Luz ao fundo do túnel de Leão ficou mais difusa. Governo tem margem para suportar novo confinamento?
O Governo desenhou o Orçamento de 2021 a pensar num primeiro trimestre condicionado, mas não num confinamento severo, sugerem as palavras de Leão. Haverá dinheiro para suportar um novo choque?
“Já conseguimos ver a luz ao fundo do túnel, mas ainda o temos de atravessar”. Foi assim que o ministro das Finanças, João Leão, falou do Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021) quando este entrou em vigor. Mas nos dias seguintes o aumento de casos e de internamentos tornou essa luz mais difusa. Os números do défice e do PIB de 2020 até poderão ser melhor do que o esperado, o que dá uma pequena folga para o ano seguinte, mas 2021 arrancará com o pé esquerdo e é incerto quando se vai endireitar.
Há muitos fatores em jogo: que tipo de confinamento será este, que impacto terá na atividade económica — a expectativa é que seja inferior ao de março e abril do ano passado –, que impacto terá na despesa e na receita pública e que choque acontecerá noutros países europeus, o que tem consequências para Portugal. “Neste momento é difícil conseguir prever tais desenvolvimentos”, admite António Afonso, economista do ISEG, em declarações ao ECO, que é corroborado por Rui Nuno Baleiras, coordenador da UTAO: “É algo que ninguém sabe dizer neste momento”, diz, referindo que no princípio do ano há uma grande capacidade de acomodar imprevistos.
Questionado pelo ECO, o gabinete de João Leão não respondeu até à publicação deste artigo. Contudo, o ministro das Finanças foi dando alguns sinais durante os últimos meses, tentando injetar confiança nos agentes económicos ao repetir por diversas vezes que o Estado estava preparado para ajudar mais a economia se necessário. A meio de novembro, quando as medidas já tinham apertado e o país já estava no terceiro estado de emergência, Leão dizia que o OE “tem previsto que a pandemia terá uma dimensão significativa durante o primeiro semestre todo [de 2021], num cenário não muito diferente do atual, em que a pandemia condiciona a atividade económica durante todo o primeiro semestre”.
Ora, esse “cenário não muito diferente do atual” estará prestes a ser ultrapassado uma vez que o Executivo já admitiu que vai decretar um confinamento próximo do de março do ano passado. Tal sugere que o Orçamento poderá não ter sido preparado com este cenário em mente, mas não significa de imediato que será necessário um retificativo. “À medida que o ano for avançando, e se conhecer as perdas da atividade económica e a adesão das empresas e das famílias às medidas de apoio, é provável que se chegue à conclusão de que poderão não chegar tetos de despesa e de endividamento”, admite Rui Nuno Baleiras, sem excluir o cenário de um orçamento retificativo.
Para Pedro Braz Teixeira este confinamento apertado “não estava nos planos do Governo”, alertando para o impacto na receita fiscal. Mas Leão disse desde o início que o défice de 4,3% previsto no OE não seria um objetivo, garantindo que iria deixar funcionar os estabilizadores macroeconómicos na sua totalidade, como é o caso do subsídio de desemprego. A questão é que tal poderá levar a um aumento incomportável dentro dos tetos atuais, obrigando a um orçamento retificativo. “Caso os contágios exijam lockdowns mais prolongados poder-se-á ter que usar as folgas orçamentais ou até mesmo recorrer a orçamentos suplementares”, admite Francisca Guedes de Oliveira, professora da Católica Porto Business School, mostrando concordância com a orientação do ministro das Finanças de que “no atual contexto o déficit deve ser mais indicativo do que vinculativo”. “Enquanto a vacinação não se generaliza deve-se fazer o que for necessário para segurar a economia mesmo implicando mais despesa não prevista”, defende.
Se em 2020 a economia foi apanhada de surpresa, o facto de o país (e o mundo) viver nesta situação há quase um ano sugere que a adaptação será mais fácil, o que poderá reduzir o impacto económico deste novo confinamento. O aumento do comércio online, um recurso maior ao take away ou drive thru, maior capacidade de teletrabalho, entre outros fatores, foram adaptações que a sociedade viu-se obrigada a fazer e que agora poderão ter benefícios, admite Pedro Braz Teixeira. Essa expectativa também se verifica noutros países que fecharam mais cedo do que Portugal, mas existe o outro lado da moeda: a resistência a um segundo impacto no rendimento por parte das empresas e dos cidadãos deverá ser menor, colocando em causa a capacidade de recuperação nos trimestres seguintes.
