Do salário à saúde mental, os benefícios são uma prioridade para quem gere pessoas nas organizações. A tecnologia é aliada, permite repensar estratégias e criar soluções para reter e atrair talento.
No final do ano passado, uma equipa sénior de engenheiros da Pipedrive propôs à empresa trabalhar a partir do Sri Lanka, para um projeto piloto durante três semanas. O objetivo? Produzir à distância e poder conhecer um novo país nas horas vagas.
A empresa aceitou o desafio e, Cláudia Leitão, head of people da Pipedrive, acredita que esta é uma das histórias que reflete a importância da flexibilidade enquanto benefício, para os trabalhadores da empresa. Antes da pandemia, a Pipedrive tinha até previsto lançar as designadas “missões dispersas”, para dar a oportunidade aos trabalhadores de desenvolverem projetos a partir de outros locais, como é o caso da Flórida, nos EUA, conta.
Os seguros de saúde, seguros de vida, de acidente, seguros financeiros e de reforma, prémios ou vouchers, continuam a ser as apostas mais comuns no pacote de benefícios para os trabalhadores. São considerados os benefícios “tradicionais”. Não deixaram de ter importância para quem trabalha numa organização mas as preferências evoluíram e há novas prioridades.
O trabalho remoto, a flexibilidade e a conciliação entre a vida pessoal e profissional têm cada vez mais importância nos pacotes de benefícios, o que obriga os diretores de recursos humanos a estarem cada vez mais atentos. Para Cláudia Leitão, da Pipedrive, “nem sequer se coloca a hipótese de não existir um seguro de saúde. Já nem é considerado um benefício, já faz parte”, sublinha.
Para conseguir responder à mudança, quem gere pessoas deve conseguir ouvir e acompanhar a realidade dos seus trabalhadores. Os gestores de pessoas consideram-nos um reflexo da cultura de uma organização e preveem que o futuro da gestão de benefícios passe pela customização dos benefícios, adaptando-os à realidade individual de cada trabalhador. Nesta missão, a tecnologia tem sido uma aliada, permitindo chegar facilmente a cada um através das plataformas de comunicação e, principalmente, dar a cada pessoa a liberdade de escolher o benefício que mais se aplica às suas necessidades pessoais e profissionais.
Benefícios “à medida” de todas as gerações
As empresas apostam cada vez mais em benefícios mas, em alguns casos, os planos ainda são desajustados às necessidades reais e aos contextos de vida dos trabalhadores, revela o estudo “Nearshore em Portugal: Tendências na gestão de talento”, desenvolvido pela consultora Aaon. De acordo com o documento, que contou com a participação de 30 empresas – que totalizam 40 mil colaboradores – com negócios em todos os continentes, os benefícios mais valorizados são o subsídio de refeição, sendo que 88% das empresas atribuem este valor através de um cartão refeição com um valor médio diário de 7,5 euros, e os seguros de saúde, com 88% das organizações a oferecer este tipo de soluções aos seus colaboradores.
As vantagens e benefícios são os de escala, eficiência, self-service e garantindo a mesma qualidade. Os colaboradores podem ativar os benefícios que precisam sem terem intermediários, utilizando as plataformas digitais.
“A noção de que a saúde não se limita à vertente física tem vindo a disseminar-se na forma como encaramos globalmente a saúde. Os nossos clientes não são alheios a essa tendência e, cada vez mais, têm vindo a desafiar-nos no sentido de obter benefícios no que respeita ao acesso a cuidados de saúde que lhes permitam endereçar também a saúde mental. Estamos a falar num contexto que começa desde logo na vertente da prevenção”, detalha Teresa Bartolomeu, responsável de marketing da Médis, sublinhando que com a Covid-19, “os níveis de stress, ansiedade, medo e preocupação relativamente ao bem-estar (…) aceleraram e intensificaram ainda mais a procura por soluções que deem resposta à necessidade igualmente mais sentida nesta fase de cuidarmos da nossa saúde mental”.
