“Fundos públicos são insuficientes para financiar sustentabilidade”, alerta presidente da CMVM
Presidente da CMVM considera que as empresas não podem fugir à sustentabilidade, mas o financiamento não pode ficar só a cargo de dinheiro público, destacando soluções de blended finance.
A sustentabilidade não pode ser ignorada nem suportada apenas pelas entidades públicas, segundo defende a presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Gabriela Figueiredo Dias. A líder do regulador considera que a importância crescente de fatores ESG (ambientais, sociais e de governance) na atividade empresarial e financeira é algo que “já não podemos recusar” e o setor financeiro é chamado a financiá-los.
Provado está que “os fundos públicos são insuficientes para financiar os projetos de sustentabilidade (climática e ambiental, social e de governação)” diz Gabriela Figueiredo Dias, referindo que isso prova como “é fundamental o papel do setor financeiro para a canalização das poupanças do setor privado para o investimento em projetos sustentáveis e para liderar este movimento”. Foi desta conjugação de fundos públicos e privados para o desenvolvimento de projetos de sustentabilidade nasceu o novo conceito de blended finance.
A presidente da CMVM falava no segundo evento de um ciclo de três conferências digitais “Empowering Sustainable Growth”, que está a ser promovido pela Euronext Lisbon e pela AEM – Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado. Nesta segunda sessão estiveram em destaque os desafios inerentes à definição das estratégias de comunicação, em particular no contexto atual marcado por novas tendências, – nomeadamente um maior enfoque nas matérias ESG e um maior recurso à comunicação digital, – mas também pelo desafio associado à atual crise económica. “O ESG é, ele mesmo, um tema controverso e pouco familiar até recentemente para o sistema financeiro, que traz desafios acrescidos de comunicação e informação. A crise pandémica veio veio acentuar essas mesmas necessidades de comunicação“, garante.
Reporte é “fardo” necessário para alavancar economia verde
Na visão de Gabriela Figueiredo Dias, presidente do Conselho de Administração da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a obrigação de reporte de informação financeira que recai sobre as empresas é, ao mesmo tempo, “um fardo e uma alavanca”.
“É, inevitavelmente, um fardo. Todas as obrigações regulatórias e deveres de reporte são um peso extra, mas são também uma alavanca para a mudança das mentalidades das empresas, para a sustentabilidade a longo prazo e a transição para uma economia mais verde. Acima de tudo, é uma alavanca para o sucesso da própria empresa, é um fator de criação de valor”, disse a presidente da CMVM.
Gabriela Figueiredo Dias sublinhou ainda que “é necessária cada vez mais informação para os investidores, porque estão também são cada vez mais ativos”. Em conjunto, a “informação regulada” e a “comunicação ampla” dos fatores ESG que guiam a atividade das empresas “são drivers para a reputação e performance financeira, para a gestão de riscos, para a boa governance, e são também fatores de atratividade da empresa para captar mais investimento. Estas duas dimensões protegem os investidores atuais e trazem mais investidores de futuro“, defendeu a responsável do regulador no seu keynote speech, na abertura desta segunda conferência, dedicada ao tema “Relacionamento com os Stakeholders: Governance, e estratégia de comunicação ESG“.
E se o “fator E” (ambiental) da sigla ESG é aquele que tem estado em destaque ao nível da regulamentação e oferta de produtos financeiros, “as questões sociais e de governação não devem ser relegados para segundo plano”, sobretudo numa fase em que é necessário dar respostas aos desafios da pandemia.
“Em termos de social bonds, olhadas como um irmão menor no ESG até há pouco tempo, a emissão quadriplicou no primeiro semestre de 2020 (de acordo com dados da S&P Global Ratings) e a UE acaba de anunciar, a 7 de outubro, a emissão de 100 mil milhões de euros em social bonds para a proteção do emprego em 16 países”, revelou. Já o “fator G”, de governance também é fundamental para as empresas e diz respeito a questões como a remunerações dos gestores, a diversidade, os dividendos.
Para Gabriela Figueiredo Dias trata-se da “necessidade imperativa de trazer ética aos negócios e fazer uma transição gradual de um capitalismo de shareholders para um capitalismo de stakeholders, que não é pacífica e tem riscos de greenwashing e social washing“.
A presidente da CMVM deu como exemplo alguns participantes de mercado que, de forma pouco rigorosa e pouco verdadeira, anunciaram a atribuição de dotações para a aquisição de material médico e ventiladores, como forma de promoção em situações menos claras. Tudo isto traz “desafios para o regulador e a necessidade de adaptação a uma nova realidade”.
Há 5 triliões de euros comprometidos com redução de gases
Há também exemplos positivos, sendo disso exemplo o facto de a UE ser líder neste processo, estando já na calha uma nova Estratégia para as Finanças Sustentáveis, que será conhecida até ao final de 2020 e implementada no próximo ano pela presidência portuguesa da UE.
Do lado do mercado de capitais, Isabel Ucha, CEO da Euronext Lisbon, sublinhou o facto de, a 13 de outubro, os 30 maiores investidores do mundo, com 5 triliões de ativos sob sua gestão, se terem comprometido a reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa nos seus portefólios de investimento de modo a alinhá-los com o Acordo de Paris. “O objetivo é terem portefólios neutros em carbono em 2050, mas mais: comprometem-se com reduções substanciais já em 2025 e a apresentar objetivos e resultados a cada 5 anos”.
Resta saber, diz Isabel Ucha, o que vai representar para as empresas este ajustamento nas carteiras dos grandes investidores, que tipo de informações vão exigir das empresas para provar que estão a cumprir estes objetivos e com que frequência. “A questão é que os standards de reporte não financeiro ainda não estão harmonizados e há diferentes referenciais internacionais e ainda uma diretiva europeia, além da legislação nacional”, explica a CEO da Euronext Lisbon.
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