A afirmação do trabalho remoto ou a urgência do desconfinamento emocional
Será que assistimos à afirmação plena do trabalho remoto, ou será que as pessoas se habituaram a trabalhar em casa e não querem regressar?
Agora, a palavra de ordem é “desconfinamento”. As pessoas precisam de desconfinar, as famílias precisam de se reunir, os amigos precisam de estar juntos, as empresas precisam de retomar a atividade. Todos ansiávamos este momento e todos precisamos dele.
É hora de encarar o “novo normal”, como tanto se proclama. Temos de viver com esta situação enquanto não surge a tão ansiada solução que resolva a questão de saúde pública. E é neste novo normal que temos de nos saber adaptar e mover.
Nas empresas, vemos o esforço para retomar a atividade, procurando formas de trabalho e de interações com os clientes que garantam o cumprimento das normas sanitárias, mas potenciem o desconfinamento económico e a alavancagem da atividade profissional. Vemos o incentivo a que as pessoas regressem ao escritório, os clientes retomem investimentos, e as pessoas invistam na economia.
E assistimos também a uma grande reflexão sobre o trabalho remoto. Há quem diga que veio para ficar; há quem diga que fica apenas durante um tempo; há quem diga que fica em parte, e que o futuro passa por modelos de trabalho híbridos que potenciem tanto a experiência pessoal e presencial como modelos mais flexíveis que permitam um maior equilíbrio vida pessoal e vida profissional, entre tantos outros benefícios já demonstrados dos modelos de trabalho remoto. Confesso-me especial fã de abordagens moderadas, de um modo geral, e acredito que é no “centro que está a virtude”, e este deve ser o caminho que as empresas devem seguir.
Acredito que as experiências presenciais trazem mais riqueza, e que as pessoas produzem mais e melhor em conjunto, e por isso se devem manter algumas formas de trabalho presenciais. Mas também me custa ver um futuro em que não levamos nada de toda esta experiência que estamos a viver e voltamos a um registo de trabalho baseado em controlo, supervisão e gestão por tarefas. Temos de aprender algo com tudo isto e temos de levar essas aprendizagens para melhorar toda a nossa vida profissional, e não há mais dúvidas sobre os enormes benefícios do trabalho remoto.
Mas falemos em factos, e alguns factos que nos devem fazer refletir. Um estudo recente desenvolvido pela Xerox, o Future of Work, que envolveu cerca de 600 líderes de TI, indica que 82% dos colaboradores deverão regressar ao local de trabalho nos próximos 12 a 18 meses. Por outro lado, o Barómetro de Remote Work (inquérito direcionado a colaboradores) semanal publicado pela Landing.Jobs, e usando os dados mais recentes relativos à semana de 3 a 17 de junho, indica que apenas 7% dos inquiridos estão muito motivados para voltar ao local de trabalho, em contraposição com 41% que indicam não estar nada motivados para o local de trabalho. Estaremos a assistir a perceções completamente antagónicas entre gestores e colaboradores? Será que os líderes desejam mais o regresso do que os colaboradores? Será que assistimos à afirmação plena do trabalho remoto, ou será que as pessoas se habituaram a trabalhar em casa e não querem regressar? Muitas são as questões que podemos colocar sobre estes dados de diferentes estudos. Muitas serão certamente as respostas ou suposições que podemos fazer sobre eles.
O que parece real é que as empresas têm sentido dificuldades em estimular o regresso ao local de trabalho. Pode ser receio por questões de saúde, pode ser hábitos adquiridos com o trabalho remoto, pode ser muita coisa. O que parece é que, embora estejamos em processo de desconfinamento económico, as pessoas, ou muitas delas, continuam “emocionalmente confinadas”. A adaptação a este “novo normal” exige abordagens que talvez estejamos todos a negligenciar.
O ”novo normal” proíbe-nos de abraçar aqueles de quem sentimos falta nos últimos meses, impede-nos de comunicarmos sem uma barreira de uma máscara, retira-nos muito daquilo que é a essência da humanidade: o contacto, a proximidade, as emoções. Como conseguimos rever as pessoas de que gostamos sem um abraço? Como conseguimos apoiar pessoas em momentos difíceis sem proximidade? Como conseguimos gerir o dia-a-dia a pensar onde tocamos, com quem nos cruzamos, quantas vezes nos desinfetamos, a quem estamos a pôr em risco, e quantas vezes nos colocamos a nós em risco?
Talvez seja, também, por isto que o regresso ao local de trabalho está a ter mais resistência do que poderíamos pensar.
Talvez seja, também, por isto, e muito mais, que vemos aumentar a violência, as depressões, divórcios, entre outros fenómenos sociais que vemos crescer e que devem merecer a nossa preocupação.
E talvez seja, também, por isto que sim, devemos continuar a refletir sobre o trabalho remoto no futuro, sobre as dinâmicas de trabalho que vamos implementar, mas também, ou acima de tudo, refletir sobre como vamos promover o desconfinamento emocional dos nossos, ou de nós próprios, ainda hoje.
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