Paddy Cosgrave afasta "polémica" com o pagamento dos 11 milhões pelo Estado português no evento 100% online e recusa mudança de localização. Conferência arranca, em formato remoto, na quarta-feira.
Cinco anos depois da mudança para Portugal, a grande mudança para o… online. O Web Summit prepara-se para arrancar a edição de 2020 do maior evento de tecnologia e empreendedorismo do mundo. Este ano, Lisboa aparecerá, não nos destinos dos cartões de embarque e Google Maps de dezenas de milhares de participantes, mas como background de uma enorme operação montada digitalmente para chegar às casas dos esperados 100 mil assistentes.
Do seu sofá da sala poderá ouvir nomes como os da tenista Serena Williams, 12 comissários europeus, primeiros-ministros e ministros de vários países do mundo, dezenas de investidores, atores e músicos e, claro, Marcelo não faltará. Em entrevista ao ECO, o fundador e CEO da conferência fala sobre as polémicas que envolvem a localização e o pagamento dos 11 milhões de euros – pagos por Portugal e previstos no contrato celebrado entre o Governo e a empresa irlandesa – e detalha as aprendizagens mais importantes neste ano de pandemia.
E ainda que a organização do evento torne, este ano, acessíveis os palcos a cerca de 50 mil estudantes universitários, o exame final da equipa de Paddy Cosgrave está marcado para 2 de dezembro quando as esperadas 100 mil pessoas estiverem a acompanhar, via plataforma criada pela equipa, o Web Summit 2020. Todos diretamente de cada uma das suas casas.
2020: que ano! Qual foi a maior aprendizagem deste ano?
Que é possível como empresa, trabalhar remotamente, acho que toda a gente aprendeu isso. Na indústria dos media, também: muitos da “velha guarda” foram surpreendidos pela forma como se tornou possível fazer jornais com toda a gente a trabalhar a partir das respetivas casas. No nosso caso, com engenheiros de todo o mundo: Lisboa, Porto, Braga, Cairo, Moscovo. Foi uma enorme curva de aprendizagem.
Quais foram os maiores desafios como líder e como visionário, no sentido de liderar uma equipa que produz e distribui a maior conferência de tecnologia e empreendedorismo do mundo?
Persuadir a equipa de que podíamos construir uma plataforma boa o suficiente para produzir um evento a que assistissem 10 mil, 15 mil ou, de facto, 100 mil pessoas. Ao mesmo tempo que todas as grandes conferências na Europa e nos Estados Unidos estavam a ser canceladas este ano, em determinado momento a expectativa interna era ‘o software não existe, não é possível fazer um evento desta dimensão online’.
Bem, eu tomei a decisão mas acho que outras pessoas viram a oportunidade de podermos, realmente, trabalhar muito duro e, coletivamente, construir uma conferência online gigante. É fácil fazer pequenas conferências online, há software para isso, mas numa grande grande escala é realmente complicado e muito caro. Mas nós apenas decidimos fazê-lo. Houve muitos desafios, mas vai funcionar.
Durante este ano, a equipa desenvolveu uma nova plataforma que permite replicar, online, parte da experiência do que é assistir a um Web Summit. Existe agora uma oportunidade real de negócio?
Já nos ofereceram 6,5 milhões de euros para usar a plataforma mas, em 2021, quando estiver pronta para ser usada por outras conferências de grande dimensão, vamos torná-la gratuita para ser usada. Há uma estratégia por detrás disso: achamos que, no caso das maiores conferências do mundo, elas vão voltar ao mundo real e queremos construir relações com elas. Oxalá, trabalhar mais de perto com elas.
Passámos 10 anos a construir software que permita eventos mundiais, no mundo real. Acreditamos que esse software pode ser muito útil a esses grandes eventos: até hoje nunca o disponibilizámos como produto, mas creio que isso poderá ter um grande futuro, potencialmente, em 2022 e 2023.
Acreditamos que esse software pode ser muito útil a esses grandes eventos: até hoje nunca o disponibilizámos como produto, mas creio que isso poderá ter um grande futuro, potencialmente, em 2022 e 2023.
Como funciona a plataforma e em que difere do modelo que usaram no Collision, em junho?
É maior, muito mais estável, as features são mais ricas. No Canadá, as pessoas não estavam propriamente a ver conteúdo, estavam a relacionar-se umas com as outras. Passámos muito tempo a trabalhar na feature de “Mingle” já que as pessoas estavam a usá-la. A cada três minutos, o algoritmo liga um participante a pessoas que acha que tu devias conhecer, outras vezes é-te atribuída uma pessoa totalmente ao acaso, quem sabe se podes encontrar uma conexão. O “Mingle” foi o que passámos mais tempo a desenvolver.
A segunda foi o “one to one“: muitas pessoas agendam reuniões, mandam mensagens, pedem encontros. Outra são as “small rooms“, para sessões ao vivo de perguntas e respostas, conferências de imprensa, round tables. Essas foram as áreas onde colocámos mais ênfase: interação e networking.
