“Há mais fila no Citeve que no centro de diagnóstico ao Covid-19”. É uma corrida à certificação de máscaras

Passam centenas de pessoas pelo Citeve na esperança de verem as suas máscaras aprovadas. Uma oportunidade que pode salvar um setor devastado pela pandemia de Covid-19.

A pandemia de Covid-19 trouxe uma nova necessidade: o uso de máscara. No Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário (Citeve) a corrida em busca da aprovação é uma constante: já foram deixadas mais de 5.500 amostras de produtos, sendo que a larga maioria são modelos de máscaras. Só na manhã da última terça-feira, 19 de maio, foram entregues mais de 50 amostras de modelos de máscaras para serem aprovados, sendo que o dia recorde atingiu as 400.

O início do boom aconteceu no dia 16 de abril, data em que o Citeve juntamente com a DGS publicaram as fichas técnicas para a produção das máscaras comunitárias. Desde então, passam dezenas ou até centenas de empresários diariamente pelo Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário, localizado em Vila Nova de Famalicão.

Quando foram publicadas as especificações para as máscaras comunitárias foi o fim do mundo, foi a loucura. Nós tivemos filas de carros até ao portão de entrada, tínhamos mais gente deste lado que do lado dos testes ao Covid-19 que é aqui mesmo ao lado”, refere o diretor geral do Citeve, Braz Costa.

Para o diretor do Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário, a partir do momento em que as especificações foram publicadas foi todo um universo que se abriu. “A partir deste dia a possibilidade das empresas portuguesas passarem a produzir máscaras é enorme. Nós lutamos por isso, para que fosse possível criar um referencial para as empresas portuguesas produzirem e não estarem dependentes da China”, explica ao ECO, Braz Costa.

Pedro Granadeiro

Neste processo de certificação (já foram certificados mais de 840 produtos de proteção individual), só do Citeve estão envolvidas mais de cem pessoas. Muitas máscaras passam à primeira, mas não foi o caso do modelo de máscara que Andreia Costa entregou no Citeve. É modelista da empresa Helena Cruz e explica ao ECO que as máscaras não passaram na certificação porque estavam com baixa permeabilidade. “O meu filtro é de 40 gramas e tenho que baixar para um filtro mais leve, refere Andreia Costa.

Andreia Costa está confiante que numa segunda tentativa o modelo da máscara vai ser aprovado. “Não podemos perder tempo, já temos encomendas e clientes interessados em personalizar máscaras para as suas empresas”, conta a modelista.

A empresa têxtil Helena Cruz adaptou as linhas de produção e neste momento são as máscaras o foco da atenção. “Não temos perspetivas de trabalho, nós trabalhamos para o mercado nacional, as encomendas ficaram em stock. Tivemos que nos virar para este mercado para escaparmos a esta crise“, destaca a modelista Andreia Costa.

Pedro Granadeiro

Taxa de aprovação das máscaras já ultrapassa os 35%

Os portugueses são conhecidos por serem um povo de fácil adaptação e as máscaras sociais são prova disso. “No dia 1 de abril a taxa de aprovação era de apenas 5%, na segunda quinzena passou para 22% e na primeira quinzena de maio temos uma média de 32%. Isto diz que ninguém sabia nada disto, mas as empresas portuguesas estão a aprender”, conta Braz Costa.

“Numa fase inicial ninguém estava preparado. Nada se sabia sobre máscaras, nós não tínhamos testes para testar. Depois da fase voluntarista nós fomos desenvolvendo competências e no dia 15 de maio a taxa de aprovação foi de 46%”, destaca com orgulho Braz Costa. Acrescenta que atualmente a taxa de aprovação já ultrapassa os 35%, mas para chegar a este ponto foram preciso horas a fio de investigação. Até ao momento, 365 modelos de máscaras já receberam a certificação.

Nós lutamos por isso, para que fosse possível criar um referencial para as empresas portuguesas produzirem e não estarem dependentes da China”

Braz Costa

Diretor geral do Citeve

Em relação ao tempo de certificação, numa primeira fase o Citeve demorava menos de uma semana para certificar as máscaras, mas face ao número de amostra este prazo já não é viável e poderá demorar três semanas.

Portugal está a ser visto como um exemplo nesta pandemia, quer pelo espírito de entreajuda, quer pelas competências que está a adquirir. Braz Costa confidenciou ao ECO que França já pediu ajuda a Portugal na questão das certificações e que o Citeve vai partilhar informação com a direção geral do armamento francesa, uma vez que França está a demorar cerca de três meses para conseguir certificar as máscaras sociais.

Que característica deve ter uma máscara social certificada?