Entre os benefícios mais procurados pelo segmento corporate pelos clientes da Médis estão, além das consultas de psicologia, outras opções que têm impacto na gestão das emoções e do stress. “É recorrente o interesse na disponibilização de ações de sensibilização que promovam uma melhor gestão da saúde mental, sendo por exemplo as temáticas do mindfulness e do sono cada vez mais alvo de interesse”, dá como exemplo a especialista.
Novas gerações, antigos benefícios?
“Aquilo que notamos é que estas novas gerações são bem diferentes em termos de expectativas, em termos de ambições e mesmo em termos da forma como veem a carreira”, destaca Cláudia Leitão, da Pipedrive. Ter um bom escritório ainda importa, mas esse espaço físico tem de ser mais dinâmico, mais “vivo e fluido”, lembra a gestora.
Hoje, os profissionais continuam a querer trabalhar no escritório físico, onde se sintam bem e, acima de tudo, consigam identificar as características de outros benefícios: um espaço de trabalho ágil, flexível e que corresponda às suas necessidades, por isso a Pipedrive tem investido no office design, em zonas de lazer onde os trabalhadores podem descansar, jogar, e dedicar-se a momentos de brainstorming. “A customização e a flexibilidade de alocar o benefício a determinadas rubricas, diria que começa a ser o ‘novo normal’”, destaca a gestora de pessoas.
Paula Carneiro, diretora de recursos humanos da EDP, considera que há benefícios que estão a mudar na empresa, como o caso do veículo próprio, que tem cada vez menos importância. No entanto, o mais recente estudo da Mercer, “Car Benefit Policies 2020”, revela que 80% das empresas em Portugal ainda dá o benefício automóvel, principalmente aos profissionais em cargos de chefia.
Ter disponíveis na Luz Saúde as ferramentas tecnológicas para permitir o acesso dos nossos colaboradores, com rapidez e facilidade, à informação relacionada com a pandemia e a apoio psicológico e clínico foi essencial para conseguirmos gerir toda esta situação.
A necessidade dos benefícios, novos ou antigos, é transversal, e as gerações mais novas também procuram benefícios normalmente associado a gerações anteriores, tais como a estabilidade, defende a responsável. Por isso, o futuro passará pela “customização” e por garantir “fluidez” da implementação destes benefícios e, nesta tarefa, a tecnologia vai ter um papel determinante para conseguir chegar a cada uma das pessoas na organização, de forma mais eficiente e com menos custos.
Em 2019, a Worten criou o pacote “Your Time”, um conjunto de iniciativas para ajudar os trabalhadores a conciliar a vida pessoal e profissional: entre eles o trabalho remoto, gestão dos próprios licenças sem vencimento até 90 dias e dias de folga extra. Já na everis Portugal, os trabalhadores têm à disposição um “catálogo de benefícios”, que inclui formas flexíveis de trabalhar, dias de férias extra e ainda a possibilidade de realizar licenças sabáticas.
No setor da saúde, não é diferente. No grupo Luz Saúde, o sistema de benefícios vai desde os planos de saúde que dão acesso a cuidados médicos em todas as unidades da rede hospitalar, planos de carreiras, até ao acesso a formações pela Learning Health, a empresa do grupo dedicada à formação.
Garantir (e criar) benefícios com a ajuda da tecnologia
Em matéria de gestão de benefícios, a tecnologia tem permitido adaptar processos e criar novas estratégias e soluções. “Em termos concretos de alguns benefícios específicos, a tecnologia facilita a acessibilidade de todos os nossos colaboradores a ferramentas de trabalho e colaboração, facilita a liderança do processo de seleção e escolha dos benefícios por cada colaborador, assim como a consulta dos seus consumos, onde quer que estejam”, ressalva Margarida Calado, head of people da everis Portugal.
A app my Worten permitiu que os trabalhadores se mantivessem em contacto durante todo o tempo de confinamento. Além disso, “[a tecnologia] permite uma gestão com números, torna o processo mais célere, transparente e acessível a todos, reduzindo a burocracia, e permite a adoção de práticas de trabalho remoto e flexível com a mesma qualidade e eficiência que o trabalho prestado no escritório”, assegura Nuno Nascimento, head of people da Worten.