Os oradores são incríveis mas não tens de ver a Serena Williams a falar, provavelmente vais poder ver esse vídeo num espaço de um mês depois, se queres muito vê-lo. Mas aquilo que não poderás fazer dentro de um mês é falar com a delegação japonesa que vai estar online nesses dias: esta será a tua oportunidade de três dias para tentar interagir com essas pessoas. É isso que a maioria das pessoas fará.
"Os oradores são incríveis mas não tens de ver a Serena Williams a falar, provavelmente vais poder ver esse vídeo num espaço de um mês depois, se queres muito vê-lo.”
Sabemos que, olhando para os dados que temos, estão marcadas mais de um milhão de reuniões. Podes dizer: 100 mil pessoas, é uma média de 10 reuniões por pessoa em três dias, não é muito. Mas acho que é bastante. O meu “conselho-caviar” para as pessoas que vêm ao Web Summit é que não há garantia de que conseguirás investimento porque é altamente competitivo. Mas é como a maioria dos adolescentes sonharem ser jogadores de futebol profissionais, e termos milhões de corações que se partem todos os anos quando esses miúdos percebem que não serão bons o suficiente para jogar.
Assistir a um Web Summit totalmente online trará desafios. Será mais fácil ou mais difícil conhecer, por exemplo, potenciais investidores?
É mais fácil e mais rápido conhecer pessoas porque, por exemplo, para os investidores, não têm de caminhar para nenhum lado. Há um relógio que faz terminar a reunião, o ecrã muda e há uma nova pessoa em frente a ti. É muito rápido, muito eficiente, não há ‘adeus’, não há filas… Conheces mais gente mas o meu feeling é que, apesar de conheceres mais pessoas, a qualidade da interação quando conheces uma pessoa pessoalmente é maior. Então, o número de encontros na plataforma cresce mas a qualidade diminui. Ainda assim é melhor do que nada. E o “nada” foi o conseguido pela maioria das outras grandes conferências.
Se penso que alguns milhares de reuniões entre empresas portuguesas, investidores internacionais, jornalistas, CEO’s, potenciais clientes, vão levar-nos a algum lado? Sim, vai. Para todos? Claro que não. Para alguns? Haverá de certeza histórias boas para contar. Vai ser mais difícil encontrá-las porque não podes sentar-te numa sala, observar e ter a plena sensação do que está a acontecer. Agora, não poderás ver nada do que está a acontecer, e isso torna o trabalho de descrever e escrever sobre, mais difícil. Não há conversa com colegas nem com startups, é difícil. A melhor parte dos eventos da noite ou da sala dos speakers é que podes dirigir-te a eles, andar e fazer as perguntas. A distância física é difícil. Mas é tão melhor do que nada. Mesmo que tenhamos 500 estudantes portugueses na plataforma, isso será uma coisa incrível comparada com nada.
O número de encontros na plataforma cresce mas a qualidade diminui. Ainda assim é melhor do que nada. E o “nada” foi o conseguido pela maioria das outras grandes conferências.
O que podemos esperar da conferência deste ano?
É mais diversa do que nunca. Temos mais speakers do mundo do desporto, como a Serena Williams, mais políticos do que nunca, mais ministros e primeiros-ministros. Temos 12 comissários europeus, mais media internacional. Nunca tivemos o diretor do The Wall Street Journal, da Bloomberg ou da Economist.
Isso acontece porque o evento é 100% online?
Em parte, sim. É mais fácil para os editores e para os publishers, do que para os diretores, deslocarem-se, sobretudo durante a semana. Há cerca de 2.500 jornalistas inscritos para a cobertura.
Os grandes temas? De certeza que as pessoas falarão da pandemia, absolutamente. Mas acho que poderão falar de temas importantes como monopólios, impostos, criptomoedas. Vamos esperar para ver. Há um novo presidente na Casa Branca, há uma série de painéis a antecipar o que poderá mudar – mudará tudo, ou quase nada? Haverá algo para toda a gente.
"O espaço limita o tamanho do Web Summit.”
Todos os hosts são portugueses, fizemos muitas filmagens por todo o país. 2020 é também o ano em que temos mais oradores portugueses, startups nacionais. Todos os anos temos tido 4.000 estudantes no Web Summit mas o único sítio onde podiam ir era ao Altice Arena, tinham de se sentar longe do palco — era algo, podia ser uma semente — mas não tínhamos maneira de acomodar mais estudantes. Este ano alocámos 50 mil bilhetes para estudantes, para todas as universidades. Talvez alguns só venham ver artistas de bandas que admiram, mas também poderão conhecer pessoas da idade deles que estão a começar uma startup, ou até uma empresa a que poderão candidatar-se e onde poderão trabalhar no futuro.
Uma das polémicas relativas ao evento deste ano o contrato com o Governo português, que prevê o investimento de 11 milhões de euros para o Web Summit por cada ano de evento. Uma vez que o valor se mantém, ainda que o evento seja 100% online – como avançou o ECO -, como geriram essa questão?