Uma máscara tem que proteger o indivíduo e a comunidade e como tal tem que obedecer a uma série de critérios: tem que ser reutilizável, ter capacidade de retenção de partículas no mínimo a 70%, respirabilidade que permita uma passagem de ar de 8 litros por metro quadrado por minuto e garantir no mínimo um ciclo de cinco lavagens.

“Após essas cinco lavagens tem que resistir na perfeição à permeabilidade ao ar, à retenção de partículas e à própria forma da máscara”, explica Braz Costa. Já existem máscaras certificadas para 25 lavagens, um número que na ótica de Braz Costa, “chegará ainda mais longe”.

Pedro Granadeiro

O diretor geral do Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário alerta que uma máscara comunitária ou um respirador têm efeitos completamente diferentes. “Vejo pessoas com um respirador com válvula na rua que devia ser proibidas de usar respiradores com válvula, porque estes respiradores não filtram o ar à saída, só filtram o ar à entrada” alerta Braz Costa. Acrescenta ainda que “a função comunitária das FFP2 com válvula é zero e não está de todo assegurada”, destaca o diretor geral do Citeve.

Quanto ao futuro, Brás Costa explica que ainda dentro das máscaras existem algumas lacunas e que estamos “ainda a falar na ponta do iceberg”. Máscaras para pessoas com problemas auditivos, máscaras adequadas para desportistas, para doentes ecológicos, asmáticos, são exemplos a explorar. “Desportistas, frequentadores de ginásios. A máscara pode ser a mesma? Tenho dúvidas até porque vão precisar de uma respirabilidade muito maior”, salienta.

Da solidariedade ao negócio

O diretor geral do Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário explica ao ECO que o Covid-19 teve duas fases completamente distintas no Citeve: numa primeira fase a onda de solidariedade, posteriormente a perspetiva de negócio. “Na primeira fase o Citeve teve ao lado de empresas que numa atitude voluntarista queriam fazer qualquer coisa para resolver a falta de equipamento de proteção individual, em Portugal. No mês de fevereiro estivemos algum tempo a ajudar as empresas a encontrar combinações de materiais que servissem para as máscaras e para equipamentos de proteção individual. “Toda a gente deu o seu contributo nesta fase”.

A fase seguinte foi olhar para as máscaras e equipamentos de proteção individual como um negócio. “Depois deste voluntarismo as empresas vão ter a oportunidade. A UE vai ter que se questionar sobre a dependência relativamente a mercados externos e Portugal é dos poucos países que tem boa capacidade de confeção dentro da Europa, por isso existe aqui uma grande oportunidade para as nossas empresas“, refere o diretor do Citeve.

Face ao engenho e às competências, na ótica de Braz Costa, Portugal tem capacidade para produzir milhões de máscaras por semana. “A produção de máscaras é rápida e as empresas têm uma capacidade imensa. Temos empresas em Portugal que fazem um milhão de máscaras por semana sem grande dificuldade. Estamos a falar de muitos milhões por semana”, destaca o diretor geral do Citeve.

Empresas estão de olho na exportação

Face à crescente procura e à escassez de máscaras a nível mundial, exportar máscaras sociais é o caminho a seguir. Para Braz Costa as empresas portuguesas já estão com olho na exportação. “Maioria das empresas estão focadas na exportadas. Está toda a gente a exportar e ao rubro porque têm encomendas de todo o lado”. Segundo o diretor geral do Citeve os principais interessados são os países da Europa e os EUA.

Braz Costa considera que as máscaras não são um negócio de futuro para Portugal, mas que resolveram em parte a dependência que Portugal tem da China e permitiu que muitas empresas não entrassem em lay-off.

“Podemos afirmar-nos como gente que entende o que está a acontecer, que entende o que vai ser o futuro da moda, num contexto de pandemia, mas sobretudo num contexto de uma ameaça latente de outras pandemias o quê que o nosso setor pode fazer para estar na vanguarda do desenvolvimento de soluções que enderecem as preocupações e os desejos dos consumidores”, refere.

Para o diretor geral do Citeve, as máscaras vão fazer parte das coleções das marcas. Para além das máscaras, as marcas já começam a reinventar-se e a apostar até em linhas de roupa antiviral, que é o caso da Sonae Fashion juntamente com a Adalberto.

“Esta noção de moda de proteção individual é uma coisa que vai ficar”, destaca Braz Costa. Acredita que nos próximos cinco anos que este tipo de proteções vai ter muita importância. “Temos que nos preocupar com a forma como nos protegemos com a roupa e repensar os têxteis-lar”, nota Braz Costa.

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