O teletrabalho obrigatório termina a 1 de junho mas algumas empresas veem-no como uma aposta para o futuro. Com a nova realidade laboral, Governo quer rever as regras do trabalho à distância.
Trinta minutos por dia. É o tempo que a equipa de Eduardo Castro, trabalhador no centro de serviços partilhados da Nestlé Portugal, está reunida todas as manhãs. Desde 13 de abril, as reuniões semanais foram substituídas por um encontro diário para planear o dia em teletrabalho.
Com a implementação do trabalho remoto obrigatório, Eduardo garante que a equipa comunica mais e de forma mais estruturada. A única desvantagem é a “perda de contacto humano”, e o ideal seria “uma mistura entre os dois modelos”, presencial e remoto.
“Há aqui um elemento que faz falta, que é o elemento do contacto humano entre as pessoas. Por mais que ligues a câmara e vejas a outra pessoa, acho que a troca no dia-a-dia, de uma conversa, ainda é insubstituível”, conta Eduardo Castro à Advocatus/Pessoas.
O regime de teletrabalho obrigatório, implementado para evitar a propagação do novo coronavírus, vai terminar no primeiro dia de junho. No arranque da terceira fase de desconfinamento, a lei do teletrabalho terá de ser revista. Mas que enquadramento legal poderá ter a lei do teletrabalho e de que forma as empresas se estão a preparar para os próximos meses?
Na Claranet, empresa de soluções de TI, cloud e workplace, a quase totalidade dos 700 trabalhadores transitaram para teletrabalho, com sucesso e um aumento na produtividade, o que fez com que a empresa ponderasse um “cenário em regime de teletrabalho que poderá abranger cerca de 25% a 30% do tempo de trabalho dos nossos colaboradores”, conta Sónia de Jesus, diretora de recursos humanos da Claranet.
Assim que foi decretado o teletrabalho obrigatório, a empresa disponibilizou cadeiras adequadas e os equipamentos necessários para assegurar condições para o teletrabalho. O mesmo aconteceu na Nestlé, que assegurou que todos os trabalhadores tinham as condições necessárias para trabalhar a partir de casa, desde a cadeira, monitores, até ao equipamento eletrónico necessário.
Na Nestlé, a possibilidade do teletrabalho existe desde 2018, o que fez com que a transição de 1.300 pessoas para trabalho remoto no espaço de uma semana não impactasse a atividade da empresa, garante a diretora de recursos humanos, Maria do Rosário Vilhena.
Já na OutSystems, um inquérito interno revelou que mais de 70% dos trabalhadores viram aumentos na produtividade. Para apoiar o regime de teletrabalho, a empresa analisou caso a caso, e apoiou a preparação do escritório em casa. “A OutSystems tem algumas medidas de apoio ao setup do escritório em casa, nomeadamente pagamento de internet e uma análise caso a caso, de todas as necessidades que os colaboradores fizeram chegar à equipa de people“, explica Sofia Alves, director, people success and experience da OutSystems.
Regressar ao escritório. Para quando?
Na OutSystems, o regresso aos escritórios dependerá de cada país. Em Portugal, os trabalhadores podem regressar a partir de junho, mas o trabalho remoto vai manter-se como preferencial até setembro e o regresso ao escritório não será, para já, obrigatório.
Para garantir o regresso, a OutSystems pôs em prática o plano ‘Back to the New Normal’, que tem por base a comunicação. “O objetivo é garantir a segurança de cada pessoa que trabalha connosco, faseando o regresso à normalidade segundo o posicionamento que temos adotado desde o início, de total abertura e transparência com toda a equipa, sabendo que ‘se funciona para ti, funciona para a OutSystems’”, explica Sofia Alves.
Durante o mês de junho deveremos chegar aos 50% dos colaboradores já no escritório e, na última fase, em julho, prevemos ter cerca de 75%.
Sofia Alves é responsável pela gestão de pessoas, mas também ela é colaboradora. Em regime de trabalho remoto desde 13 de março, conta à Pessoas que é mais produtiva em teletrabalho e, para isso, tem um espaço dedicado ao trabalho em casa.
“Tento manter uma rotina com hora definida para início e fim de dia, pausas de hora a hora”, conta. Sofia considera que até agora o “balanço é muito positivo e justo entre tempo de trabalho e possibilidade de estar mais presente para os meus filhos”, destaca. Continuar em teletrabalho? Sim, mas “conciliado com idas ao escritórios” e “com menos conferências telefónicas”, remata.
“Durante o mês de junho deveremos chegar aos 50% dos colaboradores já no escritório e, na última fase, em julho, prevemos ter cerca de 75%”, revela Sónia de Jesus, da Claranet.