“É ainda de esperar um efeito negativo da conjuntura económica sobre o OE 2021, nomeadamente no 1º trimestre de 2021”, nota António Afonso, referindo que “tal tem necessariamente um reflexo negativo no OE, quer do lado da receita, quer do lado da despesa”. “A incerteza é grande pois a recuperação da atividade económica não depende tanto de estímulos à procura, mas sim, em grande parte, da evolução de uma crise de saúde pública que parece ainda longe de controlada”, explica o economista do ISEG. Já Braz Teixeira considera que “o Governo vai continuar a ser austero no apoio à economia” uma vez que a margem que tem é “muito limitada”, antecipando que “as compensações dadas às empresas continuem a ser insuficientes” para os setores mais afetados.
Rui Nuno Baleiras espera uma “continuação de medidas que foram colocadas no terreno até agora”, lembrando que “as medidas têm acompanhado, ainda que com um certo desfasamento, a oscilação das medidas de confinamento”. Mas admite que o impacto orçamental neste período seja superior ao de março e abril em que as medidas estavam menos “oleadas”, tanto do lado do Estado como das empresas. Agora que já estão no terreno mais facilmente são utilizadas e, por isso, geram mais despesa.
Apesar do impacto orçamental esperado ser significativo, há amortecedores de que Portugal tem vindo a beneficiar e que continuarão a ajudar tanto a economia como as contas públicas. A principal ajuda é a intervenção do Banco Central Europeu (BCE) nos mercados financeiros, o que tem permitido ao Estado português financiar-se cada vez com dívida mais barata apesar de ter um rácio de endividamento cada vez maior. A outra ajuda não é tão imediata mas poderá ser crucial para a recuperação da economia em 2021: é expectável que cheguem as primeiras tranches europeias para a execução do Plano de Recuperação e Resiliência. Braz Teixeira considera ainda que “é relevante” não haver regras europeias orçamentais e o facto de este não ser um “problema grego ou português, mas sim mundial”, além de se esperar que seja passageiro e os investidores estarem mais focados no longo prazo.
OE 2021 tem novos apoios, mas já tem de amortecer o “peso” acrescido da TAP
Vamos aos números. Em um mês e meio de confinamento mais agressivo, em março e em abril, o impacto direto nas contas do Estado foi de 345 milhões de euros do lado da despesa (com o lay-off e outros apoios) e de 319 milhões de euros do lado da receita com o adiamento de vários impostos, num total de 664 milhões de euros. Mas foi em maio que o impacto mais se sentiu em termos contabilísticos com esse valor a subir para os 951 milhões (despesa) e 868 milhões (receita), num total de 1,8 mil milhões de euros, o equivalente a menos de 1% do PIB.
Mas, desta vez, ainda que o Governo possa não ter antecipado um novo confinamento severo, nem tudo será surpresa. O OE 2021 já continha uma série de apoios à economia em virtude da pandemia: o novo apoio social com uma verba de 450 milhões de euros e várias medidas de apoio ao emprego e à retoma da atividade (como os vários tipos de lay-off) no valor de 965 milhões de euros. A dúvida é se estas verbas chegarão para ajudar a economia em 2021, mas poderá sempre haver reforços através das dotações centralizadas.
Segundo a análise da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) ao OE 2021, o Governo decidiu reforçar essas dotações por causa da pandemia, tendo 500 milhões de euros reservados especificamente para despesas “imprevistas” com a pandemia, o que dá desde logo margem de gestão orçamental para o Governo. A esta reserva que tem um destino específico junta-se a dotação provisional de 500 milhões de euros e a reserva orçamental de 515 milhões de euros que não têm um destino, ficando à discrição do ministro das Finanças. “O Orçamento do Estado tem sempre folgas para amortecer surpresas e no início do ano há margem para fazer alterações orçamentais e deslocar verbas de um lado para o outro”, reconhece o coordenador da UTAO.
Contudo, parte destas verbas também poderá ser necessária para acomodar as mudanças introduzidas no OE 2021 — o Governo e o PS vão para as negociações sempre com alguma margem no OE para não ser necessário mudar os tetos de despesa e endividamento — durante a fase de especialidade no Parlamento, cujo impacto terá sido de 600 milhões de euros (0,3% do PIB). Acresce o dobro do impacto das garantias da TAP, tema que só ficou fechado após a aprovação do OE 2021 (em novembro) quando o Governo apresentou o plano de reestruturação à Comissão Europeia em dezembro. Tal como o ECO noticiou, ainda sem contar com este confinamento, o défice poderia já ir nos 5% do PIB.
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