BCE já gastou um terço da bazuca. Vai recarregá-la de munições
Instituição liderada por Christine Lagarde reúne-se esta quinta-feira para reavaliar programa de resposta à pandemia. Sendo um aumento quase certo, as projeções económicas centram atenções.
A bazuca de Christine Lagarde contra o coronavírus ainda tem dois terços das munições por gastar, mas a presidente do Banco Central Europeu (BCE) já parece ter percebido que o poder de fogo não é suficiente. O Conselho de Governadores da instituição financeira reúne-se esta quinta-feira e a expectativa generalizada é a de que o programa de emergência seja recarregado. Além do aumento, o mercado estará particularmente atento às projeções económicas.
“A pandemia de coronavírus parece estar a retroceder, as economias europeias estão a sair gradualmente do confinamento e os mercados estão a estabilizar após uma recuperação dos ativos de risco. Mesmo que a urgência pareça menos aguda, ainda esperamos que o BCE anuncie um aumento no programa de compras de emergência pandémica (PEPP) ou mesmo estenda a sua maturidade“, diz Franck Dixmier, responsável global do mercado de dívida da Allianz Global Investors.
Anunciado a 18 de março, o PEPP tem regras flexíveis para permitir ao BCE atacar o vírus na economia e ajudar os países a financiarem os elevados custos gerados pela pandemia. Na prática, significa que o banco central — que está impedido de financiar diretamente os Estados — pode comprar em mercado secundário grande parte da dívida emitida.
"Mesmo que a urgência pareça menos aguda, ainda esperamos que o BCE anuncie um aumento no programa de compras de emergência pandémica (PEPP) ou mesmo estenda a sua maturidade. Ao ritmo atual de compras, o PEPP estará esgotado em outubro.”
Até final de maio, o BCE gastou 234,7 mil milhões de euros, ou seja, 31% do total de 750 mil milhões disponíveis para todo o ano. No caso de Portugal, foram comprados 4,15 mil milhões de euros em obrigações do Tesouro. “Ao ritmo atual de compras, o PEPP estará esgotado em outubro“, lembra Dixmier.
Além da pressão do ritmo acelerado a que se esgota o envelope — que está a ser a tábua de salvação enquanto se discutem outras opções na Europa –, as razões para um reforço deverão ganhar força com os dados da inflação. A taxa de inflação anual na Zona Euro desacelerou novamente em maio, para 0,1%, a mais baixa em quatro anos. A inflação subjacente está em 0,9% e as expectativas de inflação permanecem em níveis historicamente baixos.
"Naturalmente que a dimensão da expansão do PEPP é incerta. No entanto, esperamos mais 500 mil milhões de euros para apoiar o aumento das emissões de dívida nos próximos meses.”
“Naturalmente que a dimensão da expansão do PEPP é incerta. No entanto, a atualização do nosso modelo de elasticidades, face à atual projeção de intervalo de inflação de 0,34% face ao objetivo [do BCE] de 2%, indica um aumento de 465 mil milhões. Assim, esperamos mais 500 mil milhões de euros para apoiar o aumento das emissões de dívida nos próximos meses“, aponta Piet Haines Christiansen, estratega-chefe de BCE e obrigações do Danske Bank.
A projeção é partilhada pela maioria dos analistas, sendo que o Danske Bank antecipa que a meta para o pacote ser usado seja prolongada até junho de 2021. Apesar de ainda não ver a inclusão de novas classes de ativos no programa, não rejeita que venha a acontecer.
Em simultâneo com o PEPP, o BCE continuou o programa de compra de dívida que já tinha em curso, a um ritmo mensal de 20 mil milhões de euros e até o reforçou com um envelope temporário de 120 mil milhões a ser usado também até ao final de 2020. O banco de investimento acredita ainda que os governadores vão prolongar no tempo este programa.
Mais compras apesar da guerra com o Bundesbank. E as primeiras projeções
Estes aumentos vão acontecer num cenário de guerra aberta entre o BCE e o maior acionista, o banco central da Alemanha. Esta será a primeira reunião depois de o Tribunal Constitucional Federal alemão ter considerado que a aquisição de dívida parcialmente ilegal, tendo dado três meses à autoridade monetária da Zona Euro para o corrigir.
O BCE não fez qualquer alteração e garantiu que ter o Tribunal de Justiça Europeu do seu lado. Mas a situação está longe de estar fechada e, segundo a Reuters, os governadores estão a preparar um plano de contingência para o programa de compra de ativos no caso de o Bundesbank decidir sair. O BCE poderá vir a lançar uma ação legal sem precedentes contra o Bundesbank e, em último caso, os restantes bancos centrais nacionais poderão distribuir entre si a quota do programa de compra de dívida que é atualmente dedicada à Alemanha. Mas nada é ainda certo e não deverá haver novos pormenores nesta reunião.
"Dada a natureza sem precedente da crise atual, não há único modelo, por muito sofisticado que seja, que tenha capacidade de plenamente capturar o que se está a passar com a economia.”
Aliás, toda a incerteza que se vive impede que as estimativas dos analistas vão muito além dos próximos passos. E as declarações de Christine Lagarde serão cruciais para dar maior clareza. “No centro da reunião estarão as novas projeções económicas. É desnecessário sequer dizer que as projeções de março, que antecipavam um crescimento do PIB de 0,8% este ano, estão profundamente desatualizadas”, Carsten Brzeski, economista-chefe para a Zona Euro do ING.
Depois de ter dito, na última reunião, que a recessão na Zona Euro este ano poderá situar-se entre 5% e 12%, Lagarde já descartou o cenário mais benigno. Adiantou, na semana passada, que a queda da atividade deverá ser de, pelo menos, 8%. Já sendo conhecido este intervalo, o BCE vai pela primeira vez anunciar as projeções para o PIB e para a inflação este ano e nos próximos.
A Comissão Europeia antecipa uma contração de 7,7% e o Fundo Monetário Internacional de 7,5% este ano. Mas tanto as instituições como os analistas têm alertado para a elevada incerteza. “Para ser claro, dada a natureza sem precedente da crise atual, não há único modelo, por muito sofisticado que seja, que tenha capacidade de plenamente capturar o que se está a passar com a economia“, refere Brzeski, lembrando que, a par do vírus, os riscos externos como o Brexit e as novas tensões entre os Estados Unidos e a China também pressionam.
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