Recuperação: precisa-se! Com entrada imediata
Os smartphones podem ser utilizados para uma variedade de propósitos relacionados com o trabalho. Destacamos a função email.
O nosso dia-a-dia é atualmente indissociável dos equipamentos tecnológicos, como o caso dos smartphones, ao ponto de encontrarmos imagens metafóricas em que estão integrados com o corpo humano numa relação simbiótica.
O problema reside apenas, quando esta relação simbiótica deixa de ser benéfica para uma das partes. Quando a parte humana se deixa dominar, sempre que começa a emergir um medo irracional de ficar sem o telemóvel ou de ser incapaz de o usar por algum motivo – uma nova fobia passa a ter nome (i.e., nomofobia). A utilização compulsiva do smartphone é hoje uma realidade. Alguns estudos revelam dados preocupantes, 46% dos utilizados do smartphone “não conseguem viver sem o seu telemóvel” (Duggan & Smith, 2015), quando separados dos mesmos experienciam sentimentos de ansiedade (Cheever et al., 2014) e sintomas fisiológicos de abstinência (Clayton et al., 2015). Além disso, muitos indivíduos relatam terem a sensação de que o seu smartphone está a vibrar, mesmo em situações de ausência de notificações (Kruger & Djerf, 2016). Podemos incluir ainda comportamentos de verificação automática do telemóvel, verificação constante de chamadas perdidas, mensagens e emails, ou um encontro face-a-face de amigos ou familiares que tende a ser substituído por ligações ao telemóvel. Quando é que vamos levantar os olhos e ver o que se passa à nossa volta?
Os utilizadores excessivos do smartphone exibem sinais como:
- preocupação com o smartphone;
- aumento do tempo despendido na utilização do smartphone de forma a atingir o mesmo nível de satisfação;
- esforços repetitivos e sem sucesso para controlar, reduzir ou parar a utilização;
- sentimentos de inquietação quando tentam reduzir a utilização;
- prejuízo de relações significantes, empregos ou oportunidades educacionais e de carreira devido ao uso do smartphone;
- utilização do smartphone como forma de aliviar o humor disfónico, como o sentimento de culpa.
No trabalho…
Também neste contexto os smartphones podem ser utilizados para uma variedade de propósitos relacionados com o trabalho. Destacamos a função email. O uso do email fora das horas e dias de trabalho tornou-se normal e aceitável, os tempos de resposta encurtaram significativamente, todos esperam obter uma resposta nos instantes seguintes. Isto tem vindo a contribuir para o aumento das exigências qualitativas e quantitativas do trabalho. E, com poucas exceções, todos tendemos a permitir e a aceitar passivamente, sem criar limites e barreiras, que não eram necessários antes da tecnologia “portátil”. Significa estar sempre disponível, o que terá consequências a médio e longo prazo, em termos dos níveis de stress e até de burnout, conflitos trabalho-família, entre outros. E quando é que as pessoas têm tempo para terem tempo para não trabalhar? Recuperação: precisa-se!
O ser humano tem a necessidade de recuperar dos esforços despendidos durante o horário de trabalho, de forma a revitalizar-se e a prevenir a exaustão (Meijman & Mulder, 1998; Sonnentag, 2003). É imprescindível que os indivíduos ingressem em experiências de recuperação, que lhes permita distanciarem-se do trabalho e potenciar a recuperação do stress experienciado (Sonnentag & Geurts, 2009). A recuperação ocorre durante os períodos de tempo em que não existem exigências semelhantes às exigências impostas pelo trabalho, ou quando novos recursos (e.g., energia ou sentimentos de controlo) são criados.
Normalmente, a recuperação acontece durante períodos de descanso no trabalho, noites livres, fins de semana ou férias. Como é que a ligação permanente ao email através do smartphone pode possibilitar estes momentos? Os smartphones podem não só impedir, como interromper os períodos de recuperação, por exemplo, um email que chega durante as férias e faz mudar o foco de atenção para o contexto laboral. O computador fica em casa, mas o smartphone anda sempre connosco! Como é que a situação de teletrabalho se molda a possibilitar estes períodos de tempo? Teremos tendência a prolongar os períodos de trabalho? Por gosto? Por excesso de trabalho? Por sentimentos de culpa (“se não estiver a trabalhar, não me sinto bem”) ou por ausência de alternativa no atual contexto (“não tenho para onde ir”)?
Qualquer atividade pode ser potenciadora de recuperação. Cada um de nós deve procurar e encontrar as suas atividades (não há receitas!). O foco é que estas atividades manifestem o seu potencial de recuperação habilitando experiências específicas, como o afastamento psicológico do trabalho, relaxamento, procura de desafios e controlo sobre as atividades de lazer (Sonnentag & Fritz, 2007).
Agora mais do que nunca, com o intenso teletrabalho e conciliação com a vida familiar, a recuperação é urgente. STOP! É preciso parar! Encontrem as atividades que vos dão prazer, que possibilitam desligar do trabalho, relaxarem, desafiarem-se e sobre as quais têm controlo. Não há receitas, cada pessoa tem e deve investir a descobrir o seu tempo de não trabalho, o seu tempo de recuperação. Sem sentimentos de culpa, pelo contrário estão a “recarregar baterias”. Recuperação: precisa-se! Com entrada imediata!
Sugestões de leitura:
Clayton, R. B., Leshner, G., & Almond, A. (2015). The extended iSelf: The impact of iPhone separation on cognition, emotion, and physiology. Journal of Computer‐Mediated Communication, 20(2), 119-135.
Fritz, C. & Sonnentag, S. (2005). Recovery, health, and job performance: Effects of weekend experiences. Journal of Occupational Health Psychology, 10(3), 187-199.
*Sónia P. Gonçalves é membro da direção da APG.
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