A TAP é o Novo Banco “com asas”? As diferenças (e as parecenças) entre os dois processos

A ajuda do Estado à TAP tem sido comparada às injeções no Novo Banco. Há diferenças e parecenças, desde os valores em causa às formas de ajuda. Certo é que terão impacto no défice e na dívida pública.

Desde que o Governo decidiu ajudar a TAP no início da pandemia que se fazem comparações com o Novo Banco. Apesar de serem negócios e processos diferentes, ambos absorvem dinheiros públicos para sobreviverem às dificuldades que enfrentam, apesar de teoricamente terem de devolver esses montantes no longo prazo. No caso do Novo Banco, a “fatura” direta do Estado poderá chegar aos 8,4 mil milhões de euros enquanto a da TAP poderá ir até aos 3,7 mil milhões de euros. As reais “faturas” para o erário público estão em aberto, dependendo de uma série de fatores.

Esta sexta-feira, na conferência de imprensa de apresentação do plano de reestruturação, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, fez a comparação política entre os dois dossiers para justificar a defesa de uma votação no Parlamento: “Hoje sabemos que a TAP precisa de um quadro de intervenção de estabilidade e previsibilidade. O que aconteceu com a maioria que decidiu travar as transferências para o Novo Banco… Vemos hoje que o Parlamento pode a qualquer momento travar transferências [para a TAP]“, justificou.

Se por um lado comparou para mostrar semelhanças, Pedro Nuno Santos usou depois o Novo Banco para mostrar as diferenças: “Porque é que a TAP não é um Novo Banco nem vai ser? Na TAP somos nós que lá estamos. A gestão da TAP é da responsabilidade do Estado“, argumentou o ministro das Infraestruturas. De facto, a gestão passará a ser do Estado a partir de agora, mas até ao momento (desde 2016) a gestão tinha ficado maioritariamente nas mãos dos privados.

Pouco tempo depois, em reação, o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC), apontou que “já nos compararam inclusivamente aos bancos que foram também sujeitos a reestruturações“. E pegou nessa comparação para dividir o grupo TAP da parte que explora exclusivamente os voos: “Na verdade, podemos comparar a TAP S.A. ao ‘banco bom’, e TAP SGPS, o grupo, ao ‘banco mau’. Neste momento, a TAP S.A. é credora da TAP SGPS, num valor enorme, porque a TAP S.A. produziu a riqueza que permitiu cobrir muitas despesas e negócios ruinosos efetuados pela TAP SGPS”, disse Alfredo Mendonça, presidente da entidade.

O PSD, o maior partido da oposição, também já disse que teme que a TAP se transforme num “Novo Banco com asas” e no mais importante debate do Parlamento, o debate do Estado da Nação, Rui Rio apelidou as empresas de “dois monstros de proporções gigantescas”, tendo chegado a admitir recentemente a liquidação da TAP caso a empresa não mostre que tem viabilidade no futuro.

Sendo assim, a questão coloca-se: o que é igual e diferente no processo da TAP e no do Novo Banco? Do impacto no défice e na dívida ao mecanismo de ajuda, passando pelos valores e as regras europeias, além dos acionistas de cada empresa, o ECO explica-lhe as diferenças e as parecenças entre os dois processos.

Quanto custará “salvar” o Novo Banco?

No caso do Novo Banco é preciso recuar até 2014, ano em que foi concretizada a resolução do banco. O então BES foi dividido em dois, o banco ‘mau’ e o banco ‘bom’, o Novo Banco, no qual foram injetados 4,9 mil milhões de euros por parte do Fundo de Resolução, uma entidade pública que vive das contribuições do setor bancário. Contudo, como as contribuições dos bancos — o FdR, que foi criado em 2012, tinha 380 milhões em 2014 — não eram suficientes, o Estado teve de emprestar o remanescente, cerca de 4,5 mil milhões de euros, os quais vieram da linha de capitalização para os bancos do empréstimo da troika.

Posteriormente, ao abrigo do acordo feito com as autoridades europeias, o Novo Banco tinha de ser vendido, caso contrário era liquidado. Em 2017, foi oficializada a venda ao fundo norte-americano Lone Star com condições: o fundo americano injetava mil milhões de euros, sendo criado um mecanismo de capital contingente de 3,9 mil milhões de euros que obriga o Fundo de Resolução a injetar dinheiro para repor os rácios do Novo Banco em caso de perdas com um conjunto de ativos (até 2020 foram usados três mil milhões). Mais uma vez, como o FdR não tem contribuições da banca suficientes, o Estado tem emprestado anualmente ao FdR para cumprir o contrato. Ao todo, a “fatura” pode ir, para já, até aos 8,4 mil milhões de euros.

E quanto custará “salvar” a TAP?

No caso da TAP, o plano de reestruturação prevê uma ajuda de, no máximo, 3.725 milhões de euros entre 2020 e 2024. Em 2020, o Estado já emprestou 1.200 milhões de euros à transportadora aérea e prevê-se que seja dada, “em princípio” (segundo o Governo), uma garantia pública entre 970 a 1.164 milhões de euros em 2021.

