Falta de encomendas até ao final do ano assusta empresários
Diversos empresários e associações de vários setores mostram-se preocupados por não terem encomendas até ao fim do ano. Em alguns casos, a quebra está ligada à redução do consumo.
Do vestuário à metalomecânica, passando por outros setores, muitos empresários estão assustados com a falta de encomendas até ao fim do ano, um fenómeno explicado com a pandemia e que está longe de ser habitual. Por esta altura do “campeonato”, as empresas já teriam uma carteira de encomendas significativa que lhes garantia trabalho até dezembro, segundo António Saraiva, presidente da CIP. Mas muitas só têm encomendas até setembro, o que as deixa numa situação de incerteza quanto ao futuro.
O ECO questionou a Bosch, Carlos Santos Shoes, Quinta do Crasto, Crafil, e os presidentes da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Associação dos Industriais Metalúrgicos (AIMMAP), Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) e Associação Nacional das Indústrias de Vestuário (Anivec) acerca da quebra no volume de encomendas provocada pela Covid-19. A maioria dos empresários ou representantes setoriais mostrou-se apreensivo com a redução, antecipando tempos mais difíceis.
“Existe uma necessidade de apoiar as empresas até ao primeiro trimestre do próximo ano, sendo certo que, até ao final deste ano, a situação será ainda mais grave. Sabemos que existem empresas que neste fase estão a trabalhar, mas sabem que já não vão ter encomendas para o período seguinte, isto na área do têxtil, vestuário e do calçado”, começa por indicar o presidente da ATP, Mário Jorge Machado.
Nessa situação está a Crafil, empresa nacional de têxtil que emprega 16 colaboradores. “Tivemos um pico muito grande de encomendas e temos pré-reservas até setembro. A partir daí, não sabemos. O feedback que temos é que as encomendas vão baixar significativamente até ao final do ano. De setembro a março [de 2021] não vai ser fácil. Numa outra altura, a carteira de encomendas seria muito maior”, constata Vítor Alves, presidente Crafil.
Existem empresas que neste fase estão a trabalhar, mas sabem que já não vão ter encomendas para o período seguinte, essencialmente na área do têxtil, vestuário e do calçado.
Quebra no consumo explica a tendência
A indústria têxtil e vestuário é uma das mais afetadas por esta pandemia, uma crise sanitária que provocou um choque económico geral e mundial. Mais de metade das empresas do setor têxtil e vestuário tiveram uma quebra no volume de negócios superior a 30% entre abril e julho, aponta um inquérito da ATP realizado na última quinzena de julho. Os presidente da ATP e da Anivec, respetivamente Mário Jorge Machado e César Araújo, consideram que esta redução das encomendas deve-se à redução do consumo.
“Estamos menos ativos como consumidores e isso reflete-se na indústria. A redução das encomendas à indústria são o reflexo daquilo que estamos a fazer enquanto consumidores. Há, substancialmente, menos encomendas do que era o habitual para esta época do ano”, explica Mário Jorge Machado.
O presidente da associação de vestuário corrobora a ideia também lançada pelo presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal e destaca que “sem dúvida que há uma redução no consumo”. “Enquanto existir distanciamento social e teletrabalho, as pessoas não vão sair à rua e vão comprar muito menos. Nós sempre fizemos planeamento de encomendas a seis meses e chegar a agosto e não ter encomendas é catastrófico”, refere César Araújo.
O confinamento, as fábricas fechadas e os aviões parados causaram um prejuízo inigualável. Para o presidente da Anivec, devido à quebra do volume de encomendas, “o setor só começará a dar os primeiros sinais de retoma a partir de abril do próximo ano”. O presidente da têxtil Crafil explica, por sua vez, que “a estação de verão desapareceu”. “Como praticamente não se vendeu roupa este verão, as empresas já têm a coleção de verão e não precisam de produzir outra para o próximo ano. Logo, vai existir uma redução muito forte de encomendas”, constata o líder da Crafil.
O presidente da CIP já tinha avisado, em declarações à RTP3, que o desconfinamento “gradual e assimétrico” do país não tem garantido às empresas o volume de faturação que se tinha estimado, nem “valores mínimos de sobrevivência”. Para além da quebra no têxtil e do vestuário, o consumo de calçado vai vai sofrer uma quebra de 27,5% na Europa, sendo que cada europeu vai comprar, este ano, menos um par de sapatos.
