Siza Vieira fica com o Plano de Retoma depois do Orçamento Suplementar
Primeiro-ministro chamou Costa Silva, que não é do Governo, para desenhar o plano de retoma pós Covid-19. O Governo garante que o dossier regressará a Siza Vieira depois do OE Suplementar.
A escolha do presidente da Partex para desenhar o Plano de Recuperação Económica do país já provocou críticas acesas por parte de alguns partidos da oposição que recusam negociar com um “paraministro”. O gabinete do primeiro-ministro garante, em declarações ao ECO, que o Programa de Recuperação Económica regressará ao ministro Siza Vieira assim que for aprovado o Orçamento do Estado Suplementar.
Estes fim de semana, o Expresso noticiou que o primeiro-ministro convidou o presidente da petrolífera Partex, António Costa Silva, para preparar um programa de recuperação económica para o país. Segundo o semanário, Costa Silva vai reunir-se com todos os ministros e já acompanhou o primeiro-ministro em reuniões com empresários.
Escreve o jornal que Costa Silva “vai falar em nome do Governo com os partidos da oposição, mas também com os parceiros sociais, para partilhar e colher ideias”, uma intenção que caiu mal nos partidos da oposição, nomeadamente naqueles que suportam o Governo na Assembleia da República.
O PCP defende que “o Programa de recuperação económica para o país deve ser discutido com quem tem de ser discutido que é com a Assembleia da República e com o Governo”, e o Bloco de Esquerda, pela voz da líder Catarina Martins, também questionou a legitimidade de ter alguém que não pertence ao Governo a negociar temas de Estado: “As pessoas que têm competência para tomar decisões em Portugal, que estão sujeitas não só a um regime de incompatibilidades e impedimentos estritos como de transparência sobre os seus rendimentos são membros do Governo: ministros e secretários de Estado”.
Costa Silva pode trabalhar pro bono? Lacerda não pôde
Esta não é a primeira vez que os partidos criticam os governos por escolherem alguém “de fora” para negociar em nome do Estado. Já aconteceu no Governo de Pedro Passos Coelho quando Catarina Martins criticou a escolha de António Borges que, “sem ser ministro, foi o homem que negociou privatizações para PSD e CDS sem estar sujeito ao escrutínio e às regras de transparência e interesse público”.
Mais recentemente foi a vez de Diogo Lacerda Machado, o “amigo” de António Costa, que aconselhou o primeiro-ministro durante algum tempo, pro bono, em dossiers quentes como o da reversão do processo de privatização da TAP ou o dos lesados do BES.
Na altura, estávamos em março de 2016, António Costa foi alvo de muitas criticas já que Lacerda Machado estava a negociar em nome do Governo, sem qualquer vínculo contratual com o executivo e sem receber qualquer remuneração. “Não há contrato, porque não tem atuado a título profissional. Tem atuado pro bono como representante pessoal do primeiro-ministro”, explicava então o gabinete do primeiro-ministro.
António Costa acabaria por ceder e em abril de 2016 anunciava no Parlamento: “Olhe, acabámos por celebrar um contrato” com Lacerda Machado que passou a ter um contrato de “prestação de serviços” por um prazo de 261 dias e a receber dois mil euros mensais (mais IVA). Entre as tarefas entregues a Lacerda Machado estavam as de “mediação e conciliação” em processos negociais.
Este domingo, no seu comentário semanal na SIC, Marques Mendes revelou que António Costa Silva será nomeado formalmente com um despacho em Diário da República, precisamente para não se repetir a polémica de Lacerda Machado. “O primeiro-ministro vai, nos próximo dias, assinar um despacho, a nomear formalmente António Costa Silva como uma espécie de conselheiro especial do primeiro-ministro, uma espécie de chefe de missão, com o objetivo de coordenar e assessorar o Governo” no desenho do plano de retoma.
Siza assume rédeas do Plano de Retoma depois do Suplementar
António Costa Silva, que ficará como responsável pelo Programa de Recuperação Económica, também estará a desempenhar estas funções pro bono, como o próprio confirmou em declarações ao ECO este sábado: “O meu trabalho é de mero cidadão. É apenas uma tarefa cívica que estou a desempenhar pro bono. Continuo na minha empresa e o resto são especulações sem fundamento”.
Confrontado com o facto de Costa Silva, tal como Lacerda Machado no passado, estar a negociar em nome do Estado pro bono e sem ter um contrato, fonte do gabinete do primeiro-ministro respondeu ao ECO que “o professor António Costa Silva foi convidado pelo primeiro-ministro para coordenar a preparação do Programa de Recuperação Económica. O que aceitou, tal como ele disse, como contributo cívico e pro bono e tem estado a trabalhar nas últimas semanas, enquanto membros do Governo estão concentrados, nesta fase, no Programa Estabilização e no Orçamento Suplementar”.
O gabinete do primeiro-ministro vai mais longe e revela que o “objetivo é este trabalho preparatório estar concluído quando o Governo aprovar suplementar e o MEETD [Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital] assumir a direção da elaboração do Programa de Recuperação”. Ou seja, assim que o Parlamento aprovar o Orçamento, o tema regressará ao controlo de Siza Vieira.