Com a ajuda da tecnologia, Paula Carneiro conseguiu avaliar o sucesso do teletrabalho – que faz parte do programa “Conciliar”. Os dados revelaram que mais de 80% dos trabalhadores gostaria de continuar a ter esse benefício no futuro.
Cláudia Leitão, da Pipedrive, conseguiu ter feedback em tempo real dos trabalhadores, criar reuniões semanais e organizar, para cada escritório, três encontros semanais virtuais, incluindo uma pausa para café, almoço e uma happy hour todas as sextas-feiras. Além disso, a Pipedrive criou o canal “Life at Pipedrive”, na plataforma Slack, onde diariamente os trabalhadores podem partilhar as suas experiências de trabalho em casa.
“Ter disponíveis as ferramentas tecnológicas para permitir o acesso dos nossos colaboradores, com rapidez e facilidade, à informação relacionada com a pandemia e a apoio psicológico e clínico, foi essencial para conseguirmos gerir toda esta situação”, conta Anabela Lobo de Carvalho, diretora de recursos humanos do grupo Luz Saúde, que apostou na formação online e criou redes online de acesso a conteúdos formativos.
Já a Mercadona potenciou a ferramenta digital que já tinha sido criada em 2019, o ‘Activo 2’, para garantir a comunicação eficaz e a partilha de experiências entre todos os trabalhadores.
Os benefícios são uma forma de compensar os trabalhadores, de os reter na empresa e de atrair novo talento. Benefícios como a flexibilidade ganharam importância durante a pandemia e figuram-se como um benefício essencial para os trabalhadores.
Na Microsoft, a tecnologia permitiu criar um novo benefício em Portugal: um plano de pensões desenvolvido totalmente no digital. “As vantagens e benefícios são os de escala, eficiência, self-service e garantindo a mesma qualidade. Os colaboradores podem ativar os benefícios que precisam sem terem intermediários, utilizando as plataformas digitais”, explica Clara Celestino. “A tecnologia permite-nos dar mais escala à oferta que temos, e os nossos colaboradores podem ter acesso aos benefícios independentemente do sítio onde estão a trabalhar. Hoje falamos de work e não de workplace”, realça.
Na EDP, a gestão dos benefícios é 100% digital, conduzida através da plataforma Benefits4all, criada em 2018. A tecnologia permite que cada trabalhador defina o seu próprio o plano de benefícios a partir do computador ou do telemóvel. “Passou a estar ao lado do colaborador uma vez que deixou de existir a necessidade do colaborador estar ligado à rede interna da EDP para fazer a gestão do seu plano de benefícios flexível. Neste momento, os colaboradores conseguem efetuar e alterar as suas escolhas através de casa e de dispositivos mobile”, descreve Paula Carneiro.
Pandemia e o benefício da saúde como um todo
“Cuidar”, palavra do latim cogito, significa “pensar, meditar, refletir”. Cuidar da saúde mental dos trabalhadores, apostando em benefícios para promover esta vertente, tem sido a prioridade para quem reflete e pensa a gestão de pessoas dentro das organizações. “Para os nossos colaboradores, foi importante terem o conforto de poderem tirar uma licença sem vencimento, fazer uma paragem, para se focarem exclusivamente, durante algumas semanas ou meses, no contexto familiar”, conta Nuno Nascimento Rodrigues, sobre como surgiu este benefício em tempo de pandemia.
A pandemia do novo coronavírus colocou milhares de pessoas a trabalhar a partir de casa e trouxe novos desafios à tarefa de gerir benefícios dentro de uma organização. À distância, os gestores de pessoas veem os seus trabalhadores a valorizar mais os benefícios como a flexibilidade, o trabalho remoto e, ainda, a políticas de promoção do bem-estar e da saúde mental.
“O contexto da pandemia foi e é gerador de tensão e fonte de stress em toda a sociedade, mas junto dos trabalhadores da área da saúde essa situação ganhou uma relevância significativa”, conta a diretora de recursos humanos do grupo Luz Saúde, onde foi criada uma linha de apoio psicológico a todos os trabalhadores, conduzido por profissionais do próprio grupo hospitalar. Além disso, foi atribuído um plano de saúde a todos os trabalhadores, independentemente da data em que começaram a trabalhar na empresa e atribuiu compensações aos que ficaram de baixa por causa da Covid-19.
