Hidrogénio, Novo Banco e geringonça aquecem Estado da Nação
No último debate com o primeiro-ministro antes das férias, discutiu-se o Estado da Nação a olhar para estes temas: pandemia, geringonça, hidrogénio, Novo Banco e TAP.
A julgar pela forma como decorreu o debate sobre o Estado da Nação, o diagnóstico do país a 24 de junho de 2020 é este: um Governo à espera de contrair matrimónio à Esquerda para enfrentar os tempos da pandemia, uma oposição a questionar as opções económicas em relação a grandes dossiês como o hidrogénio, Novo Banco e TAP. Numa discussão morna, antes dos políticos irem de férias, o Governo deixou um ou outro anúncio mais relevante: aposta em mais médicos de saúde pública e a apresentação do plano anticorrupção no início de setembro.
Casamento à esquerda em tempos de pandemia
António Costa afastou uma crise política provocada pelo Governo em plena pandemia e desafiou os partidos à esquerda do PS a estabelecerem um “entendimento sólido e duradouro”, como o da legislatura anterior. Para o primeiro-ministro, se um acordo deste tipo, que ficou conhecido como “geringonça”, já foi “útil antes”, agora é mesmo “indispensável”.
“Ninguém espere deste Governo qualquer contributo para uma crise política que ponha em causa a estabilidade desta legislatura”, afirmou o líder do PS, assegurando que o futuro “não passa pela austeridade nem por qualquer retrocesso” face às conquistas alcançadas nos últimos anos. Costa quer um “quadro de estabilidade ao longo da legislatura”, admitindo que já o queria antes da pandemia, mas “ainda mais agora”.
A líder do Bloco de Esquerda (BE) não ignorou o apelo de Costa, relembrando que, no final do ano passado, após as eleições, os bloquistas desafiaram o Governo para um acordo formal, escrito e duradouro para a legislatura. “O BE nunca esqueceu o nosso mandato de políticas de esquerda e o nosso horizonte sempre foi o da legislatura. Nunca colocámos o nosso mandato dentro da gaveta”, avisou Catarina Martins. Em reação, Costa notou que as “circunstâncias mudaram” com a pandemia e que há uma “nova agenda que é comum” aos dois partidos.
Pelo meio, Rui Rio meteu a colherada: “O que vi em público foi um pedido de casamento com papel assinado ali com o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda“.
Duplicar vagas para médicos de saúde pública
Face à escassez de médicos especializados em saúde pública, que tem assumido um papel de relevância nesta pandemia, a ministra da Saúde revelou que está a trabalhar com a Ordem dos Médicos para “duplicar o número de vagas para a formação médica especializada em saúde pública, de forma excecional e imediata”.
“É ainda cedo, demasiado cedo, para sabermos quando sairemos desta crise, da qual só nos libertaremos quando encontrarmos uma vacina ou um tratamento eficaz”, alertou Marta Temido, referindo que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem de estar preparado para responder quando chegar a gripe sazonal depois do verão.
Temido acrescentou que se está a trabalhar para aumentar a capacidade de testagem de Covid-19 nos laboratórios do SNS: pretende que o serviço público seja capaz de fazer 22 mil testes por dia até ao final do ano no instituto Ricardo Jorge.
“Fossilização” à volta do hidrogénio
Outro dos temas que aqueceram o debate do Estado da Nação foi o hidrogénio, um projeto “extremamente perigoso” por se tratar de uma “tecnologia ainda muito atrasada”, nas palavras de Rui Rio.
“Para termos investimento privado, só com subsídios. Receio que tenhamos pela frente mais um episódio de rendas garantidas agora para o hidrogénio”, disse o líder do PSD, ao que o primeiro-ministro respondeu com a garantia de que não será assim.
Costa explicou que o hidrogénio vai ser vital para a descarbonização da indústria e dos transportes pesados. “Portugal tem condições únicas para ser o grande produtor de hidrogénio verde na Europa, porque dispõe de água abundante no mar e energia solar barata”, disse.
“Não é por acaso que estamos no coração da estratégia europeia para o hidrogénio verde. Não é uma ideia bizarra do Governo português”, atirou o primeiro-ministro, acusando o o PSD de estar “fossilizado nas energias fósseis”.
