PSD acusa Governo de “arrogância” na gestão da estratégia do hidrogénio
Salvador Malheiro, vice-presidente do PSD, voltou a classificar o projeto para a produção de hidrogénio verde em Sines como "megalómano" e acusou o Governo de dar "passo maior que a perna".
Salvador Malheiro, presidente da câmara Municipal de Ovar e vice-presidente do PSD, aproveitou o palco da conferência anual da APREN Portugal Renewable Energy Summit 2020 para voltar a classificar como “megalómano” o projeto industrial de produção de hidrogénio verde em Sines, que o Governo quer ver avançar no terreno já em 2021.
“Receio que estejamos a dar um passo maior do que a perna”, disse, reconhecendo ao mesmo tempo que a oportunidade do hidrogénio “não pode ser perdida”. O social-democrata defende para o hidrogénio o desenvolvimento de vários projetos descentralizados, com o máximo de players envolvidos, e “não ir de imediato para uma instalação megalómana de 1 GW, que obriga a ter 1,5 GW de energia solar”.
Depois de uma troca acesa de acusações com o secretário de Estado da Energia nas redes sociais, sobre este mesmo tema, em agosto, Salvador Malheiro voltou agora a deixar um recado a João Galamba: “Não devia haver uma arrogância tão grande de quem está a gerir isto”.
“Estamos a partir cedo demais para um projeto que tem algum risco. A maior instalação do mundo de hidrogénio verde tem uma escala de 10 MW no Japão, estando já a ser desenvolvida uma semelhante na Alemanha. Portugal quer começar logo com 1 GW”, ou seja, 100 vezes mais, disse Salvador Malheiro, sublinhando que “a eficiência dos eletrolisadores não é ainda a que gostaríamos de ter”. Mesmo nas tecnologias que estão mais maduras, os eletrolisadores atingem hoje uma eficiência de apenas 70%, diz o social-democrata.
Malheiro apontou também o dedo às grandes empresas que fazem parte do consórcio para a produção de hidrogénio em Sines — como a EDP e a Galp, entre outras. Na sua opinião, em vez de um grande projeto de 1 GW em Sines seria melhor ter vários projetos de 1 MW espalhados pelo país, envolvendo mais empresas e “sem ninguém favorecido”.
“Porquê aquelas empresas e não outras no consórcio de Sines”, questionou Malheiro, sublinhando que “o poder político tem uma enorme responsabilidade de criar um ecossistema em que todos possam ganhar”, grandes e pequenas empresas.
O autarca de Ovar levantou ainda outras questões em relação ao hidrogénio, nomeadamente no que diz respeito ao preço do mesmo, que o Governo estima que poderá estar ao mesmo nível do gás natural dentro de alguns anos, na ordem de 1,5 euros/kg.
Na sua intervenção na conferência da APREN, António Costa Silva, conselheiro do Governo para o Plano de recuperação Económica reconheceu que “a produção do hidrogénio ainda é cara ao dia de hoje, cabendo ao Governo trabalhar para inverter esse cenário”.
“Para chegarmos a esses valores é preciso produzir hidrogénio em larga escala. Vamos ter um projeto megalómano para exportamos hidrogénio. Quem é que vai pagar isto? Só o custo da energia elétrica para alimentar os eletrolisadores ultrapassa esse valor de 1,5 euros/kg. Alguém vai ter de pagar e espero que não tenha custos para o consumidor”, disse Malheiro, que é mais favorável a projetos industriais como o da Bondalti para o hidrogénio verde, em que a produção e o consumo serão feitos no mesmo local, sem necessidade de transporte.
Defendendo uma maior abrangência na política do Governo para os gases renováveis, Malheiro chamou a atenção também para a biomassa, como fonte endógena renovável. E pediu para a estratégia nacional de eficiência energética a mesma atenção e apoio que está a ser dado ao hidrogénio.
Sobre a ambição de injetar hidrogénio nas redes de gás natural no futuro, o vice-presidente do PSD realçou que “não é assim tão simples”, a começar pelos limites de inflamabilidade deste gás. “O hidrogénio arde, não se vê, não tem cheio, pode dar origem a explosões. O hidrogénio escapa, ataca as ligas metálicas, fragiliza as condutas“, alertou, sublinhando o “risco de de colocar hidrogénio nas redes, que não estão adaptadas”.
Quanto ao armazenamento de hidrogénio, garante que tem custos energéticos enormes, tendo em conta a baixa densidade energética, quatro vezes inferior do que o gás natural. “Com o hidrogénio nas redes vamos ter menos energia”, garante. Por último, lembrou ainda que as ambições do Governo para a utilização do hidrogénio na indústria pode esbarrar com o facto de “as caldeiras que hoje queimam gás natural e outros combustíveis fósseis no terem uma adaptação imediata ao hidrogénio”.
Do lado da ADENE – Agência para a Energia, Nelson Lage, garantiu que a aposta no hidrogénio é já a “pensar no futuro” e que não terá encargos para os consumidores “porque se aprendeu com os erros do passado”, referindo-se às tarifas fixas nas renováveis. O presidente da ADENE garante que “sem investimento do setor privado não há há uma estratégia nacional para o hidrogénio” e elogiou as parcerias internacionais já estabelecidas, nomeadamente com a Holanda.
Quanto às críticas de Salvador Malheiro, Nelson Lage considera que no que diz respeito ao hidrogénio “esperar não é uma solução” e “não agir seria uma irresponsabilidade”. Sublinhou ainda que já estão a ser desenvolvidos muitos projetos no terreno — mais pequenos, de dimensão local. “Sines não é um projeto de um consórcio, tem várias empresas envolvidas. E o hidrogénio em Portugal não é apenas sinónimo de Sines, há projetos do norte ao sul do país”, rematou.
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