Porém, a pandemia também veio agravar problemas mais antigos. Para a diretora de marketing da empresa de calçado Carlos Santos, Ana Santos, a instabilidade no setor já não vem de agora. “Neste momento não temos garantias de trabalho nem de dois em dois meses. A instabilidade já vem desde algum tempo, mas efetivamente com a pandemia a situação agravou-se. Nós temos pouca previsibilidade, pouca consistência. A carteira de clientes é a mesma, a carteira de encomendas é que não”, constata.
Nós temos encomendas até ao próximo ano. Agora, se elas se vão concretizar nas quantidades que nós temos, isso ninguém sabe responder.
Recuperação a várias velocidades
A pandemia não afetou todos os setores da mesma forma e a indústria, em geral, está a arrancar a várias velocidades. Apesar de as empresas de metalomecânica e metalúrgica já estarem a recuperar do forte impacto da pandemia, o vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), Rafael Campos Pereira, conta que a redução de encomendas é uma situação “que está generalizada a todos os setores”.
“As encomendas têm um horizonte temporal muito mais curto na esmagadora maioria dos casos. A metalomecânica será provavelmente aquela que está melhor, mas mesmo assim tem esses horizontes temporais mais curtos“.
O vice-presidente da AIMMAP garante que, noutros anos, o setor teria encomendas até ao próximo ano. “A metalomecânica tem muitos subsetores e muitas realidades distintas, mas em alguns casos já teriam encomendas até dezembro, em outras até março/abril”, aponta. Diz, por isso, que “esta imprevisibilidade gera muita apreensão”.
O setor automóvel começa a recuperar também da quebra provocada pelo confinamento e pelo encerramento de várias unidades fabris. O representante da Bosch Portugal, Carlos Ribas, conta ao ECO que todas as unidades do grupo em Portugal “têm encomendas” e que a perspetiva é “bastante melhor” do que aquela que a empresa previa inicialmente, “quando surgiu a pandemia”.
“Nós temos encomendas até ao próximo ano. Agora, se elas se vão concretizar nas quantidades que nós temos, isso ninguém sabe responder”, refere o representante da Bosch Portugal. Apesar do sentimento de incerteza, Carlos Ribas diz que “aquilo que visiona para a empresa é bastante positivo”. Apesar do otimismo, o representante da multinacional está consciente que se a pandemia se alastrar “isto pode virar tudo ao contrário”.
Apesar de a Bosch ser uma das empresas que está a conseguir superar a crise, o representante acredita que empresas mais pequenas estão a ter “muita dificuldade” em sobreviver. Explica ainda que, “no caso de multinacionais que depende de outras multinacionais, as encomendas não são previstas a meses mas sim a anos”.
Setor bem diferente é o do vinho. “No nosso caso, temos uma antecipação de encomendas muito curta”, explica Justino Soares, administrador da Quinta do Crasto. O responsável destaca que a preocupação prende-se mais com o evoluir da própria pandemia: “Não sabemos é como esta situação vai evoluir. O que acontecer em termos de saúde pública é a chave para tudo o que vai acontecer a seguir“, recorda Justino Soares.
Associações queixam-se do novo mecanismo de lay-off e pedem intervenção do Governo
A grande maioria das empresas consideram que o Governo tem de intervir mais, e que o apoio à retoma progressiva, medida desenhada para suceder ao lay-off simplificado, deve ser ajustada, por ser “desadequada” à realidade das empresas.
“Esta nova medida de lay-off é desadequada e não veio acrescentar nada, antes pelo contrário, veio complicar ainda mais. O lay-off simplificado devia ser mantido pelo menos até ao final do ano. Continuamos ter problemas de liquidez nas empresas e isto são questões que têm que ser resolvidas de imediato. Para termos futuro, temos que segurar essas empresas no presente”, alerta o presidente da AEP, Luís Miguel Ribeiro.
Nós sempre fizemos planeamento de encomendas a seis meses e chegar a agosto e não ter encomendas é catastrófico.
O presidente da ATP, Mário Jorge Machado, diz também que “as medidas que o Governo tomou em relação ao novo regime de lay-off deviam ser ajustadas”. “As empresas pedem mais rapidez, simplificação e menos burocracia nas medidas de apoio”, resume o representante.
Face ao fim do lay-off simplificado, a Associação Têxtil e Vestuário pede um mecanismo de apoio para empresas com quebras de atividade ou faturação a partir de 20%, mais incentivos ao investimento na indústria em áreas como a modernização e a internacionalização e pagamentos mais rápidos por parte do Portugal 2020.
“O Governo tem que tomar medidas face a este novo mecanismo que criou para falir as empresas. O Governo deu um tiro de bazuca contra as empresas que não vão ter capacidade para assumir estes encargos. O Estado tem que intervir”, apela, por fim, o presidente da Anivec.
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