Em entrevista ao ECO, o economista João Costa Pinto questiona a solução encontrada pelo Governo para a TAP. Diz que o país vive com o trauma do resgate, o que está a condicionar a resposta à pandemia.
O economista João Costa Pinto tem sérias dúvidas sobre a solução que o Governo encontrou para a TAP, temendo que não tenham sido bem avaliadas as consequências financeiras do passo que foi dado. “Como é que um país que, tendo as dificuldades que temos, se dá ao luxo de dar milhares de milhões de euros a um banco que é de outrem e dar milhares de milhões de euros a uma empresa de um setor com as dificuldades terríveis da TAP?”, questiona em entrevista ao ECO, mantendo reservas sobre a capacidade de o Executivo executar um plano de reestruturação para dar a volta à situação da companhia aérea portuguesa.
Em relação à resposta à crise da pandemia, Costa Pinto considera que o trauma do resgaste de 2011 ainda está presente e isso está a limitar a ação do Governo. Ainda assim, o economista não vê isso a acontecer no decorrer da atual crise. “Se acontecesse, era o fim, era a desagregação da Zona Euro”, sublinha.
O Governo tem dado a resposta possível à pandemia ou podia ter ido mais além?
Não sei se é a resposta possível. Tudo parece indicar que a resposta do Governo, numa primeira fase, se olharmos para o Orçamento suplementar, andará à volta dos 2%, 2,5% do PIB. Como é que essa resposta compara com os 33% da Alemanha, com os 18% da França, países com uma mobilização de recursos muitíssimo superiores? Podemos dizer que cada Governo, cada país, utiliza os recursos que pode, mas a verdade é que, numa sociedade democrática, uma responsabilidade central dos governos é a proteção e segurança dos cidadãos. Esta segurança deve ser entendida como um conceito global, não é a segurança física, é antes a saúde, o emprego, são obrigações básicas.
Por outro lado, isto foi um choque súbito e a própria Europa, num primeiro momento, respondeu mal. Ficou-se com a sensação de que o choque ia provocar a desagregação definitiva da Europa. E a verdade é que aquilo que os países fizerem nesta primeira fase tem de ser acomodado pela Europa e foi isso que levou a Comissão Europeia a suspender princípios e regras básicas de controlo orçamental, a suspender um princípio estrutural e básico do mercado único que é o controlo das ajudas de Estado… Compreendo que o Governo, nomeadamente um governo sendo do PS, o país e, se calhar, o PS e os partidos, todos ficaram traumatizados com a resposta à crise financeira de 2008 que levou o país à beira do default.
Qual o maior risco neste momento: de os apoios públicos não serem suficientes ou de o disparo da dívida pública colocar Portugal novamente na mira dos investidores?
A própria Europa, a começar pela Alemanha, que é o elemento central de que depende a evolução da Europa, teve alguma mudança relativamente à forma como a crise financeira foi encarada. Perceberam que a forma como os países estavam a responder ao choque inicial, de forma assimétrica, os tais 30% da Alemanha, comparados com 2% de Portugal, cria uma resposta assimétrica que é uma ameaça como nunca existiu à fragmentação do mercado único e da Europa do euro. Interrogo-me como economista: nós, que cometemos um erro quando foi a resposta à crise financeira, de ter levado o país para uma situação próxima do default, não estaremos agora a autolimitarmo-nos na resposta à pandemia?
Interrogo-me como economista: nós, que cometemos um erro quando foi a resposta à crise financeira, de ter levado o país para uma situação próxima do default, não estaremos agora a autolimitarmo-nos na resposta à pandemia?
Esse trauma do resgate ainda existe?
Acho que ainda existe. Temos estes novos surtos que estão a agravar a recessão e a atrasar a retoma. Acabaram de ser conhecidos os últimos números da Comissão, que ainda há um mês dizia que a economia portuguesa só ia cair cerca de 6%, agora já diz que é praticamente 10%. Uma queda de 10% é uma queda dramática, que tem consequências estruturais. Se neste momento não há uma resposta comum…
Dou-lhe um exemplo: os esquemas de lay-off. A Alemanha, que tem um esquema parecido, já anunciou que o vai prolongar até 2022. França a mesma coisa. A própria Espanha também. No entanto, entre nós, o Governo já está a atuar no sentido de restringir esse mecanismo. Devia era acompanhar os outros países. Temos de aguardar algum tempo até fazer uma avaliação definitiva da resposta do nosso Governo à pandemia. Temo que o trauma que nos afetou a todos ainda esteja presente.
Não vê essa linha de acontecimentos que assistimos na anterior crise a desenvolver-se agora? Temos a Europa a pedir aos governos para se endividarem para responderem à crise. Num segundo momento, isso não colocará Portugal de novo na mira dos investidores?
Não é possível. Há esse risco de alteração violenta da atitude dos investidores perante a economia portuguesa e isso levar a uma secagem das fontes de financiamento e aos riscos que da outra vez corremos. Mas não vejo esse risco agora, por uma razão: se acontecesse, era o fim, era a desagregação da Zona Euro.
Falou num certo trauma do resgate. Ainda assim, aparentemente, o Governo não teve medo e avançou para uma quase nacionalização da TAP. Havia alternativas a esta solução?
Como economista, tenho sérias dúvidas. Vejo com muita inquietação.
Os argumentos da importância económica da TAP não são válidos?
