Em entrevista ao ECO/Capital Verde, a nova CEO da CaetanoBus, Patrícia Vasconcelos, elege os autocarros a hidrogénio como a aposta do futuro: dos transportes urbanos até às longas distâncias.
O ano começou com 15 autocarros elétricos novinhos em folha a saírem das fábricas da CaetanoBus diretamente para as ruas de Lisboa, onde a Carris inaugurou em março a primeira carreira urbana sem emissões poluentes. Logo depois veio a pandemia e de um dia para o outro os ambiciosos objetivos da empresa portuguesa para 2020 sofreram um enorme rombo. Com o país em casa, em isolamento social, e as empresas fechadas, a CaetanoBus colocou 600 trabalhadores em lay off e mudou a liderança de topo. Jorge Pinto passou as rédeas a Patrícia Vasconcelos, que agora tem a responsabilidade de gerir a empresa durante um cenário de crise que deverá durar, pelo menos, dois anos.
Em entrevista ao ECO/Capital Verde, através da plataforma online Zoom, a nova CEO da CaetanoBus elege os autocarros a hidrogénio como a aposta do futuro, não só nos transportes públicos urbanos, como nos aeroportos e até nas viagens de longa distância. Falta ainda produzir hidrogénio em Portugal e ter uma infraestrutura de postos de abastecimento. “Em 2020 e 2021 será gerir a crise, os recursos e tentar ao máximo mitigar os prejuízos, preparando já a empresa para o pós-crise. O futuro pode vir mais depressa do que pensamos. O hidrogénio é uma grande aposta que estamos a fazer”, disse Patrícia Vasconcelos.
No início de março, o anterior CEO da CaetanoBus, Jorge Pinto, esteve em Lisboa para a inauguração da primeira carreira da Carris com autocarros elétricos made in Portugal e traçou objetivos ambiciosos para 2020. O que mudou desde então?
Iniciámos o ano com objetivos bastante altos. Tínhamos previsto em 2020 produzir cerca de 700 autocarros por ano, um crescimento muito significativo em relação aos anos anteriores. Estávamos muito otimistas, o ano estava a começar bem. Em janeiro ainda achávamos que podíamos exceder as expetativas e atingir mais do que o que estava no orçamento. Com a pandemia as nossas previsões alteram-se completamente. É difícil neste momento traçar qualquer cenário, mas já o fizemos. Traçámos um cenário pós-Covid e a previsão para este ano aponta para 425 unidades produzidas, das 700 que inicialmente orçamentámos.
De que forma a estratégia da empresa teve de se alterar?
Estas 425 unidades que vão sair da fábrica em 2020 estão bastante firmes porque se baseiam em encomendas que já tínhamos no princípio do ano. Beneficiámos de certa forma por termos entrado fortes em 2020, conseguimos manter muitas das encomendas e por isso mantivémos esta produção. Destes 425 veículos, serão 82 autocarros elétricos e fuel cell. A pandemia não alterou a estratégia, antes pelo contrário. Estamos a reforçar e a crescer nos mercados de mobilidade verde, nos veículos elétricos, a hidrogénio e gás. Esta pandemia, apesar de todos os efeitos negativos, pelo menos na consciência ambiental e no andar para a frente com soluções descarbonizadas tem sido positiva. Vamos fechar o ano com 82 unidades elétricas, 122 a gás e o restante a diesel. Ainda temos muitos veículos a diesel, mas isso tem a ver com o facto de estarmos muito fortes ainda no mercado dos aeroportos e mercados mais emergentes, que ainda não avançaram para a mobilidade verde. Vendemos muitos modelos Cobus para mercados que ainda não estão tão avançados na mobilidade elétrica.
A produção da CaetanoBus chegou a parar durante a fase de isolamento social no país?
Nunca encerrámos completamente a fábrica, mas em abril só tivemos 100 pessoas a trabalhar em Gaia e Ovar. Fomos muito afetados com o cerco sanitário a Ovar, onde fica uma das nossas fábricas, o que teve impacto também na fábrica de Gaia, que por sua vez é fornecida pela de Ovar. Abril foi o mês em que tivemos mais pessoas em lay off. Temos vindo gradualmente a retomar a produção e neste momento em lay off parcial temos 123 trabalhadores e mais 100 em lay off total. Começámos com 600 em lay off. Temos vindo a recuperar. No total são 845 trabalhadores.
Viram as encomendas serem adiadas ou canceladas?
