Empresas apostam na tecnologia como uma ferramenta indispensável. O recrutamento será mais tecnológico, mais eficiente para quem recruta e para quem procura emprego, mas também mais responsável.
Entrevistas à distância, avaliações, validação de referências, pesquisa, seleção e triagem de candidatos. Todos estes passos do processo de recrutamento são hoje digitais nas maiores empresas de recrutamento do país, que há algum tempo começaram o investimento em ferramentas tecnológicas. A tecnologia tem tornado o recrutamento mais eficiente, aumentando a probabilidade de encontrar o candidato ideal para uma oferta de emprego.
Em 2019, a Multipessoal começou a investir em plataformas online e softwares para gestão de candidatos e, em fevereiro deste ano, lançou uma plataforma de emprego online para simplificar a procura. Há mais de dois anos, a Randstad criou a plataforma tecnológica VIDA (sigla em inglês para Video Interviews and Digital Assessments), que permite fazer entrevistas em vídeo. Desde 2016 que a empresa de recrutamento usa um sistema digital de validação de referências, o Checkster, e há mais de dois anos que passou a usar o You Plan, uma ferramenta de gestão de turnos. No início de 2018, também a Adecco implementou uma ferramenta interna de recrutamento nos 25 escritórios em Portugal, para fazer a seleção, triagem e o “match” entre o candidato e os clientes. Com a ajuda do Office 365 e do Skype, os clientes da Adecco só precisam de enviar um convite que é recebido pelo candidato através de um link, colocando-o em contacto direto com o recrutador.
Hinterview, Skype for Business e Microsoft Teams já fazem parte da caixa de ferramentas para o dia-a-dia de trabalho da Michael Page. Já na consultora Robert Walters, a digitalização tem sido a aposta nos últimos dois anos e à escala global. Nesta empresa, todos os trabalhadores têm um computador e um tablet para facilitar a comunicação com os candidatos e otimizar as suas tarefas.
Tecnologia: aliado em tempos de crise, para usar e partilhar
As medidas de confinamento para combater a propagação do novo coronavírus, em Portugal e no mundo, trouxeram novos desafios ao mundo do recrutamento. À distância, a tecnologia está a permitir que os negócios continuem e, em muitos casos, também os processos de recrutamento. Em contexto de pandemia, as empresas de recrutamento reforçaram o uso das soluções tecnológicas, anteciparam a implementação de projetos, criaram novos e, em alguns casos, começaram a partilhar esta ferramentas internas de forma massiva com os seus clientes.
Nem a mais potente inteligência artificial com recurso a um computador quântico consegue lidar com a quantidade de variáveis subjetivas e emocionais atrás da decisão como um humano faz.
Na Hays, foi criada uma plataforma de formação online e gratuita, a Hays Learning, para apoiar os empregadores. A Multipessoal apostou numa assinatura digital dos contratos de trabalho, uma nova plataforma de emprego para contornar o distanciamento social obrigatório e, ainda, “uma solução de self-service para marcação de entrevistas e reuniões online, para que os nossos candidatos e clientes possam escolher a hora mais conveniente para reunir, de forma autónoma e ágil”, detalha André Ribeiro Pires, chief digital and information officer da Multipessoal.
O contexto de crise fez com que as soluções tecnológicas deixassem de ser exclusivamente para uso interno. “O mindset é tornar estas ferramentas o normal dentro dos próprios clientes, para que o nosso papel seja cada vez mais consultivo”, sublinha Gonçalo Vilhena, chief information officer da Randstad.
Com a pandemia, a Randstad começou a usar a plataforma VIDA de forma massiva em todas as suas operações e decidiu agregar todas as ferramentas digitais internas e disponibilizá-las para os clientes num kit digital. O material inclui a plataforma VIDA, o Checkster, uma assinatura digital para ajudar no onboarding dos novos candidatos, a plataforma de e-learning Bugle e ainda o You Plan que, agora, pode ser útil para as empresas que foram obrigadas a parar a produção e precisam de recrutar. Mais recentemente, lançou o WhatsApp Buzz, um sistema de partilha de informações úteis para apoiar os gestores de pessoas no regresso à “normalidade”.
“É parte da nossa responsabilidade enquanto empresa, ajudar pessoas, profissionais, candidatos, que querem mudar e arranjar um novo emprego, que perderam os seus e querem regressar ao negócio. É também parte da nossa responsabilidade estar verdadeiramente preparados para lhes levar as oportunidades o mais rapidamente possível”, destaca o responsável.
