Como ganhar 2 biliões de dólares
Para ganhar dois biliões de dólares, junte uma quantidade astronómica de dados e misture com uma boa dose de desregulação. Aplique uma pitada de lóbi e evite a todo o custo que surjam concorrentes.
Para ganhar dois biliões de dólares, junte uma quantidade astronómica de dados e misture com uma boa dose de desregulação. Aplique uma pitada de lóbi e evite a todo o custo que surjam concorrentes.
A receita tem funcionado bem para algumas empresas do setor da tecnologia. Neste ano de 2020, que tanto castigou o tecido empresarial e as famílias, o valor de mercado dos cinco maiores grupos de Silicon Valley aumentou de 4,93 biliões de dólares para 7,2 biliões, uma subida de mais de dois biliões (2.000.000.000.000).
Mas vendo o que acontece na internet hoje em dia, é difícil não pensar que o mundo digital precisa de algum tipo de reforma.
Campanhas de desinformação polarizam a sociedade e semeiam medo e confusão nas democracias. Produtos contrafeitos e ilegais surgem ao alcance de um clique. Propaganda terrorista é difundida nas redes sociais, onde o ódio é destilado a cada instante nas profundezas das caixas de comentários.
Em simultâneo, cada pequena ação que fazemos e cada decisão que tomamos, assim como os nossos comportamentos e sentimentos mais privados, dentro e fora da internet, são registados e transformados em enormes quantidades de dados. Empresas privadas processam e vendem esta informação para o benefício de terceiros, sem o consentimento dos titulares, quanto mais o seu conhecimento.
Ao longo de duas décadas, um pequeno conjunto de empresas foi recorrendo a táticas e a estratégias refinadas para cimentarem o seu domínio nos respetivos mercados em que operam. Este caos digital manteve-se relativamente incólume. Mas a maré parece estar a mudar.
Este ano, a Google foi formalmente acusada de manter um monopólio ilegal nas pesquisas, pagando uma fortuna à Apple para ser o motor de busca padrão nos iPhones. Também nos EUA, o Facebook enfrenta um processo judicial por eliminar a concorrência, adquirindo empresas potencialmente rivais como WhatsApp e Instagram. E a Amazon foi apanhada pela Comissão Europeia a usar “sistematicamente” informação privada dos comerciantes para impulsionar as vendas dos seus próprios produtos.
São apenas três exemplos de como os reguladores e a justiça, deste e do outro lado do Atlântico, estão a tentar equilibrar as regras do jogo.
Mesmo assim, as ferramentas para alcançar esse equilíbrio são antigas e estão desatualizadas. Taxativamente, o mundo digital precisa de novas regras. Regras que reconheçam os direitos humanos fundamentais na era digital. Regras que reconheçam o caráter excecional destas empresas de tecnologia e, sobretudo, que o compreendam.
Daí surge a tal necessidade de reforma. Muito do mal está feito e será difícil de compensar. Mas há motivos para acreditar num mundo melhor, mesmo no digital.
Esta semana foi especial para qualquer cidadão europeu. Bruxelas chegou-se à frente e propôs dois pacotes legislativos para travar o domínio das “Big Tech”, impondo regras concretas e critérios para definir que empresas se enquadram nelas, e porquê. “Digital Services Act” e “Digital Markets Act” são os nomes que deve decorar. Em 2021, vai ouvir falar muito acerca deles.
Estes dois atos legislativos da Comissão Europeia ainda nem tinham visto a luz do dia e já faziam tremer as pernas dos gigantes. Disso foi exemplo a estratégia de lóbi da Google exposta pelo Financial Times, uma notícia que obrigou o presidente executivo da empresa a fazer um pedido de desculpas. A estratégia passava por manipular a opinião pública contra o documento e até contra um dos seus autores.
As novas regras vão responsabilizar finalmente estas empresas pelo que acontece na internet. Redes sociais como o Facebook serão obrigadas a eliminar o conteúdo abusivo, mas terão de facultar mecanismos que permitam aos utilizadores recorrer destas decisões. Plataformas como a Amazon terão de implementar verificações mais apertadas para garantir a segurança dos artigos que são vendidos. Motores de busca como o Google terão de ser transparentes na forma como apresentam os resultados aos utilizadores, revelando, com efeito, o funcionamento concreto dos seus algoritmos.
Por cima de tudo isto, investigadores terão acesso garantido aos dados gerados por estas empresas. Anunciantes terão ferramentas para auditar os resultados dos seus anúncios de forma independente. Grandes serviços digitais usados por milhões de europeus serão forçados a permitir a interoperabilidade com os serviços de empresas concorrentes de menores dimensões.
É possível que as novas regras de Bruxelas não resolvam o problema todo. Mas são um ótimo começo. A União Europeia, que tem ficado para trás em diversas áreas da tecnologia, encontrou na regulação das tecnológicas uma forma de afirmação mundial que pode bem ser seguida por outras partes do mundo.
As propostas de Bruxelas ainda não passam disso mesmo: propostas. E as multas previstas, de até 10% do volume de negócios destas empresas, apesar de encherem o olho, representam apenas 1% do valor de mercado destas empresas. De qualquer modo, é preciso começar por algum lado. E, para já, a Comissão Europeia deu um tiro no porta-aviões.
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