“É chocante ver como o PSD não aprendeu nada com a História. Foi contra as renováveis e chegou tarde à historia para defender as renováveis. Agora é contra o hidrogénio”, rematou.
Auditoria ao Novo Banco até final do mês, Rio quer Ministério Público a investigar vendas
Não há debate no Parlamento com o primeiro-ministro em que o tema do Novo Banco não venha à baila. Assim foi no debate sobre o Estado da Nação. Desta vez, foram Catarina Martins e Rui Rio a trazerem o assunto para o centro da discussão.
A líder do BE voltou a perguntar a António Costa pela auditoria especial que está a ser realizada pela Deloitte e abrange os atos de gestão do banco dos últimos anos. A resposta do primeiro-ministro, que foi lembrado do episódio polémico da transferência para o Novo Banco sem o seu conhecimento, não foi longa: “Relativamente ao Novo Banco, o auditor que está a elaborar a auditoria pediu uma prorrogação do prazo, e essa prorrogação do prazo foi recusada pelo ministro de Estado e das Finanças, que insistiu que até ao dia 31 de julho tem de ser entregue. Assim que for entregue será também enviada ao Parlamento.”
Catarina Martins referiu-se ainda a operações suspeitas por parte do banco, designadamente a venda de um lote de imóveis a um fundo de investimento com ligações recentes ao presidente do conselho geral de supervisão do banco, Byron Haynes, e que gerou uma perda milionária. Rui Rio aproveitou a deixa: “Ainda que esta transação possa ser vir a ser considerada formalmente legal, ela é eticamente muito questionável e carece de pormenorizado esclarecimento (…) Tudo isto que temos visto e ouvido é já suficiente para que o Ministério Público se possa debruçar sobre a forma como este contrato de venda do Novo Banco à Lone Star tem vindo a ser executado“, referiu o presidente do PSD.
Face às críticas, o deputado socialista João Paulo Correia fez a defesa do Governo: “Quem foi contratado para vender o Novo Banco foi o Dr. Sérgio Monteiro, que foi membro do Governo PSD/CDS.” Falou também em “responsabilidades” da oposição na resolução do antigo BES. “Não venderam o Novo Banco em 2015. (…) Não vale a pena, agora, sacudir responsabilidades”, disse.
TAP: um “monstro” igual ao Novo Banco
André Silva, do PAN, atacou o Governo (fez mira no ministro Pedro Nuno Santos) por ter entregue um cheque de 1.200 milhões à TAP sem qualquer contrapartida ambiental, ao contrário do que aconteceu com a Air France, enquanto Rui Rio comparou a companhia aérea ao Novo Banco: são “dois monstros de proporções gigantescas” no que toca ao consumo de recursos financeiros.
“A TAP é uma empresa falida. Não foi capaz de apresentar um plano de negócios. Apenas pediu o dinheiro e o Governo decidiu entregar de forma temerária 1.200 milhões de euros”, acusou o líder do Rui Rio, avisando que o dinheiro vai apenas servir para pagar o lay-off, regime que decidiu manter mesmo sem ter liquidez para o fazer.
Rui Rio foi especialmente crítico da administração da TAP que “gosta de distribuir [prémios] em anos de prejuízo” e que, neste momento, pagou “o lay-off principesco”.
Pacote anticorrupção depois das férias
António Costa aproveitou a ida ao Parlamento para anunciar que, no início de setembro, será apresentado o pacote anticorrupção preparado pelo Governo.
Neste momento, o pacote de medidas encontra-se em fase de audições, seguindo-se a fase de consulta pública e, após as férias de verão, o Governo acredita já ter o plano pronto, cujo conteúdo será então anunciado publicamente.
Este plano incluiu questões como a separação de megaprocessos em processos mais curtos, tribunais (juízos) especializados em corrupção e a introdução nas leis processuais penais de um conceito mais alargado de colaboração premiada.
No final do ano passado foi criado um grupo de trabalho sobre a tutela da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, constituído por académicos e representantes do Ministério Público, do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho de Prevenção da Corrupção e da Polícia Judiciária. Cujos trabalhos acabaram por ficar atrasados, devido à propagação da Covid-19 e consequente estado de emergência.
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