Uma coisa são as razões de tática política, de procura por parte do PS de apoios à esquerda, de uma leitura do que são os interesses estratégicos portugueses. Outra coisa é eu, como economista, considerar as carências da economia portuguesa, os desequilíbrios, a fraqueza, o nível de dívida, e olhar para milhares de milhões de euros para o Novo Banco, milhares de milhões de euros para a TAP, porque é isso que vai acontecer.
A TAP arrisca-se a ser um novo Novo Banco?
O que está a acontecer a nível mundial, com a implosão do modelo de globalização que vinha de trás e em que a base era económica e comercial, em que tinha havido uma extensão das cadeias de produção, o que é que isso teve como consequência? Houve setores da atividade ligados à intermediação, nomeadamente dos transportes, que também explodiram: os marítimos, mas também os aéreos — é evidente que o aéreo também esteve ligado a um fenómeno de explosão com o turismo. Mas uma das consequências da pandemia é que vai haver um esforço de redução das cadeias de produção, de aproximação das diferentes fases da produção do consumidor final, do mercado. Isto vai ter um impacto enorme sobre a intermediação dos transportes. Quando digo que a pandemia é um acelerador de mudanças, vai sê-lo nomeadamente nos transportes aéreos. É isso que me preocupa, independentemente das razões estratégicas que o Governo possa ter.
Temo que não tenham sido bem avaliadas as consequências financeiras do passo que foi dado. A TAP estava inserida num grupo de aviação. A expansão da TAP tinha uma lógica quando ligada a uma ambição muito grande do empresário David Neeleman, com uma conceção e uma ambição global de desenvolvimento de um setor extraordinariamente difícil. E estava a dimensionar a TAP com esse objetivo. De repente, a TAP fica sozinha, mas com os encargos que lhe tinham sido criados e com a dimensão que tinha sido concebida num contexto que desapareceu. Da nossa experiência, e é normal, o que vemos é que os governos têm muita dificuldade em reformar, em reorganizar empresas.
Temo que não tenham sido bem avaliadas as consequências financeiras do passo que foi dado. (…) De repente, a TAP fica sozinha, mas com os encargos que lhe tinham sido criados e com a dimensão que tinha sido concebida num contexto que desapareceu. Da nossa experiência, e é normal, o que vemos é que os governos têm muita dificuldade em reformar, em reorganizar empresas.
Quando o ministro das Infraestruturas diz que a TAP vai ter uma gestão profissional para liderar essa transformação, não acredita nisso?
Queria acreditar, mas tenho muitas dúvidas. O que sei é que um país com as carências como o nosso devia ter um projeto para os tempos de hoje, partindo das enormes debilidades da nossa economia, de falta de inovação, de ter um tecido produtivo atomizado, de empresas com grande fragilidade, um baixo nível competitivo…
Porventura esse trabalho estará a ser feito por António Costa Silva…
Esperemos. A divina providência que o ouça. Mas sem ovos não há omeletes. Dá a impressão que se está à espera, mais uma vez, da salvação da Europa. Primeiro, espero que não chegue muito tarde. Depois, os próprios países europeus e as instâncias europeias, como é que olham para um país que, tendo as dificuldades que nós temos, se dá ao luxo de dar milhares de milhões de euros a um banco que é de outrem, dar milhares de milhões de euros a uma empresa de um setor com as dificuldades terríveis da TAP? Também avançámos para a Efacec…
Voltando à TAP, é um risco para Portugal a solução que se encontrou?
Percebo a TAP e a importância da TAP. Quando se diz que é uma empresa de bandeira, eu até pela minha idade sinto isso: sinto que ter uma empresa a voar com as cores portuguesas pelo mundo é importante. Mas também sinto que temos de ser realistas. Quem diz que “Ah, se a TAP não pode desaparecer, a TAP é quem traz 50% do fluxo turísticos” não está a ser honesto. Não há vazios, os vazios são preenchidos.
Quem diz “Ah, se a TAP não pode desaparecer, a TAP é quem traz 50% do fluxo turísticos” não está a ser honesto. Não há vazios, os vazios são preenchidos.
Outras companhias aéreas iriam mitigar o impacto do desaparecimento da TAP?
Com certeza. E mais: o transporte aéreo nunca mais será como era porque vai assistir a um movimento de ganho de massa crítica. Se a TAP conseguir inserir-se num grupo de companhias de ponta, se for capaz de fazer uma reorganização interna que a racionalize, tudo bem. Eu tenho é dúvidas. Tudo indica que o PS vai ter de continuar a procurar equilíbrios parlamentares. E tendo de fazer isso não vejo que isso seja compatível com um redimensionamento que leva a uma redução de 30% dos colaboradores da TAP.
E em relação à Efacec, concorda com a nacionalização?
Concordo se for para vender. A Efacec é a nossa única empresa que tem uma acumulação de conhecimento em áreas muito importantes. Não sei qual é a verdadeira situação da Efacec, estou a partir do pressuposto que tem uma carteira de encomendas, que mantém um know how e que continua a fazer com que seja uma empresa importante. Um dos problemas que temos é a opacidade. É os governos tomarem decisões com grandes consequências, atuais e no futuro, sem uma explicação clara dos prós e contras.
O Governo precisa de dar mais esclarecimentos sobre a TAP e sobre a Efacec?
Acho que sim. Assim como nunca houve a coragem, e continua a não haver coragem, de fazer uma reavaliação de um processo ruinoso que é o do Novo Banco. Lamento profundamente que isso não aconteça, porque os países necessitam, periodicamente, de reavaliar o que fizeram, para verem o que foi bem feito e o que foi menos bem feito. Isso também é democracia.
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Costa Pinto: “Tenho sérias dúvidas sobre a solução para a TAP”
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