UE vê risco para autonomia de Hong Kong na decisão da China. Mas afasta sanções contra Pequim
A UE considerou que uma recente decisão da Assembleia do Povo na China coloca em risco a autonomia de Hong Kong. Mas estará afastada a hipótese de recorrer a sanções contra Pequim.
A União Europeia (UE) considera que a aprovação pela China da lei de segurança nacional de Hong Kong não está em conformidade com o princípio “um país, dois sistemas”, disse à Lusa o ministro dos Negócios Estrangeiros português.
“A posição que a UE hoje [sexta-feira] assumiu é de que essa decisão chinesa não está conforme com a Lei Básica de Hong Kong, com os termos que foram negociados para a transferência da administração britânica de Hong Kong para a chinesa”, disse Augusto Santos Silva, que falava à Lusa, por telefone, após a reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros da UE que se realizou hoje, por videoconferência.
“A nosso ver, a decisão da Assembleia do Povo põe em risco o princípio ‘um país dois sistemas’ e, portanto, a autonomia elevada que Hong Kong deve ter no quadro institucional chinês”, acrescentou.
Questionado sobre os efeitos desta declaração, em nome dos 27 Estados-membros da UE, o ministro afirmou que, enquanto declaração política, ela “tem um significado claro e tem consequências”. “Esperamos desenvolvimentos que não ponham em risco o princípio ‘um pais dois sistemas’, porque esse princípio parece-nos absolutamente fundamental”, disse.
A Assembleia Popular Nacional (APN), órgão máximo legislativo da China, aprovou na quinta-feira uma lei de segurança nacional para Hong Kong, competência que cabe às autoridades do território, de acordo com a Lei Básica, a “mini-Constituição” de Hong Kong.
Augusto Santos Silva recordou que “a UE reconhece a China como um só país”, “reconhece que Hong Kong faz parte da China”, “mas nos termos que foram negociados e muito bem sintetizados na fórmula de Deng Xiaoping ‘um pais dois sistemas’”, o que significa que “o sistema de Hong Kong ou o sistema de Macau não é o sistema da China continental”.
O Conselho de Negócios Estrangeiros da UE tinha no topo da agenda a relação com a China, tendo também sido abordados, segundo Santos Silva, aspetos da cooperação em matéria ambiental e económica.
Com duas reuniões de alto nível previstas para os próximos meses, uma Cimeira UE-China, em junho, e uma reunião dos líderes dos 27 e do Presidente chinês, em setembro, em Leipzig (Alemanha), os ministros fizeram hoje um debate preparatório de “temas muito urgentes” da agenda das relações UE-China.
Augusto Santos Silva destacou desde logo o clima, salientando que o mundo não conseguirá cumprir as metas do Acordo de Paris “sem um compromisso muito claro da China com essas metas”, dado que a China “é hoje responsável por uma parte significativa das emissões”.
No plano económico, o ministro referiu que estão concluídas as negociações para um acordo sobre indicações geográficas de origem, embora o pacto ainda não tenha sido assinado. Santos Silva deu como exemplo o vinho do Porto, uma “marca [que] só pode ser utilizada por uma região demarcada em Portugal”, para sublinhar a importância desse futuro acordo.
“De facto, um acordo é muito importante para respeitar cada um dos Estados, para evitar processos de cópia ou reprodução fraudulenta, e também para defender a diversidade sócio-económica da Europa”, disse, frisando que “as coisas não se regulam apenas pelo preço e pela procura, mas também por características culturais ligadas às regiões de origem”.
Além deste acordo, prosseguiu, há também um compromisso assumido “de tentar concluir até ao fim do ano um acordo para proteção recíproca de investimentos”, o qual considerou “ainda mais importante”.
Importa, explicou, “corrigir uma assimetria que hoje existe e que penaliza a Europa e beneficia indevidamente a China”. “O que está em causa é a necessidade de os mercados chineses se abrirem mais ao investimento europeu, designadamente nas contratações públicas, e haver aquilo a que chamamos o level playing field, uma relação mais transparente, mais equilibrada, no que diz respeito às ajudas estatais às empresas”, explicou.
Sanções à China não são solução, diz chefe de diplomacia da UE
A UE descarta sanções à China como resposta à lei de segurança nacional aprovada para Hong Kong, por entender que essa não é a forma de resolver os problemas com Pequim, afirmou o chefe da diplomacia europeia.
Na conferência de imprensa no final da reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, realizada por videoconferência, o Alto Representante Josep Borrell, ao ser questionado sobre se foi discutida a possibilidade de sanções a Pequim, apontou que “apenas um Estado-membro fez referência” a essa eventualidade, sem especificar qual, mas garantiu que a mesma não está sobre a mesa.
“Não me parece que as sanções sejam a forma de resolver os nossos problemas com a China”, declarou o chefe da diplomacia da UE, que fez, no entanto, questão de sublinhar a “profunda preocupação” com que os 27 encaram os mais recentes desenvolvimentos em Hong Kong, por entenderem que a mesma “enfraqueceu realmente a autonomia” do território.
Borrell afirmou que aquilo que a União Europeia fará é “tentar continuar a colocar pressão sobre as autoridades chinesas”, e fazê-las ver que esta questão afetará a forma com os 27 lidarão “com algumas questões de interesse mútuo”, mas, reforçou, “não há nada mais em agenda”.
Questionado sobre a razão pela qual a UE não se juntou à declaração adotada na véspera por Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e Austrália, na qual estes quatro países acusaram Pequim de violar as suas obrigações internacionais, o Alto Representante para a Política Externa foi taxativo: “porque nós temos as nossas próprias declarações, não precisamos de juntar-nos às declarações de outros”.
Borrell indicou a propósito que, na reunião desta sexta-feira, os 27 adotaram uma declaração com “uma posição comum clara”, na qual se pode ler que “a UE expressa a sua profunda preocupação com os passos dados pela China em 28 de maio, que não estão em conformidade com os seus compromissos internacionais”, e que “minam seriamente o princípio de ‘um país, dois sistemas’ e o elevado grau de autonomia da Região Administrativa de Hong Kong”.
Borrell foi ainda mais taxativo quando questionado sobre se a posição da União Europeia seria diferente se o Reino Unido ainda pertencesse ao bloco europeu: “Não”, respondeu.
Por fim, o chefe da diplomacia da UE, que ao longo da conferência de imprensa fez questão de salientar a complexidade das relações com a China, e a necessidade da Europa de manter Pequim com parceiro em matérias como o combate às alterações climáticas, afirmou também que os desenvolvimentos em Hong Kong não ameaçam a cimeira entre as partes prevista para o segundo semestre do ano, em Leipzig, durante a presidência alemã do Conselho da UE. “Terá lugar quando a pandemia [do Covid-19] o permitir”, afirmou, reiterando a importância de a UE “prosseguir o diálogo” com Pequim.
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