Nesta empresa, o regresso ao escritório está a ser planeado, mas inclui a continuidade do teletrabalho, com a articulação necessária entre teletrabalho e idas ao escritório. “Criámos um programa permanente para a disponibilização de meios físicos – técnicos e de logística – para que os nossos colaboradores possam ter acesso aos meios necessários à continuidade do seu trabalho à distância”, revela a responsável.
Sobre a revisão da lei do teletrabalho, Sónia de Jesus defende que exista um acordo escrito entre colaborador e empresa. Custos de proteção e de seguro de acidentes de trabalho, formação presencial, deslocação a clientes, idas ao escritório em dias não previstos, e outras deslocações necessárias e inadiáveis, são algumas das preocupações para um futuro de trabalho remoto.
Fim do teletrabalho em junho
Após a pandemia da Covid-19 ter colocado o mundo do avesso, várias empresas adotaram o regime do teletrabalho. Devido ao estado de emergência decretado pelo Governo, foi implementado um regime especial para este método laboral, estabelecendo a obrigatoriedade, independentemente do vínculo laboral, para todas as funções que o permitam.
Depois do fim do estado de emergência e da implementação das duas primeiras fases de desconfinamento em Portugal, chegou o momento do fim do teletrabalho obrigatório, que está definido para dia 1 de junho.
Convém relembrar que os trabalhadores com filhos até aos três anos de idade têm direito a exercer a sua atividade em regime de teletrabalho.
Caso não seja prorrogado o estado de calamidade e se o Governo decidir não estender por mais tempo a obrigatoriedade do trabalho remoto, a “prestação de trabalho por parte do trabalhador deverá passar a ser no local definido no contrato de trabalho que, na grande maioria dos casos, corresponderá às instalações do empregador”, explica Marta Carvalho Esteves, advogada da JPAB-José Pedro Aguiar-Branco Advogados.
“A partir de 1 de junho iniciar-se-á o regresso dos trabalhadores que estavam em teletrabalho às empresas, mas com horários desfasados ou através de organização de equipas em espelho, de modo a dar continuidade ao enorme esforço para evitar a propagação do Covid-19 envidado ao longo os dois últimos meses“, assegura Joana Sá, sócia da PRA-Raposo, Sá Miranda & Associados.
Para a advogada, as empresas podem convocar os trabalhadores para desempenho presencial das suas tarefas, “mas sempre sem olvidar todas as regras de saúde e segurança no trabalho que nesta fase particularmente se impõem”.
Recentemente a Autoridade para as Condições do Trabalhou (ACT) divulgou algumas recomendações para o regresso dos trabalhadores à empresa: regresso físico dos trabalhadores faseado, reorganização dos horários de trabalho de forma a garantir o distanciamento social e o menor contacto possível entre trabalhadores/clientes/fornecedores, redução do contacto entre trabalhadores durante os intervalos de descanso, assegurar boa ventilação dos locais de trabalho e a sensibilização dos trabalhadores em matéria de segurança e saúde.
Continuação do regime depende de acordo
Mas cessando o teletrabalho obrigatório, será necessário existir um acordo entre o trabalhador e empregador para subsistir este regime? À Advocatus/Pessoas, a advogada da JPAB assegura que sim, uma vez que há o regresso ao regime previsto no Código do Trabalho. Marta Carvalho Esteves acrescenta ainda que, nos casos em que o contrato de trabalho não preveja este regime, é necessária uma adenda ao contrato.
“Convém relembrar que os trabalhadores com filhos até aos três anos de idade têm direito a exercer a sua atividade em regime de teletrabalho, quando tal seja compatível e a empresa disponha de recursos e meios para o efeito, bem como o trabalhador vítima de violência doméstica, desde que tenha apresentado a respetiva queixa-crime e tenha saído da casa de morada de família”, nota Marta Carvalho Esteves.
O que atualmente o Código do Trabalho tipifica é que, no regime de teletrabalho, cabe ao empregador:
- Disponibilizar os meios técnicos e tecnológicos necessários para que o trabalhador preste o teletrabalho;
- Comunicar à seguradora a alteração do local de trabalho e demais informações solicitadas pela seguradora, designadamente o horário de trabalho. Caso o trabalhador preste teletrabalho apenas em alguns dias da semana, é importante fazer esta ressalva à Seguradora;
- Comunicar à Segurança Social a alteração do regime para teletrabalho;
- Respeitar a privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso da família.
Por outro lado, o trabalhador tem o “dever de cumprir com o seu período normal de trabalho, prestando trabalho e procedendo aos registos de tempo de trabalho nos termos da lei, bem como com os demais deveres acessórios, designadamente de informação que venham a ser requeridos pelo Empregador para efeito de organização do trabalho à distância”, explica a advogada Joana Sá.