Sentimos impacto nas encomendas. Tínhamos muitas coisas que já estavam confirmadas, mas outras encomendas etavam em fase de confirmação e foram adiadas. Tivemos alguns cancelamentos, sim, e sobretudo adiamentos na parte dos Cobus, os nossos autocarros para aeroportos. Fomos muito atingidos nesta área de negócio, com os aeroportos a pararem em todo o mundo. Os nossos clientes foram afetados e adiaram encomendas. Conseguimos negociar entregas faseadas e alguns destes autocarros só os vamos entregar para o ano, entre setembro de 2020 e junho de 2021. Felizmente tínhamos uma carteira de encomendas boa que nos permitiu manter a produção destes 425 autocarros. Quanto a novas encomendas, o processo travou completamente. Ao nível dos aeroportos não estamos a receber encomendas. Já no negócio de autocarros urbanos, tem havido abertura de vários concursos. Os Governos da Europa têm incentivados os municípios e as cidades a promoverem concursos públicos e a não os atrasarem. Aqui o nosso negócio não parou tanto.
Vamos fechar o ano com 82 unidades elétricas, 122 a gás e o restante a diesel. Ainda temos muitos veículos a diesel, mas isso tem a ver com o facto de estarmos muito fortes ainda no mercado dos aeroportos e mercados mais emergentes, que ainda não avançaram para a mobilidade verde.
Quando é que a área de negócio dos aeroportos poderá recuperar?
A nossa estratégia global, de longo prazo, não se alterou, mas o foco dos próximos dois anos e o mix de produto alterou-se. O Cobus vai ter um ano de 2021 muito complicado. Continuamos a prever que as encomendas vão ficar paradas. Mas a partir de 2022 já estamos a contar com alguma recuperação. No mercado dos aeroportos, que estavam com grandes planos de expansão, tiveram de travar investimentos em terminais novos, com mangas e pontes. Aí, esperamos nós, vão precisar de mais autocarros para transportarem os passageiros até aos aviões em posições remotas.
Planeiam fazer despedimentos num cenário pós-pandemia?
Neste momento felizmente não há despedimentos à vista. Estamos a fazer tudo por tudo para não o fazer. Temos tentado manter a produção focada nos autocarros urbanos e com as perspetivas de concursos que temos até 2030 achamos que não será necessário. No entanto estamos numa altura de muita incerteza. O que dizemos hoje, amanhã pode ser diferente. Neste momento a ideia é evitar ao máximo que haja despedimentos.
Já têm ideia de qual será o impacto dos últimos meses nas contas da empresa em 2020?
2020 vai ser um desastre. A pandemia atingiu-nos de forma brutal. E a mais afetada foi uma das unidades mais rentáveis. Em termos de quantidades, o Cobus representa um terço da nossa produção, das 700 unidades que íamos produzir, 250 eram Cobus. Em termos de resultados, representa mais de 50%. É um produto de nicho, líder mundial, onde a concorrência não tem nada a ver com o segmento de urbanos, por isso as margens são maiores. Nos autocarros para autocarros somos líderes de mercado mundial. Vai afetar muito as contas da CaetanoBus, sem dúvida nenhuma. Como estamos num altura de forte expansão e desenvolvimento e aposta em novos produtos, precisamos de uma estrutura fixa de engenharia muito pesada, necessária para preparar o futuro. Esses custos não são cobertos quando falta volume de vendas, mas também não podemos deixar de os ter porque é nosso futuro. Temos de passar dois anos piores e minimizar o efeito deste ano e do próximo, mas não podemos parar de todo com a estratégia que desenvolvemos e a forte aposta na mobilidade elétrica e do hidrogénio. O hidrogénio tem sido um motor fortíssimo para o futuro. Vamos ter de viver com este desastre durante dois anos. O Covid-19 veio acelerar a mudança e a transição energética e digital. Muitos dos subsídios que vêm para ajudar as empresas a saírem da crise beneficiam quem é mais amigo do ambiente. A digitalização tem mesmo de avançar.
Mais de metade dos autocarros que vão produzir este ano ainda são a diesel. É para mudar?
Continuamos a ter veículos a diesel mas é uma coisa que não queremos mais ter. Idealmente o diesel deixaria de existir. Gostávamos muito de conseguir substituir as quantidades todas que temos a diesel por gás, hidrogénio ou elétrico. Ainda não estamos no mix que gostaríamos, mas o mercado também ainda não chegou lá. O preço dos autocarros elétricos ainda é um tema sensível. Não é um grande problema comparando a CaetanoBus com fabricantes europeus semelhantes, como a Daimler ou a Volvo, entre outros. Estamos todos ao mesmo nível porque o preço das baterias é igual para todos. Temos sim um grande problema de preços face aos fabricantes chineses. Temos a BYD Auto, uma forte concorrente chinesa, já com presença em Portugal e autocarros a circular em Coimbra, entre outras que estão tentar entrar no mercado com preços que não conseguimos combater. São diferenças de preço que chegam aos 40%. Temos vindo trabalhar na competitividade destes produtos, as baterias têm vindo a descer de preço. Achamos que vamos conseguir ter um preço competitivo para ganhar mercado.