Nem sequer se coloca a hipótese de não existir um seguro de saúde. Já nem é considerado um benefício, já faz parte.
Na Microsoft, os trabalhadores têm acesso a seguros que promovem a saúde e bem-estar, financeiros e reforma, apoio à família e desenvolvimento pessoal e profissional. Durante a pandemia, Clara Celestino, human resources manager da Microsoft Portugal, teve de ouvir as suas pessoas e perceber que era necessário criar um novo benefício: 14 semanas pagas para trabalhadores que tivessem que prestar apoio aos filhos. Devido à pandemia, a gigante tecnológica Microsoft organizou, à escala global, a semana da saúde mental. Em Portugal, Clara Celestino conta que foi criado o programa ‘Microsoft CARES’, que dá aos trabalhadores e às suas famílias o acesso a recursos de saúde mental gratuitos, incluindo aconselhamento pessoal. “Temos também uma psicóloga local que acompanha os nossos colaboradores. O seguro de saúde que temos atualmente também tem uma excelente oferta de serviços de medicina online”, assegura a diretora de recursos humanos.
Na consultora everis, a aposta passou por aulas de meditação e ioga, exclusivamente online. Já na Pipedrive, a empresa apostou na formação em áreas como mindfulness, burnout e gestão de stress e um serviço de personal coaching com quem podem partilhar preocupações pessoais ou profissionais, totalmente gratuito.
“Por um lado, a literacia e promoção de saúde tem vindo a ser um dos focos da Médis que, enquanto ‘Serviço Pessoal de Saúde’, tem muito presente o objetivo de incentivar a adoção de hábitos de vida mais saudáveis. Nesse sentido, no Site Médis, existe uma área dedicada à partilha de conteúdos de saúde, em diferentes formatos – artigos, infografias, vídeos – e sobre os mais diversos temas de saúde, entre os quais, a saúde mental”, explica Teresa Bartolomeu, responsável pelo marketing da Médis. Uma dessas apostas é no “Programa Empresa Saudável”, no qual a Médis desenvolve um conjunto de ações nas empresas no sentido da adoção de hábitos de vida mais saudáveis. “Tanto ao nível das ações, como da literacia, a saúde é tratada de forma global, pelo que as temáticas obrigatoriamente passam também pela saúde mental”, sublinha.
Compensações para atrair e reter talento
O mesmo estudo da consultora Aaon revela ainda que os benefícios mais valorizados pelas empresas para captar e reter talento, são a flexibilização e otimização fiscal, programas globais e planos de benefícios. À conversa com a Pessoas, os gestores consideram cada vez mais os benefícios como um fator de atração de novo talento. Quem procura um emprego quer ter mais autonomia e um emprego, e local de trabalho, mais ágil e flexível.
“Quando dizemos aos candidatos que temos esta forma flexível de trabalhar é um ponto de atração”, garante Clara Celestino, human resources manager da Microsoft Portugal, que conta que os trabalhadores “apreciam muito a flexibilidade e o empowerment para decidirem se, durante a semana, lhes é mais útil ao escritório, ou ficar em casa, ou se é ficar dois dias em casa e irem três ao escritório”, acrescenta.
“A questão da flexibilidade é bastante valorizada, nomeadamente pela camada mais jovem, recém-licenciada e que procura o seu primeiro emprego, também pela garantia de que irão trabalhar numa empresa que lhes dará margem para desfrutar da sua vida profissional, sem terem de descurar o lado pessoal”, sublinha Nuno Nascimento, head of people da Worten, que reconhece que o mindset das gerações mais novas mudou, quando comparado com as últimas duas décadas, e que a missão para o futuro é, por isso, “perceber, avaliar e acompanhar essa evolução, de modo a que as nossas políticas não se tornem obsoletas e, consequentemente, inúteis, para conquistar quem procura a Worten para trabalhar”.
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Como a gestão de benefícios se tornou o futuro da gestão de pessoas
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