Recusar voltar ao escritório pode levar a despedimento
O fim do teletrabalho obrigatório pode levar a que as empresas, dentro das recomendações exigidas pela ACT, exijam o regresso dos profissionais aos escritórios. Caso um trabalhador se recuse a voltar, e não se enquadre nas exceções referidas acima, pode ser sancionado.
“O trabalhador deve prestar a sua atividade no local acordado no contrato de trabalho, sob pena de, não o fazendo, incorrer em faltas injustificadas e, nessa sequência, estar sujeito a procedimento disciplinar e, nomeadamente, a ser despedido com justa causa“, explica a advogada da JPAB.
Parece-nos que a futura legislação sobre o regresso ao trabalho deverá conter medidas graduais e faseadas […] que seja incentivada a divisão de trabalhadores em grupos (espelho) e em regime de rotatividade, durante os primeiros tempos, de acordo com a atividade concreta de cada empresa.
Já Telmo Semião, sócio da CRS-Cruz Roque Semião Advogados, não crê que seja razoável aplicar uma sanção disciplinar de despedimento, embora entenda que depende do caso em particular. Caso o trabalhador demonstre que não estão respeitas as regras impostas em matéria de higiene, saúde e segurança no trabalho por parte da empresa, pode recusar a prestação do trabalho.
“As empresas devem gerir e adotar as regras e medidas de higiene e segurança consoante as especificidades da sua atividade, pelo que, os trabalhadores poderão eventualmente reportar a alegada falta de cumprimento daquelas regras, mas, em princípio, não poderão comunicar, apenas com base nesse motivo, que pretendem continuar em regime de teletrabalho”, nota o advogado da CRS.
Apesar de as empresas não estarem obrigadas a testar os seus colaboradores, Joana Sá alerta que devem ter vários cuidados em “matérias de organização do local de trabalho”, da sua “higienização que decorrem de diversas recomendações da Direção Geral de Saúde, em contexto laboral”.
Revisão laboral é esperada nos próximos dias
Com o arranque da terceira fase de desconfinamento agendada para o próximo dia 1 de junho, o Governo já veio admitir uma revisão à lei laboral, face ao fim do teletrabalho. Apesar de não ser ainda conhecida a lei, os advogados apontam alguns aspetos que consideram que deverão estar abrangidos pela lei.
Para Joana Sá, sócia da PRA, as normas atuais que regulam esta matéria do Código do Trabalho não são suficientes, “para aquela que será, inevitavelmente, uma forma diferente de viver e de trabalhar depois desta crise pandémica”.
A advogada considera que a “flexibilização do regime e seus moldes de operacionalização, reforço da privacidade do trabalhador e reconhecimento da validade de mecanismos alternativos e ágeis de registo dos tempos de trabalho em ambiente remotos seriam inegáveis contributos para aproximar a regulação à realidade e apoiar as estruturas na tomada de decisões seguras e juridicamente eficientes”.
Marta Carvalho Esteves, advogada da JPAB, alerta ainda que o Governo deveria manter o regime de teletrabalho, pelo menos a tempo parcial, de modo a garantir o distanciamento físico dos trabalhadores. “A título de exemplo, sempre que as funções o permitam, numa equipa de seis pessoas, o ideal seria a elaboração de duas equipas “em espelho” de três pessoas cada; assim, uma equipa prestava trabalho durante duas semanas nas instalações da empresa enquanto a outra equipa se mantinha em teletrabalho e vice-versa, à semelhança do que já se encontra atualmente previsto para aqueles trabalhadores cujas funções não permitem o recurso ao teletrabalho”, exemplifica.
O sócio da CRS, Telmo Semião, assegura que o pacote legislativo que possa vir a ser aprovado tem de dar confiança aos trabalhadores de que o regresso está a ser pensado e executado. Para o advogado é fundamental ainda que as empresas criem alternativas e novas formas de laborar.
A OutSystems tem algumas medidas de apoio ao setup do escritório em casa, nomeadamente pagamento de internet e uma análise caso a caso, de todas as necessidades que os colaboradores fizeram chegar à equipa de People.
“Parece-nos que a futura legislação sobre o regresso ao trabalho deverá conter medidas graduais e faseadas, quer para o regresso dos trabalhadores, quer para o reinício da atividade, tal como já acontece em vários países da União Europeia, e que seja incentivada a divisão de trabalhadores em grupos (espelho) e em regime de rotatividade, durante os primeiros tempos, de acordo com a atividade concreta de cada empresa”, explica o sócio.
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Lei do teletrabalho: uma realidade que não pode ficar à distância
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