Quanto custa um autocarro elétrico da CaetanoBus?
Depende da autonomia que vai querer, das baterias, se vai ter ar condicionado ou aquecimento. O preço pode situar-se entre os 420 e os 480 mil euros. Tem muito a ver com as baterias e com os extras.
Em 2020 e 2021 será gerir a crise, os recursos e tentar ao máximo mitigar os prejuízos, preparando já a empresa para o pós-crise. O futuro pode vir mais depressa do que pensamos. O hidrogénio é uma grande aposta que estamos a fazer. Queremos lançar autocarros a hidrogénio para aeroportos, estamos num projeto grande para converter os turismos da National Express em hidrogénio
Em que mercados já circulam os autocarros elétricos da CaetanosBus?
Temos autocarros elétricos da CaetanoBus a circular em Portugal, com a Carris, STCP e em Braga. Continuamos a apostar muito no mercado português, gostamos de ver os autocarros cá. Estamos a dar passos para Espanha com os autocarros elétricos, já temos demonstradores lá, também na Alemanha e estamos a apostar nos mercados nórdicos. Entrámos com uma grande operação com um autocarros elétrico no Reino Unido. Neste país sempre fomos muitos fortes nos turismos, de longa distância, com a National Express, e este ano conseguimos entrar em maio, em plena pandemia, na cidade de Londres com autocarros urbanos elétricos e está a correr muito bem. Já lá temos 24 veículos. É um orgulho, a mobilidade urbana é um mercado enorme no Reino Unido.
E para Lisboa, vão vender mais autocarros elétricos à Carris?
A Carris vai lançar um concurso em breve para mais autocarros elétricos e nós vamos concorrer. No ano passado ganhámos um concurso para fornecer autocarros a gás e estamos ainda a entregá-los à Carris. Também no gás serão feitos mais concursos. Fornecemos já 15 autocarros elétricos à Carris e mais de uma centena de unidades a gás. Por causa da pandemia e da necessidade de precisarem de mais autocarros, vêm aí mais concursos. A STCP também teve um concurso grande para autocarros a gás no ano passado e vamos fornecer também mais de 100, além dos que já andam a circular. Em Braga são 8 autocarros elétricos e vamos entregar mais porque ganhámos um concurso para mais 30 unidades.
Já têm um autocarro a hidrogénio a circular mas não têm combustível para o abastecer em Portugal. Como fazem?
Vêm tanques de hidrogénio de Barcelona para Portugal para abastecer o autocarro. São ente 30 e 37 kg de hidrogénio que dão para uma autonomia de uma a duas semanas. Não é simples nem fácil trazer hidrogénio de Espanha, mas é a única hipótese de pormos os autocarros a andar na estrada. Neste momento em Portugal estamos reféns disso. Temos clientes que querem autocarros a hidrogénio, podemos fornecer porque já o construímos e temos o protótipo a circular, e não podemos porque não há como o abastecer. O Governo e as empresas estão já a tratar disso. É necessário e urgente uma infraestrutura de hidrogénio em Portugal.
Vão produzir mais autocarros a hidrogénio para exportar?
Temos um protótipo completamente concluído, que está em testes e homologações. Mas já temos em produção mais seis, quatro deles já vendidos (dois vão ser entregues na Alemanha no final de setembro, os outros dois seguem para a Arábia Saudita). E temos bastantes concursos para o hidrogénio já a decorrer, principalmente na Alemanha, que está muito forte neste mercado e já com bombas de abastecimento de hidrogénio. Temos muitos projetos para a Alemanha para o ano. Para Portugal temos um conselho do país que está muito interessado no hidrogénio e queria já os autocarros para amanha, mas não há como abastecer os veículos. Vai demorar ainda um ano para termos autocarros a hidrogénio a circular em Portugal, já com parte da infraestrutura pronta. Estamos em conversações com vários parceiros: nós fornecemos o autocarro e precisamos de quem forneça e distribua o combustível. Queremos dar o primeiro passo neste sentido, para começarmos a vender autocarros a hidrogénio.
Por onde passa o futuro da CaetanoBus?
Em 2020 e 2021 será gerir a crise, os recursos e tentar ao máximo mitigar os prejuízos, preparando já a empresa para o pós-crise. O futuro pode vir mais depressa do que pensamos. O hidrogénio é uma grande aposta que estamos a fazer. Queremos lançar autocarros a hidrogénio para aeroportos, estamos num projeto grande para converter os turismos da National Express em hidrogénio, sem passar pelo elétrico. Os carros autónomos também são um tema em cima da mesa para daqui a uns anos. Estamos presentes em tudo o que seja inovação na mobilidade. Queremos apostar muito no hidrogénio. Vai ser o futuro.
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“A pandemia atingiu-nos de forma brutal”. Hidrogénio é a aposta da CaetanoBus para sair da crise
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