Vi, claro, as questões levantadas pela oposição. É importante que, em qualquer democracia, exista uma oposição vibrante que desafie o Governo. Mas é política doméstica, não é algo em que me envolva e não quero ser visto a criticar um partido político na sua visão sobre outro. Como empresa, estaremos abaixo cerca de 30 milhões, estamos a perder uma grande quantidade de dinheiro. Foi, obviamente, o ano mais difícil de sempre para nós, mas muitos negócios estão no mesmo barco.
Numa entrevista à Reuters, divulgada ontem, referiu que o espaço para o próximo ano, já está reservado. Será na FIL e no Altice Arena?
Sim, na FIL e no Altice Arena e, creio que irá crescer e começaremos a usar locais mais pequenos em toda a cidade, também, para tratar de aliviar um pouco os assustadores números de quando se realiza o Web Summit e retirar o stress da FIL, porque torna-se muito ocupado, muito muito ocupado.
Houve entretanto notícias que apontavam para, no seguimento do incumprimento do acordo pelo Governo português, a possibilidade de o Web Summit ponderar mudar-se para Espanha. Mudar a localização do evento está em cima da mesa?
Creio que foram rumores. Vi no Twitter que Espanha estava a tentar recuperar o Web Summit. Na altura, ofereceram muito mais dinheiro do que Portugal, é público, e decidimos optar pela oferta mais baixa e ir por outras razões. Depois desses rumores, Pedro Sánchez apareceu no site e houve mais gente no Twitter a dizer que era uma conspiração (risos). Penso que Pedro Sánchez estava só a falar, não faz parte de um grupo organizado para roubar o Web Summit e o levar para Madrid. Não pensámos em nada do género desde que decidimos que Portugal ia tornar-se a nossa casa até 2028. Talvez a casa permanente do Web Summit. Ninguém precisa de se preocupar com o Pedro Sánchez, é um bom tipo.
Sente este ano como um novo e fresco recomeço?
É novo para muitas pessoas – não podíamos acomodar mais do que 70 mil nos últimos anos, o espaço limita o tamanho do Web Summit. Fazê-lo online significa que podemos alargar o Web Summit além das 70 mil pessoas. Podemos ter 80 mil, 90 mil, 100 mil.
Seremos acompanhados por pessoas a partir do Japão, da Nova Zelândia, Coreia do Sul, pela primeira vez, já que esses países estão tão longe que, acredito, muitas empresas não vêm pelo tempo e pelo elevado custo que isso implica. Fazê-lo online torna a participação mais fácil e espero que o sabor com que ficam, e o sabor vai ser muito português ao longo dos três dias, possa persuadi-los a meterem-se num avião no próximo ano e virem a Lisboa.
É, em parte estratégico: temos tentado apresentar o Web Summit em grandes mercados onde queremos que o evento cresça, como o Brasil. Também no este da Ásia, e falaremos disso na próxima semana.
Anunciou esta semana que o Web Summit se prepara para ter um novo evento, com o mesmo nome, na América do Sul. Porquê usar a marca Web Summit para um evento no Brasil?
É parte da estratégia de crescimento. Neste momento, 70% dos assistentes do Web Summit são de países europeus, e gostaríamos de fazer crescer a consciência e fazer com que todas as pessoas que já reconhecem o Web Summit como a maior conferência da Europa, o reconheçam como a maior e mais importante conferência de tecnologia do mundo. Parte desse trabalho implica fazermos eventos regionais em mercados muito importantes em todo o mundo.
Como vê o Web Summit em 2021?
Penso que vai ser incrível. Olho para a China, o Este da Ásia, e as conferências lá estão mais cheias do que antes da Covid-19. Os restaurantes trabalham mais. Parte da razão para que isso aconteça é que quando manténs as pessoas em casa durante um mês, sem que não possam sair, as pessoas querem realmente fazê-lo quando isso lhes é permitido. Na Europa, estamos com essas restrições há nove meses e isso cria um desejo real de fazer as pessoas viajar para ver a família e os amigos, socializar. Muitos de nós, não socializaram convenientemente nos últimos nove meses.
O aumento da depressão, da ansiedade e da solidão está fora de todas as contagens e, quando nos for permitido ter uma vida normal outra vez, vai fazer com que valorizemos mais o contacto com outros humanos, mais do que fazíamos antes. Percebendo que precisamos de passar mais tempo com os nossos pais, que precisamos de passar mais tempo com amigos. E em 2021, quando a vacina for distribuída em massa, as pessoas só quererão fazer festas, beber bom vinho, comer boa comida, com amigos e família. Essa é a minha visão.
Um sonho seria ter mais de 100 mil pessoas em Lisboa em 2022. Oxalá haja hotéis e Airbnb’s disponíveis para isso, sei que Lisboa fica muito movimentada durante os dias do Web Summit, não é agradável usar o metro, por exemplo, na semana do evento.
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Paddy Cosgrave: “Talvez Portugal se torne a casa permanente do Web Summit”
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