Além disso, este ano o Estado também gastou 55 milhões de euros para comprar a posição de David Neeleman e a Azul na TAP, ficando com 72,5% do capital da empresa. Acresce que, se se recuar a 2016, ano em que o Estado voltou a ficar com uma posição na TAP após a privatização, o Estado desembolsou 1,9 milhões de euros e o acordo com os acionistas privados definiu que o Estado constituiu uma garantia da dívida financeira da TAP no valor de 615 milhões de euros. Ao todo, a “fatura” poderá ir até aos 4.396 milhões de euros se incluirmos a renacionalização (parcial) de 2016 e a compra da posição de Neeleman.

Ambos têm impacto no défice?

Sim, tanto o Novo Banco como a TAP têm impacto no défice porque, apesar de serem empréstimos (em teoria têm de ser devolvidos), como são empresas com situações debilitadas as autoridades estatísticas tendem a registar já no saldo orçamental o impacto das operações por ter dúvidas sobre a recuperação dos valores. No Novo Banco tem sido assim todos os anos. O tratamento estatístico da TAP ainda não está definido, mas antecipa-se que vá tanto ao défice como à dívida pública.

No caso das garantias, estas servem para a TAP financiar-se junto do mercado ou banca, mas podem vir a ser acionadas (ou seja, o Estado terá de pagar) no futuro se a empresa não tiver capacidade para reembolsar o empréstimo. No caso do empréstimo feito pelo Estado à TAP, o Jornal de Negócios noticiou em agosto que a empresa poderia converter os 1,2 mil milhões de euros em capital. Caso tal aconteça, e os restantes acionistas não acompanhem o Estado, a posição pública na empresa aumentará, mas o Estado não receberá o empréstimo de volta e haverá uma perda efetiva (já contabilizada no défice de 2020).

Tanto o Novo Banco como a TAP vão marcar os Orçamentos?

Tal como o Novo Banco tem sido um assunto anual nos Orçamentos do Estado, a TAP também deverá passar a ser uma vez que o plano de reestruturação — se for aprovado pela Comissão Europeia — prevê ajudas (em principio garantias estatais, mas podem ter outra forma) até 2024. No caso do Novo Banco, o mecanismo de capital contingente está quase a ser esgotado e o CEO do banco, António Ramalho, indiciou que a injeção de 2021 poderá ser a última.

No Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021), o Governo previa uma garantia estatal de 500 milhões de euros para a TAP no próximo ano. Agora com o plano de reestruturação já se sabe que o valor poderá ser o dobro, mas se for em forma de garantia não será necessário um retificativo uma vez que o Parlamento autorizou o Executivo a prestar garantias até um máximo de cinco mil milhões de euros, o que permite acomodar esta necessidade adicional para a transportadora aérea.

Quem detém cada empresa?

No caso do Novo Banco, o Lone Star ficou com 75% do capital, sendo que os restantes 25% pertencem ao Fundo de Resolução. Esta é uma entidade pública, mas vive das contribuições da banca. No caso da TAP, o Estado tinha 50% do capital antes da pandemia, mas para viabilizar a empresa comprou a posição de David Neeleman e da Azul, ficando com 72,5% do capital. Os restantes 27,5% dividem-se da seguinte forma: 22,5% para o português Humberto Pedroso e 5% estão nas mãos dos trabalhadores.

Ao abrigo de que regras estão a ser ajudadas estas empresas?

Ambas as operações tiveram de ser escrutinadas pela Comissão Europeia através da Direção-Geral da Concorrência (DGComp), cuja liderança política continua a ser da comissária dinamarquesa Margrethe Vestager. Como se tratam, ainda de formas diferentes, de ajudas de Estado — as quais são limitadas pelas regras europeias, tal como acordadas entre todos os Estados-membros –, era necessária a aprovação por parte da Comissão, que tem o poder executivo de fazer cumprir as regras da UE. No caso do Novo Banco, sendo um banco de transição e já tendo recebido ajudas públicas em 2014, este teria de fazer uma reestruturação e depois ser vendido (ou liquidado, o que poderia ter consequências para a banca e a economia), para evitar distorções da concorrência

Por estar em dificuldades antes da crise pandémica, a TAP não é elegível ao Quadro temporário da Comissão relativo aos auxílios estatais (criado na sequência da pandemia), destinado a apoiar empresas europeias que de outro modo seriam viáveis. Assim, a empresa será ajudada pelo Estado português ao abrigo das regras gerais para os auxílios estatais de emergência e à reestruturação. Estas permitem que haja um apoio desde que seja limitado no tempo e no seu âmbito. Não se sabe que implicação terá para o futuro da TAP em concreto. Tal só deverá saber após a negociação em Bruxelas do plano de reestruturação apresentado esta sexta-feira pelo Governo.

O que implica o plano de reestruturação?

No essencial, a ajuda de Estado é aprovada se a empresa conseguir provar que tem viabilidade futura, o que implica a apresentação de um plano de reestruturação. Foram fixadas metas ao Novo Banco, o que incluía a redução de pessoal e agência, a venda de subsidiárias e outros negócios. Na TAP, o plano original (que poderá ser modificado nas negociações com Bruxelas) define uma redução dos postos de trabalho, dos aviões em circulação e a alienação de negócios, como é o caso de uma operação de manutenção no Brasil.

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