Tecnologia para conhecer o “lado b” dos candidatos
As ferramentas tecnológicas já estão a alterar os processos tradicionais de recrutamento, trazendo vantagens para os recrutadores e para os próprios candidatos. A tecnologia ajudará os recrutadores a conhecer ainda melhor os candidatos e a garantir o acompanhamento durante todo o processo de recrutamento. “As soluções tecnológicas vão tornar os processos de recrutamento mais ágeis e isso já está a acontecer na Landing.jobs. O nosso novo head of technology foi recrutado num modelo 100% remoto, nunca o conheci ao vivo e será um dos elementos da equipa de gestão com mais responsabilidade em construir o futuro da empresa”, exemplifica Pedro Oliveira, CEO da startup especializada em recrutamento na área da tecnologia.
Já para os candidatos, a tecnologia permitirá que se tornem mais autónomos nas suas decisões e na gestão da procura de emprego. Além disso, o recurso a ferramentas digitais no processo de entrevista pode permitir conhecer o “lado b” dos candidatos, acredita Miguel Abreu, diretor da Ray Human Capital. O facto de o entrevistado estar em casa, num local onde se sente mais descontraído, permitirá fazer uma leitura mais correta dos seus comportamentos e facilitar a avaliação de competências como as soft skills.
A tecnologia deve libertar tempo para o que é mais importante: a manutenção de uma relação única e memorável.
A tecnologia vai também tornar os recrutadores e os consultores mais eficientes e ajudar a eliminar tarefas que não trazem valor acrescentado, permitindo-lhes focarem-se mais no seu papel de consultoria e aumentando a eficácia da resposta que dão às empresas que recrutam, assim como a quem procura emprego. Na KWAN, empresa especializada em recrutamento IT, o ritmo dos processos de recrutamento não abrandou. O cofundador Duarte Fernandes prevê que a tecnologia possa vir a permitir “analisar microexpressões” ou “gravar entrevistas” para posterior análise, mas este é ainda um “terreno pantanoso”, pela falta de legislação.
Um novo mundo para os candidatos
Na tecnologia, “a grande vantagem é uma maior comodidade para os candidatos, que não terão de dispensar nem tempo, nem dinheiro, a deslocarem-se às instalações para uma primeira entrevista, em que alguns temas não serão aprofundados”, defende Diogo Ferrão, manager da Adecco para a região de Lisboa. A dinâmica das entrevistas vai mudar – pois a primeira entrevista passa a ser feita sempre à distância –, dando mais autonomia aos candidatos, que não precisam de escolher entre tirar um dia de folga, deixar uma tarefa a meio ou ir a uma entrevista de emprego. “Nunca como hoje, o talento esteve tão disponível e, possivelmente, em condições para refletir sobre uma possível mudança de carreira, sem ter de pedir licença para sair do seu open space ou ter de inventar uma consulta médica para poder deslocar-se ao local da entrevista”, justifica o diretor da Ray Human Capital.
A Randstad, que coloca mensalmente em clientes cerca de 25.000 empregados, acredita que o mercado vai tornar-se cada vez mais orientado para os candidatos, à medida que aumenta o desemprego. “Está a aumentar o número de pessoas disponíveis e prevemos que vá acontecer um shift muito rapidamente para o lado do cliente”, sublinha Gonçalo Vilhena.
Nunca como hoje, o talento esteve tão disponível e possivelmente em condições para refletir sobre uma possível mudança de careira.
As empresas de recrutamento acreditam num futuro com candidatos mais aptos para fazer escolhas mais ponderadas sobre qual será o seu próximo emprego, aumentando a capacidade de um “match” perfeito entre a procura e a oferta. Quanto melhor corresponder a oferta de emprego aos objetivos do candidato e da empresa, maior será a probabilidade de estes candidatos virem a ser profissionais mais motivados para o cargo, mais produtivos. Apesar de todas as vantagens, a distância vai exigir mais rigor por parte de quem entrevista e a necessidade de replicar no remoto um momento presencial. E as empresas devem estar preparadas, aconselham os especialistas.
A tecnologia a quebrar fronteiras
A tecnologia pode permitir que o recrutamento ultrapasse as fronteiras e seja cada vez maior a facilidade em atrair e recrutar mais talento internacional, colmatando a falta de oferta em setores como a saúde ou o setor tecnológico, a engenharia e a indústria. “Temos uma presença muito forte naquilo que é o recrutamento de perfis linguísticos, algum destes com elevada especialização, o que nos obriga muitas vezes a recorrer ao recrutamento internacional”, assinala Diogo Ferrão.
