP, Iniciativa Liberal, PAN, Bloco de Esquerda e PEV, para reforçar, de outra forma que não a proposta pelo Executivo, a proteção social dos portugueses com o estatuto empresarial em causa. Foram aprovadas na generalidade as propostas do PSD, PAN e PEV, instalando-se a discórdia entre o Parlamento e o Executivo.
Nas três propostas aprovadas, constam três soluções diferentes para reforçar o apoio aos sócios-gerentes: o PEV, por exemplo, quer manter a ajuda já em vigor, mas aumentar o teto da faturação para 250 mil euros; o PSD quer, por sua vez, alargar o regime de lay-off aos sócios-gerentes, sem fazer depender esse acesso do número de trabalhadores dependentes ou da faturação; e o PAN propõe um sistema dual, em que os visados poderão escolher entre o lay-off e o apoio já previsto para os “recibos verdes”.
No caso da proposta do PEV, mantêm-se, portanto, a mecânica do apoio que já está em vigor, que é pago integralmente pela Segurança Social e que equivale:
- Ao valor da remuneração base recebida em fevereiro (declarada em março) — ou, na ausência dessa remuneração, ao valor do Indexante dos Apoios Sociais (438,81 euros) –, nos casos em que esse montante é inferior a 658,22 euros. Nestas situações, o apoio é no máximo 438,81 euros.
- Ou a dois terços da remuneração base recebida em fevereiro, nos casos em que esse montante é igual ou superior a 658,22 euros. Nestas situações, o apoio é no máximo 635 euros.
Já no caso de se concretizar a proposta da bancada de Rui Rio, isto é, de se alargar o lay-off simplificado aos sócios-gerentes, o apoio passaria a corresponder:
- A, pelo menos, dois terços da retribuição normal ilíquida, sendo esse valor pago em 70% pela Segurança Social e 30% pelo empregador. Esse apoio tem como valor mínimo 635 euros mensais e máximo 1.905 euros mensais.
É esse, de resto, o raciocínio que hoje já se aplica aos trabalhadores colocados em lay-off e cujos contratos sejam suspensos.
Na proposta social-democrata, a forma de cálculo do apoio não é alterada, frisando-se apenas que o lay-off simplificado se passaria a aplicar, “com as necessárias adaptações, aos gerentes das micro e pequenas empresas, tenham ou não participação no capital da empresa, bem como aos membros de órgãos estatutários de fundações, associações ou cooperativas com funções equivalentes àqueles, que estejam exclusivamente abrangidos, nessa qualidade, pelos regimes de Segurança Social”.
O diploma do PSD — que agora baixa à comissão — estabelece, por outro lado, a revogação do apoio atualmente em vigor e define que este alargamento do lay-off teria efeitos retroativos a 1 de abril.
Mas qual dos apoios é mais vantajoso? Um sócio-gerente que tenha recebido, em fevereiro, mil euros de remuneração base tem hoje direito a 635 euros de apoio. Antes de mais, é preciso apurar dois terços dessa remuneração base: 666,67 euros. Como tal valor é superior ao teto do apoio, aplica-se esse montante máximo: 635 euros.
Já se o sócio-gerente tivesse enquadrado no regime de lay-off, as contas seriam diferentes. Primeiro, era preciso ter em conta a retribuição normal ilíquida e não a remuneração base. Se, por exemplo, essa retribuição fosse de mil euros, o sócio-gerente teria a receber, segundo as regras atualmente em vigor, pelo menos, 666,67 euros, nos casos em que o exercício de funções estivesse suspenso. Já se houvesse apenas redução da carga horária, deveria então ser mantido o salário correspondente às horas ainda cumpridas. Nessa situação, a retribuição total a receber seria no mínimo 666,67 euros, mas tal valor poderia crescer à boleia dessas horas de trabalho mantidas.
Num outro exemplo, um sócio-gerente com uma remuneração base de 3.000 euros, recebida em fevereiro, tem hoje direito a um apoio de 635 euros. Isto porque, mais uma vez, se impõe o tal teto equivalente ao salário mínimo nacional.
Já se estivesse enquadrado no lay-off e tivesse uma retribuição normal ilíquida também de 3.000 euros, o valor do apoio seria 1.905 euros. Neste caso, também se trata de um teto máximo (três vezes o salário mínimo nacional), mas o limite neste regime é mais elevado do que aquele previsto para o apoio dos “recibos verdes”, o que possibilitaria aos sócios-gerentes receber um apoio mais robusto.
O diploma do PSD que estabelece o alargamento deste regime de lay-off aos sócios-gerentes terá agora de passar pela especialidade e voltar a ser votado. Entretanto, dentro do Governo, existe o entendimento de que a concretização do diploma em causa poderia violar a lei-travão do Orçamento, já que seria sinónimo de uma nova despesa.
Ao Público, o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro disse: “Haveria alguma dificuldade de isto surgir via Parlamento, por uma questão técnico-jurídica que é a lei-travão, que não permite aos partidos apresentar medidas que tenham despesa”. Ou seja, apesar de ter sido aprovada na generalidade, não é certo que a proposta do PSD esteja em condições, segundo defende o Governo, de eventualmente produzir efeitos.
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