O Governo vai apresentar esta quinta-feira o Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) que vai servir de baliza para enquadrar o Orçamento Suplementar que deverá ser apresentado no Parlamento durante a segunda quinzena de junho, podendo a sua aprovação demorar duas a três semanas.
“Um Governo, que é o maior de sempre, precisa de outsourcing?“
Na altura da polémica de Diogo Lacerda Machado, um dos deputados que mais protestou contra o facto de o advogado estar a trabalhar sem um contrato foi Luís Leite Ramos, que se tornou conhecido dos portugueses por ter presidido, no Parlamento, à Comissão de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos, em que foi ouvido Joe Berardo.
Em conversa com o ECO, o deputado do PSD, que faz questão de dizer que fala em nome pessoal e não do partido, afirma que existe “um problema político de fundo” na escolha de António Costa Silva para negociar o Programa de Recuperação Económica.
Que semelhanças encontra entre o caso do Diogo Lacerda Machado e agora o de António Costa Silva?
Relativamente a Lacerda Machado, havia um histórico que tinha a ver com a participação de Lacerda Machado na empresa que vendeu à TAP a operação no Brasil. Tinha um dado adicional, mais complicado na medida em que ele tinha um histórico e tinha eventuais interessados na companhia. Por outro lado era a negociação de uma reversão, envolvia uma negociação direta em nome do Estado. Tivemos essas duas exceções que são relevantes.
Mas temos aqui um padrão de um Governo que é o maior de sempre, quando precisa de preparar um plano de lançamento da economia faz outsourcing e vai buscar, por mais respeitável que o senhor seja, é perfeitamente inadmissível que este tipo de mandatos saiam da esfera do Governo, tanto mais porque depois o Governo tem de negociar com os partidos políticos e o Parlamento.
Qual o problema que vê?
Há um problema político de fundo. A questão da transparência é um dos problemas. Um Governo e um ministro estão sujeitos a escrutínio político, são sujeitos a vários tipos de escrutínio, nomeadamente de interesses pessoais. Não estou a levantar a causa nem a causa que está. O facto de ser uma pessoa que tem uma mandato do Governo para preparar um plano e não estando sujeito a este escrutínio político e parlamentar, posso pedir como deputado, o Parlamento pode exigir a vinda de qualquer ministro ao Parlamento para ser escrutinado sobre as propostas que faz, as decisões que toma.
Uma personalidade como estas foge completamente a este escrutínio político que é normal e é fundamental para a própria transparência dos processos. É inexplicável, não sabemos quais são as razões, são um mistério as razões que levam o primeiro-ministro, mais uma vez, a recorrer a um método destes para retirar da esfera política e governamental uma das funções e uma das missões essenciais do Governo. Uma coisa seria convidar um grupo de pessoas competentes para ajudar um ministro ou conjunto de ministros para poder implementar um programa. Outra coisa é fazer outsourcing de um plano de lançamento da economia.
Ainda para mais, [António Costa Silva] não vai preparar um documento técnico. Tem um mandato que extravasa largamente a componente burocrática do processo. Uma coisa é encomendar a alguém um conjunto de ideias ou propostas. Ele vai ser mandatado para negociar em nome do Governo. Começa a ser um padrão e é um padrão na forma de estar e liderar. Politicamente é inaceitável. É inaceitável que o primeiro-ministro recorra a este método e a esta forma para preparar um plano desta importância.
Imagino o que teria sido outro governo qualquer que tivesse recorrido ao mesmo sistema. Aliás, lembramo-nos de quando foi no Governo de Passos Coelho, em que houve uma situação que não tinha nada a ver com isto, era completamente marginal, e levantou-se o Carmo e a Trindade. Neste caso, estamos a falar de uma estratégia para o desenvolvimento da nossa economia, onde vai ser preciso fazer opções, opções políticas de fundo, que têm a ver com interesses, por mais que digam que opções de investir em determinados setores ou apoiar determinados tipos de atividade, são questões de escolha política relevantes e fundamentais.
Não é aceitável que haja uma personalidade fora da esfera governamental, sem estar sujeita ao escrutínio parlamentar, sem estar sujeita aos deveres e obrigações de qualquer membro do governo, que possa ter um poder e um mandato desta configuração e com estes objetivos. Para mim é inaceitável politicamente e do ponto de vista da transparência da gestão da coisa pública.
Como fica o trabalho do Parlamento em relação ao escrutínio deste processo?
Este é um dos problemas. Primeiro, o mandato não é do Governo, o mandato do primeiro-ministro é o mandato do Parlamento. O primeiro-ministro alienou o mandato que tem do Parlamento para o entregar a alguém que da sua confiança pessoal para fazer aquilo que é obrigação do Governo.
Isto levanta mesmo um problema do ponto de vista político e constitucional muito delicado, porque na verdade quem prestar contas perante o Parlamento é o primeiro-ministro e os membros do Governo, não um mandatado para fazer a estratégia para o país.
Esta é a minha opinião pessoal, ainda não falei com o Dr. Rui Rio, que ainda não tem uma posição, que eu saiba, sobre esta matéria. Tem muito mais a ver com aquilo que foi a nossa posição no passado em relação a estas matérias e a a minha forma pessoal de ver este caso.
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