Atrasos nas vacinas adiam segunda dose. Países recorrem à Justiça
Itália e Polónia querem processar farmacêuticas, já a Hungria comprou outras vacinas, não autorizadas na UE. A polémica parece não estar a afetar as farmacêuticas que tiveram ganhos em bolsa.
O laboratório norte-americano Pfizer advertiu, a 15 de janeiro, que haveria uma quebra nas entregas das vacinas contra a Covid-19 na Europa, com o propósito de melhorar a sua capacidade de produção. O atraso afetou todos os países europeus e as preocupações começaram a aumentar de que não haveria vacinas para todos. A AstraZeneca seguiu os passos e também advertiu que as entregas seriam inferiores ao acordado.
A presidente da Comissão Europeia (CE) diz que a farmacêutica assegurou que estão garantidas as doses que estavam previstas para a União Europeia (UE) no primeiro trimestre, mas lembrou: “Temos um contrato, precisamos das vacinas agora.”
Perante o atraso, o primeiro-ministro português, António Costa, avisou os outros Estados-membros para seguirem o exemplo do país: “Portugal tomou a decisão de só administrar metade das doses que recebeu para constituir uma reserva para a segunda dose, para não haver nenhum risco”. Porém, nem todos os países fizeram o mesmo, estando agora com alguns imprevistos e escassez, face ao que tinham planeado.
Ao atraso da Pfizer/BioNTech junta-se o facto da vacina da AstraZeneca só receber o parecer da Agência Europeia do Medicamento (EMA, sigla em inglês) no final desta semana. Para piorar, na sexta-feira passada, também a AstraZeneca informou a UE que reduziria em 60% as entregas da sua vacina devido a problemas de produção. Por estes motivos, os países europeus começaram a reagir, preocupados que as doses que receberam não chegassem para todos ou, pior, não chegassem para dar a segunda dose a quem já tinha recebido a primeira.
Itália e Polónia querem processar farmacêuticas
A Itália vai processar a Pfizer e a AstraZeneca devido aos atrasos na entrega das vacinas contra a Covid-19 disse no passado domingo o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luigi Di Maio. “Estamos a ativar todos os canais para que a Comissão Europeia faça todos os possíveis para que esses senhores respeitem os contratos”, afirmou o governante italiano.
A quebra anunciada pelas duas empresas vai atrasar a vacinação dos maiores de 80 anos em Itália em cerca de quatro semanas e a do resto da população em cerca de seis a oito semanas, disse o vice-ministro da Saúde, Pierpaolo Sileri, no domingo.
Já a Polónia vai esperar pelo próximo mês para decidir se avança com o processo. Na semana passada o país recebeu 176.000 doses da vacina Pfizer, cerca de 50% do que era esperado. As doses em falta devem ser entregues a partir de meados de fevereiro, segundo indicou o ministro da Saúde, Adam Niedzielski.
“Neste momento, temos uma situação em que o fabricante declara que estas diferenças serão cobertas”, disse o porta-voz do governo polaco, Piotr Muller. “Mas se não for este o caso, é claro que terão de ser consideradas medidas legais”, acrescentou.
Maioria dos países adia toma da segunda dose
Sem outra hipótese em cima da mesa, vários países tiveram de adiar o plano de vacinação por algumas semanas, ou até mesmo, adiar a toma da segunda dose, para poderem vacinar mais pessoas com a primeira dose.
França e Países Baixos recomendaram adiar a toma da segunda dose com um espaço de intervalo de seis semanas, em vez de três. O objetivo é que mais pessoas tenham a primeira proteção, enquanto esperam por mais doses. A mesma estratégia está a ser usada no Reino Unido, país também afetado pelo atraso da farmacêutica.
Também a Croácia já avisou que o processo de vacinação irá abrandar nas próximas semanas. A quebra nas entregas causa o adiamento não só de todo o processo, como da toma da segunda dose em concreto, indicaram as autoridades sanitária croatas.
Segundo a EMA, a segunda dose tem de ser tomada no máximo 42 dias depois da primeira. Contudo, a Pfizer já avisou que não tem provas de que a vacina tenha a mesma eficácia se a segunda dose for administrada mais de 21 dias após a primeira.
Hungria compra vacinas que a UE ainda não aprovou
A Hungria virou-se para outro lado quando as entregas começaram a falhar na Europa. Nas palavras do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, na sua entrevista à rádio semanal, “se não há vacinas na União [Europeia], vamos buscá-la a outro sítio”. “Não é admissível que os húngaros morram por causa disso”, acrescentou.
A Hungria fez um acordo com a Rússia para comprar “grandes quantidades” da vacina contra a Covid-19 Sputnik V. Além desta, também encomendou um milhão de doses da vacina chinesa Sinopharm e aguarda autorização dos inspetores húngaros, que estão atualmente em Pequim. As duas vacinas não foram ainda avaliadas pelo regulador europeu. Já foram aprovadas as vacinas da Pfizer e Moderna e as próximas a serem discutidas são as vacinas da AstraZeneca e a da Johnson&Johnson.
Pressão da Comissão Europeia
Perante o primeiro anúncio da quebra nas entregas, por parte da Pfizer, a presidente da CE, Ursula von der Leyen, lembrou a farmacêutica de que “temos um contrato, precisamos das vacinas agora”. A presidente da CE telefonou ao conselheiro da Pfizer, a Comissão reuniu-se com o conselho responsável pela estratégia de vacinação na EU e a Pfizer acabou por anunciar que o atraso nas entregas seria de “uma semana”. “Reagimos com firmeza, batemos com os punhos na mesa e, finalmente, os atrasos anunciados de várias semanas foram reduzidos“, disse Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, no domingo.
Charles Michel falava em entrevista à rádio francesa Europe 1, onde pedia que as farmacêuticas fossem transparentes nos motivos que as levam a atrasar as entregas das vacinas contra a Covid-19.
Também no domingo a CE pressionou a AstraZeneca para entregar “o mais rapidamente possível” as doses contratualizadas, através duma carta enviada à farmacêutica pela comissária europeia da Saúde, Stella Kyriakides, para solicitar esclarecimentos adicionais. Segundo o porta-voz do executivo comunitário, Stefan De KeersmaeckerNessa, a comissária pediu que se cumprisse o acordo e reiterou “que a capacidade de produção tem de se adequar à conduta dos estudos clínicos para assegurar a disponibilidade das vacinas o mais rapidamente possível”.
“A Comissão espera que as condições contratuais sejam respeitadas e isto é crucial para a saúde dos nossos cidadãos”, concluiu o porta-voz.
Esta segunda-feira, a comissária europeia referiu que “a UE quer que as doses já encomendadas e já pagas sejam distribuídas o mais rapidamente possível e que o contrato seja respeitado na totalidade”. E ameaçou: “A UE vai adotar qualquer ação necessária para proteger os seus cidadãos e os seus direitos”.
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