Fomos falar com 11 empresários e quase todos (10) dão nota negativa ao apoio à retoma progressiva, já que aumenta os encargos, retira flexibilidade e abre a porta a mais falências.
Insuficiente. É essa a palavra escolhida por grande parte dos empresários ouvidos pelo ECO para descrever o apoio à retoma progressiva, medida desenhada para suceder ao lay-off simplificado. O novo regime, dizem, vem “apressar as falências”, abrir a porta a despedimentos, aumentar os encargos e retirar flexibilidade à mão-de-obra, já que trava a suspensão dos contratos de trabalho e condiciona a redução dos horárias às quebras de faturação dos empregadores. O futuro é negro, antecipam por isso os empresários, especialmente face à lentidão da retoma da atividade económica e à possibilidade de uma segunda vaga da pandemia de coronavírus.
A partir deste mês, o lay-off simplificado — mecanismo “eficaz” na proteção dos postos de trabalho, tem dito o Executivo de António Costa — fica disponível apenas para as empresas cuja atividade esteja encerrada por imposição legal e para as empresas que, tendo aderido a esse regime, ainda não gozaram os três meses de apoio previstos na lei. Os demais empregadores que ainda não consigam regressar à normalidade têm à disposição dois caminhos: ou seguem para o lay-off tradicional (tendencialmente mais moroso e complexo do que o regime excecional) ou recorrem ao apoio à retoma progressiva, conhecido como “sucedâneo” do lay-off simplificado.
Ao abrigo desse novo regime, as empresas com quebras de, pelo menos, 40% podem reduzir os horários de trabalho, mas já não suspender os horários. Os salários continuam a ser alvo de cortes, mas saem reforçados, com os encargos exigidos ao empregador também a aumentar. Por outro lado, os patrões deixam de estar isentos das contribuições sociais e passam a beneficiar apenas de um desconto (parcial ou total, consoante a dimensão da empresa) nas contribuições devidas à Segurança Social no que diz respeito à compensação assegurada aos trabalhadores pelas horas não trabalhadas.
Tudo somado, as empresas ouvidas pelo ECO dão nota negativa a este novo regime, considerando-o “insuficiente” e menos eficaz na proteção dos postos de trabalho do que o lay-off simplificado, medida que até o Presidente da República já disse preferir. Os empresários preveem que este apoio “apressará” as falências e apelam à maior flexibilidade da mão-de-obra, a mais direitos dos empregadores na marcação de férias e a mecanismos alternativos que ajudem a tesouraria dos empregadores, até porque a retoma está a ser mais lenta do que se esperava, dizem.
O ECO foi questionar a Continental, o Grupo Pestana, o Lisbon Marriott Hotel, a Riopele, a AMF Shoes, a Calvelex, a Best Events, a Local&Ideias, a Tajiservi, a Adalberto, e a Konica Minolta sobre este novo regime. E apenas a última empresa referida considera o “sucedâneo” do lay-off simplificado ajustado ao momento presente do tecido empresarial nacional. Todas as outras mostram-se contra.
É o caso do Grupo Pestana. “A medida seria adequada, se o setor tivesse começado a recuperar. Como não conseguiu, é uma medida insuficiente”, salienta o CEO. José Theotónio frisa que as empresas não recuperaram e, por isso, não terão “capacidade para fazer face a muitas” das despesas implicadas no apoio à retoma progressiva. “É uma medida que vai apressar falências de algumas empresas do setor, especialmente as mais pequenas”, prevê.
Também César Araújo, fundador da Calvalex e presidente da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção (ANIVEC), corrobora esta ideia e afirma: “O Estado criou um novo mecanismo para falir as empresas. O Governo deu um tiro de bazuca contra as empresas que não vão ter capacidade para assumir estes encargos”.
José Alexandre, presidente da Riopele, acrescenta que “o lay-off simplificado era mais defensor para as empresas e era uma forma de conseguir manter os postos de trabalho”.
Júlia Petiz, CEO da Tajiservi, atira, por sua vez, que este “sucedâneo” do lay-off simplificado é “indiscutivelmente mais penalizador para as empresas”, até porque corta o apoio da Segurança Social e obriga a colocar todos os trabalhadores no ativo. “Não vejo com bons olhos esta situação da retoma ainda que em horário reduzido. Não vamos ter trabalho para todos”, salienta a responsável da empresa empresa especializada em máquinas de costura e bordados.