A tecnologia permitirá “menores constrangimentos de tempo e distância por parte de empresas e candidatos, que terão menos resistência a desenvolver processos de forma virtual”, acredita o diretor geral da Michael Page.
François-Pierre Puech, senior manager da Robert Walters, defende que esta será uma tendência e considera-a uma obrigação para fazer face à escassez de talento em Portugal. “Todos os anos temos uma demografia negativa, menos pessoas a entrar no mercado de trabalho do que aquelas que estão a sair. Agora será ainda mais fácil, porque as empresas não estarão tão fechadas em fazer a primeira entrevista com o candidato que pode estar em França ou noutros países da Europa”, sublinha.
Fator humano: o aliado para um futuro mais tecnológico
“A tecnologia deve libertar tempo para o que é mais importante: a manutenção de uma relação única e memorável pois, para todos nós, a mudança de emprego é, sem dúvida, um momento importante nas nossas vidas”, sublinha André Ribeiro Pires, da Multipessoal. O futuro do recrutamento é mais flexível, mais ágil, mais ecológico e inclusivo, tem menos burocracia mas mais responsabilidades. A tecnologia vai permitir poupar tempo, otimizar tarefas e funções, mas sem esquecer o fator humano e a empatia.
Máquinas analisam factos, pessoas analisam motivações.
“Acredito que o que diferenciará as organizações neste momento único é o desenvolvimento de capital humano capaz de gerir esta mudança”, sublinha Carlos Maia, regional director na Hays Portugal.
O fosso entre o envelhecimento da população e a dependência tecnológica, a falta de acesso à tecnologia, o distanciamento dos candidatos ou a discriminação são alguns dos riscos do uso inadequado da tecnologia nos processos de recrutamento, alertam os especialistas. “Por vezes, a distância virtual pode limitar a interação e o grau de proximidade que se estabelece com o avaliador, o que pode obrigar a um esforço adicional por parte do entrevistador em ‘quebrar o gelo’ e potenciar o nível de engagement adequado para que a entrevista flua da melhor forma”, alerta Miguel Abreu, da Ray Human Capital.
O contacto humano será mais importante, principalmente na fase final do recrutamento. Assim, acompanhará sempre a evolução da tecnologia, pois “nem a mais potente inteligência artificial com recurso a um computador quântico consegue lidar com a quantidade de variáveis subjetivas e emocionais atrás da decisão como um humano faz”, lembra Duarte Fernandes, da Kwan. “Recrutar num mercado de escassez de candidatos não é fazer 10.000 triagens, 1.000 entrevistas, testes psicotécnicos, dinâmicas de grupo, tech challenges, entre outros. O mais importante é conhecer as motivações profundas da pessoa e procurar fazer o match com as motivações profundas do cliente”, acrescenta André Ribeiro Pires, da Multipessoal.
Para Carlos Maia, da Hays Portugal, o segredo está no equilíbrio. “Não há nada mais frustrante do que ser aconselhado por um algoritmo, quando se trata da gestão de um aspeto tão fundamental nas nossas vidas como o emprego. Máquinas analisam factos, pessoas analisam motivações”, esclarece.
O futuro é tecnológico e exige preparação
As soluções tecnológicas no recrutamento vão dinamizar o mercado de trabalho e mudar o paradigma do recrutamento. Há mais ferramentas, mas terá de haver mais formação para garantir um futuro sustentado. “É fundamental treinar e equipar os profissionais de recrutamento para estarem preparados para novas formas de recrutar talento”, aconselha Pedro Oliveira, CEO e cofundador da Landing.jobs, que acredita num futuro que alia “o melhor da tecnologia e do ser humano”.
Apesar do contexto de pandemia, que está a retrair algumas empresas, “esta é precisamente a melhor altura para investir no mapeamento de talento, sobretudo tendo em consideração os perfis que naturalmente emergirão no cenário beyond the crisis”, acredita Miguel Abreu, diretor da Ray Human Capital. “Penso que sairemos todos mais preparados e mais capazes desta experiência, seja a nível de soft skills, agilidade das estruturas, digitalização, know-how tecnológico e até em termos de simplificação de processos e procedimentos”, ressalva Miguel Abreu, da Ray Human Capital.
O pandemia do Covid-19 obrigou a acelerar processos e a colocar na balança o peso da tecnologia nos processos de recrutamento. Por isso, as as empresas de recrutamento devem preparar-se para um futuro que será — mais do que antes se previra – cada vez mais digital.
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