Tribunal de Contas critica atrasos e falta de fiscalização no lay-off simplificado

O Tribunal de Contas diz que o relaxamento do controlo prévio à atribuição do lay-off simplificado devia ter sido compensado por fiscalização posterior mais exigente do que a que se verificou.

Ainda que o lay-off simplificado, pelo seu desenho “claro”, “flexível” e “abrangente”, tenha permitido disponibilizar rapidamente apoios financeiros às empresas em crise, foram verificados atrasos na validação dos pedidos submetidos, o que pode ter comprometido a celeridade na transferência das ajudas, salienta o Tribunal de Contas (TdC). Num relatório sobre a implementação da medida extraordinária em causa, a entidade critica a falta de fiscalização no momento posterior à atribuição dos apoios, dizendo que o controlo devia ter sido mais exigente, uma vez que os mecanismos prévios à concessão das ajudas foram relaxados para acudir aos empregadores com a maior rapidez possível.

“O objetivo, de conceder, de forma rápida, apoio financeiro a entidades empregadoras e aos seus trabalhadores que em resultado da epidemia da Covid-19 se encontravam numa situação de crise empresarial, foi alcançado“, começa por sublinhar o TdC, no documento conhecido esta quarta-feira. Para essa celeridade contribuiu sobretudo o desenho da medida, que tomou o lay-off clássico por alicerce e “observou os princípios da clareza, coerência e baixa complexidade“, características que também permitiram a “mutuação contínua” do apoio ao longo dos meses, em função da evolução da crise sanitária e económica, é dito no relatório em questão.

Ainda assim, o Tribunal de Contas identifica falhas no regime extraordinário lançado para “salvar” postos de trabalho, denunciando, por exemplo, “atrasos na validação dos pedidos de adesão” entregues pelas entidades empregadores à Segurança Social. “Os procedimentos, por serem claros e acessíveis, facilitaram a adesão à medida. Porém, verificaram-se atrasos na validação“, lê-se no relatório.

“No final de março, apenas existiam pedidos validados de entidades empregadoras dos distritos de Lisboa, Aveiro, Coimbra, Setúbal e Portalegre, embora nesse mês tenham também sido apresentados pedidos de outros distritos”. De notar que esse foi o mês de lançamento da medida, pelo que os procedimentos ainda não estavam a funcionar “a todo o vapor”. Aliás, nessa ocasião, ministro da Economia admitiu mesmo que o Governo tinha defraudado as expectativas dos empresários no pagamento dos apoios.

"O objetivo, de conceder, de forma rápida, apoio financeiro a entidades empregadoras e aos seus trabalhadores que em resultado da epidemia da Covid-19 se encontravam numa situação de crise empresarial, foi alcançado.”

Tribunal de Contas

A demora na validação dos pedidos manteve-se, ainda assim, meses depois do lançamento do regime. “A 30 de junho, os pedidos validados cobriam apenas 70% dos pedidos submetidos“, é detalhado. O TdC explica que esses atrasos se deveram à “precipitação dos acontecimentos” e ao “grande número de pedidos recebidos”. Justificações à parte, esses atrasos, diz a entidade, tiveram “reflexos no pagamento célere do apoio”.

Fiscalização devia ter sido “mais exigente”

No relatório agora conhecido, o Tribunal de Contas alerta, também, que a fiscalização do lay-off simplificado devia ter sido mais apertada. “O relaxar, por um lado, do nível de exigência dos controlos prévios em prol da celeridade na concessão do apoio, é admissível desde que seja assegurada, por outro lado, a implementação de outros controlos e verificações internas (ex-post) adaptados à configuração específica desta medida, o que não se demonstrou ter ainda existido”, é frisado no documento divulgado esta quarta-feira.

No entendimento do Tribunal de Contas, sabendo-se que em contexto de pandemia a fiscalização prévia é aligeirada, devem ter sido criados “controlos e verificações” posteriores à atribuição dos apoios “mais exigentes” para mitigar os riscos de erro e fraude. Por exemplo, poderia ter sido fixada a obrigação de envio dos “recibos do vencimento efetivamente pago ao trabalhador colocado em situação de lay-off, assinados por estes, com a referência à modalidade adotada (suspensão do contrato ou redução do período normal de trabalho)”, sugere o TdC.

No lay-off simplificado, cabe ao empregador pagar o vencimento (com um corte máximo de 33%) aos trabalhadores, recebendo, depois, da Segurança Social um apoio para esse fim. No entanto, há relatos de trabalhadores que apenas receberam das empresas uma parte do salário, isto é, alguns patrões não adiantaram a fatia que seria, mais tarde, coberta pela Segurança Social.

O TdC sublinha também que as ações de fiscalização levadas a cabo pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) cobriram apenas “cerca de 4% dos trabalhadores incluídos nos pedidos validados a 30 de junho, notando-se que não foram instituídos outros mecanismos de controlo capazes de detetar outras situações de risco”.

O relaxar, por um lado, do nível de exigência dos controlos prévios em prol da celeridade na concessão do apoio, é admissível desde que seja assegurada, por outro lado, a implementação de outros controlos e verificações internas (ex-post) adaptados à configuração específica desta medida, o que não se demonstrou ter ainda existido.

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É importante referir que, apesar do relaxamento do controlo, foram fixados dois procedimentos com esse fim prévios à atribuição do apoio: o impedimento da submissão de requerimentos por período superior a 30 dias, quer no pedido inicial, quer nas prorrogações; e a confirmação da situação contributiva e tributária das entidades empregadoras.

Além disso, no exercício do contraditório, o Ministério do Trabalho responde a estas críticas sublinhando que como medida de controlo adicional, “está previsto e em preparação um protocolo para troca de dados com a Autoridade Tributária, que permitirá verificar os níveis de quebra de faturação indicados pelas entidades empregadoras no momento do requerimento do apoio”. E destaca que a ação da ACT intensificou-se, na segunda metade de 2020.