No mesmo sentido, Jorge Pisco, sócio-gerente da Local&Ideias e líder da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), avança que já há empresas a pensar na insolvência e sublinha que, face à referida redução nos apoios, o Governo acabará por suportar os portugueses por outra via: o subsídio de desemprego. “Isto vai ser uma catástrofe terrível. Estamos numa transição de um cinzento tão escuro para o preto”, diz, referindo que há milhares de empresas ainda praticamente paradas, apesar do desconfinamento. Pisco sugere, em alternativa, a criação de um fundo de tesouraria para ajudar as empresas e confessa que a possibilidade de uma segunda vaga da pandemia já o preocupa.
“O que está a acontecer é que isto é uma crise muito mais prolongada que o previsto e as alterações que foram decididas no início de julho não vão no sentido de salvar empregos, vão complicar a vida das empresas e tornar a sobrevivência das empresas complicada. As empresas vão ter que despedir pessoas“, reforça ainda Mário Jorge Machado, administrador e acionista da Adalberto e presidente da Associação Têxtil e de Vestuário de Portugal (ATP).
Albano Fernandes, presidente da empresa de calçado AMF, acrescenta: “Se não há encomendas, as empresas não podem fazer nada. Sem encomendas, são obrigados a parar“. Este novo regime não vem, por isso, resolver o problema: “Existem empresas muito boas que vão fechar de vez com este novo apoio”, salienta.
“Quem mais emprega devia ter mais apoios”
O decreto-lei que veio fixar as regras do apoio à retoma progressiva trouxe uma surpresa. Afinal, as contribuições sociais relativas à retribuição devidas pelas horas trabalhadas terão de ser pagas a 100%. No lay-off simplificado, estava prevista a isenção total destes descontos. Ainda assim, no que diz respeito à compensação assegurada aos trabalhadores pelas horas não trabalhadas — paga em 30% pelos empregadores –, está previsto uma isenção parcial ou total, que varia, contudo, consoante a dimensão da empresa.
Assim, está determinado que as micro, pequenas e médias empresas beneficiam da isenção total dessas contribuições, entre agosto e setembro, e terão um desconto de 50%, entre outubro e dezembro. Já as grandes empresas, beneficiam de um desconto de 50% das contribuições entre agosto e setembro, ficando obrigadas a fazer o pagamento na íntegra, a partir de outubro.
César Araújo mostra-se contra este desenho. “Quem mais emprega devia ter mais apoios”, diz o líder da ANIVEC, questionando o porquê das PME e microempresas terem isenção total e as grandes empresas dispensa parcial de 50%.
Apoio à retoma progressiva é mais duradoiro
A Continental felicita o Governo pela duração do “sucedâneo” lay-off simplificado, que no limite poderá ser aplicado durante cinco meses. O regime anterior tinha a duração máxima de três meses. “A questão dos cinco meses intercalados é excelente, pois dá alguma flexibilidade para variações dos mercados que estão muito instáveis”.
Apesar desse elogio, Pedro Carreira, engenheiro da empresa em causa, faz questão de salientar que este novo apoio também tem um lado negativo, ao travar a suspensão dos contratos de trabalho. “Entendemos as salvaguardas dos postos de trabalho, mas mais do que nunca é que se deveria ter mão-de-obra flexível para manter as empresas a trabalhar”.
O diretor geral do Lisbon Marriott Hotel, Elmar Derkitsch, também elogia o reforço, mas apressa-se a apelar, do mesmo modo, à maior flexibilidade do mercado laboral português. As empresas “precisam de mais flexibilidade na contratação dos funcionários, reintrodução dos bancos da horas e mais direitos na marcação das férias”, salienta o responsável. De notar que na revisão recente do Código do Trabalho foi eliminado o banco de horas individual e enrijeceram as regras da contratação a termo.
Ainda assim, o diretor geral do Lisbon Marriott Hotel afirma que este novo apoio “é uma ajuda adicional até setembro”. “Depois veremos como podemos continuar e sobreviver”, refere, indicando que a redução dos horários não assegurará os negócios no futuro.
Marcelo preferia lay-off, mas há quem reconheça que seria impossível
Já o diretor geral da Konica Minolta Portugal e Espanha, Vasco Falcão, está de acordo com o Governo na defesa deste novo apoio à retoma progressiva, considerando-o “ajustado”. “Neste momento, manter o mesmo modelo de lay-off simplificado seria impossível. Percebo que, para muitos empresários, seria confortável ter o Estado a subsidiar durante mais três ou quatro meses até percebermos o que vai acontecer, mas esse valor seria pago mais à frente e muito mais“, avisa o responsável.
O responsável diz ainda que chegou a altura de as empresas se reinventarem e acredita que algumas têm que passar por processos de reestruturação. “Este novo mecanismo obriga as empresas a pensarem como querem organizar o trabalho, não obriga as pessoas a fazer despedimentos“, diz Vasco Falcão.
A propósito da necessidade de repensar a organização do trabalho, a Tajiservi é exemplo disso. Readaptou todas as linhas de produção para criar uma nova linha de produtos: pórticos de desinfeção e medição de temperatura. “No nosso negócio tradicional não há movimentação, por isso vamos colocar toda a força de trabalho neste novo produto que lançámos há um mês. O Governo quer que as empresas procurem outras soluções e é isso que estamos a fazer”, diz a CEO da empresa.
No turismo e nos eventos, reclamam-se apoios à medida
Por outro lado, no turismo, os empresários reclamam medidas feitas à medida, já que o setor tem sido um dos mais afetados pela pandemia. O Algarve, região particularmente ligada a esta atividade, viu o número de desempregados disparar mais de 230%, só em junho.
O CEO do Grupo Pestana explica, deste modo, que a nova “medida seria adequada se o setor tivesse começado a recuperar”. “Como não conseguiu, é uma medida insuficiente. E em termos do turismo, como é sazonal, especialmente para as épocas sazonais, nomeadamente no Algarve, é ainda mais desadequada porque vai reduzir o apoio numa altura em que o setor precisa de mercado“, defende o responsável.
José Theotónio deixa ainda outra alerta: “A partir de outubro ainda vai ser pior“, com o regresso às aulas e o arrefecimento da procura interna. “A partir de outubro, se os estrangeiros não chegarem, algumas unidades [hoteleiras] vão fechar”.
Outra setor que exige medida específicas é o dos eventos. Para Jorge Ferreira, CEO da Best Events, empresa que organiza feiras nacionais e internacionais dedicadas aos casamentos, este novo mecanismo “não vai ajudar muito as empresas porque elas vão continuar sem trabalhar“. As empresas preferiam, em contrapartida, o prolongamento do lay-off simplificado. De acordo com um estudo realizado pela Best Event, em 2020 mais de metade das empresas (52%) que trabalham na área dos casamentos preveem perdas de faturação superiores a 70%.
Afinal, como funciona o “sucedâneo” do lay-off simplificado?
Esse novo regime está disponível para as empresas com quebras iguais ou superiores a 40% e permite reduzir os horários, consoante o recuo da faturação. No caso das empresas com quebras de, pelo menos, 40% (mas inferiores a 60%), será possível reduzir os horários em 50%, entre agosto e setembro, e em 40%, entre outubro e dezembro. Já as empresas com quebras superiores a 60% poderão reduzir os horários em 70%, entre agosto e setembro, e 60%, entre outubro e dezembro.
No quadro deste novo regime, as empresas ficam, de resto, responsáveis pelo pagamento de 100% das horas trabalhadas e 30% de uma fatia variante das horas não trabalhadas (66% entre agosto e setembro e 80% entre outubro e dezembro), pagando a Segurança Social os outros 70%.
Mas há uma exceção. No caso das empresas com quebras de faturação iguais ou superiores a 75%, a Segurança Social pagará ainda 35% das horas trabalhadas, além dos tais 70% da fatia variante das horas não trabalhadas.
O apoio tem de ser pedido através da Segurança Social Direta, mas o formulário ainda não está disponível. Será pedido ao empregador, nesse âmbito, uma declaração sua e uma certificação do contabilista certificado que “atestem a situação de crise empresarial” (a tal quebra de, pelo menos, 40%), bem como uma listagem nominativa dos trabalhadores abrangidos, respetivos número de Segurança Social, valores de retribuição normal ilíquida e a indicação da redução dos horários, em termos médios mensais. De notar que o requerimento produz efeitos no mês de submissão. Ainda assim, em setembro, os empregadores podem pedir, excecionalmente, a ajuda em causa para agosto.
O apoio é aprovado e renovado mensalmente, até ao final de dezembro de 2020. Os empregadores podem, de resto, entrar e sair deste regime, quando quiserem, sem que tal prejudique a possibilidade de prorrogarem o mesmo; Isto é, o apoio pode ser requerido em meses interpolados.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Empresários chumbam “novo lay-off” e antecipam despedimentos em massa
{{ noCommentsLabel }}