O TdC aponta falhas, além disso, ao próprio desenho do lay-off simplificado, avisando que nem todas as situações foram acauteladas. Por exemplo, “não foi considerada a possibilidade de verificar se os trabalhadores colocados em situação de lay-off foram devidamente informados pela entidade empregadora, quanto à modalidade escolhida (suspensão do contrato de trabalho ou redução do período normal de trabalho), o que aumenta o risco de situações irregulares”, como também não foram fixados “critérios para ponderar a diferente exposição dos setores de atividade e a viabilidade das empresas à pandemia.

Além disso, o Tribunal de Contas salienta que “o critério para a elegibilidade relativo à quebra de 40% da faturação medida por referência a um período que inclui apenas os últimos 2 meses, pode originar tratamentos desiguais face à sazonalidade de certos negócios“. Esta “falha” já não se coloca, uma vez que o lay-off simplificado está hoje disponível apenas para as empresas encerradas por imposição legal e já não permite que empresas que tenham quebras significativas, mas continuem abertas, possam aderir.

No exercício do contraditório, o Ministério do Trabalho responde a estas críticas dizendo que “se privilegiou um apoio rápido e abrangente, face ao impacto generalizado e transversal da crise sanitária sobre a globalidade das atividades económicas, em detrimento de um direcionamento específico para alguns setores de atividades ou determinadas entidades empregadoras precisamente para prevenção do elevado risco de possível exclusão inadvertida de setores e entidades empregadoras igualmente afetadas e não previstas”.

TdC diz que falta de informação prejudica transparência

No relatório sobre a implementação do lay-off simplificado, o Tribunal de Contas sublinha que “não se conhece a informação sobre os motivos de adesão das entidades empregadoras, número de prorrogações, prazos médios de deferimento e datas de pagamento”, o que “limita o acompanhamento, avaliação da execução e a identificação dos impactos” do regime. “A falta dessa informação e a sua não publicação periódica até ao final do ano 2020 prejudicou a transparência sobre a utilização dos recursos públicos disponibilizados“, atira a entidade.

“Esta falha de informação é tanto mais relevante quanto a evolução da pandemia vai exigindo respostas contínuas e auxílios específicos que serão tão mais eficazes à proteção dos empregos quanto mais o seu desenho e respetiva implementação for fundamentada pela informação que resulte da aplicação da medida que a antecedeu“, acrescenta o TdC.

O Ministério do Trabalho responde, no exercício do contrário, garantindo que a “disponibilização de informação de monitorização da evolução e acompanhamento das medidas foi um dos procedimentos prioritários que foram implementados”.

O TdC recomenda, ainda assim, ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social que “providencie pela produção de informação fiável, completa e oportuna sobre o universo de beneficiários”, bem como “pela criação de mecanismos de controlo que garantam a recolha e tratamento da informação necessária à respetiva monitorização, avaliação e publicitação”.

Outra recomendação endereçada ao Ministério de Ana Mendes Godinho é que, no desenho de futuros apoios à manutenção dos postos de trabalho, pondere “a definição de objetivos e critérios de adesão mais orientados e específicos, assegurando a prevenção do risco de exclusão dos que mais precisam”.

O TdC deixa também recomendações ao Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social (ISS), apelando a que “diligencie, em articulação com o Instituto de Informática, pela implementação de procedimentos de controlo e validação da informação registada relativa à adesão ao lay-off simplificado, além de pela “divulgação periódica de informação sobre indicadores de execução financeira da medida lay-off simplificado, critérios de elegibilidade e motivos de indeferimento. Em reação, no exercício do contraditório, o ISS assegura que, entretanto, “já se encontram implementados os procedimentos de controlo e validação da informação”.

Criado em resposta à pandemia de coronavírus, o lay-off simplificado permite aos empregadores em crise suspender os contratos de trabalho ou reduzir os horários de trabalho, ao mesmo tempo que lhes garante um apoio para o pagamento dos salários e a isenção total das contribuições sociais.

Segundo os dados citados pelo Tribunal de Contas, até 30 de junho (altura em que o acesso ao regime ficou mais apertado), foram recebidos 114.200 pedidos de adesão, tendo a medida apoiado efetivamente 101.229 empresas (das quais 67% microempresas) e 820.739 trabalhadores. Foi em Lisboa que mais trabalhadores foram colocados neste regime (cerca de 523 mil ou 30,9% do universo total), seguindo-se o Porto (320 mil trabalhadores ou 18,9%) e Braga (190 mil e 10,6%).

“A maioria dos trabalhadores em lay-off pertence à indústria transformadora (22,3%) seguindo-se o comércio por grosso e a retalho; reparação de veículos automóveis e motociclos (17,9%), alojamento, restauração e similares (17,1%) e atividades administrativas e dos serviços de apoio (10,1%)”, é detalho no relatório agora conhecido.

O Tribunal de Contas salienta, por outro lado, que o lay-off simplificado foi um instrumento igualmente popular entre os demais Estados-Membros da União Europeia, tendo a maioria dos países permitido o acesso a empresas com quebras até abaixo de 30%. Em Portugal, a quebra de faturação mínima foi de 40%, mas na Alemanha, por exemplo, esse limite fixou-se nos 10%. “A retribuição ao trabalhador variou entre os 50% e os 100% do salário”, observa o TdC.

É importante salientar também que o lay-off simplificado foi a medida que “mais recursos absorveu no primeiro semestre de 2020”, com uma despesa associada de 629 milhões de euros e uma perda de receita (por via da isenção das contribuições sociais) de 258,2 milhões de euros, remata o Tribunal de Contas.

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