Como é ser advogado versus professor universitário? “Ser professor é um desafio constante”, diz Rita Lynce de Faria

Em 1996 começou a dar aulas, mas a sua paixão pelo ensino começou muitos anos antes. À Advocatus, Rita Lynce de Faria, consultora da SRS Advogados, partilhou a sua história.

Começou a “dar aulas” aos sete anos com os irmãos, mas profissionalmente, desde 1996, que Rita Lynce de Faria, consultora da SRS Advogados, se dedica ao ensino universitário. Em 2016 integrou a equipa da firma liderada por Pedro Rebelo de Sousa, dedicando-se à área de contencioso.

A consultora dá aulas na Universidade Católica Portuguesa e pontualmente colabora com outras Universidades, como a Universidade de Lisboa ou a Universidade Nova, bem como com outras instituições, como o Centro de Estudos Judiciários e a Ordem dos Advogados.

Quando começou a dar aulas?

Comecei a dar aulas quando tinha apenas sete anos e brincava às escolas com os meus irmãos e primos, que não tinham outra opção senão ouvir-me. Já dou, por isso, aulas há muito tempo.

Profissionalmente, em 1996. Fui convidada pela Direção da Faculdade no mesmo ano em que terminei a licenciatura, por ter concluído o curso com uma das melhores médias daquele ano.

O que pesou para essa decisão de lecionar?

Pesou a vontade de colocar a render os dons que sentia ter desde pequena ao serviço dos outros. Como sempre gostei de estudar e aprofundar temas complexos e tentar transmiti-los de forma simples, senti, desde cedo e com alguma naturalidade, que seria na investigação e no ensino que mais me realizaria. Talvez por isso, desde o primeiro ano do curso que já sabia que queria ficar a dar aulas na Universidade. E a verdade é que, até hoje, nunca saí da Universidade…

Em que faculdades dá aulas?

Dou aulas na Universidade Católica Portuguesa, onde sou professora auxiliar. No entanto, pontualmente e por convite, tenho colaborado também com outras Universidades, como a Universidade de Lisboa ou a Universidade Nova, bem como com outras instituições, como o Centro de Estudos Judiciários e a Ordem dos Advogados.

Tento passar como principal mensagem que o Direito não é uma ciência abstrata, mas sim uma ciência humana muito concreta que interfere com a vida das pessoas, na busca de um dos bens mais essenciais à vida em sociedade, que é a Justiça.

Rita Lynce de Faria

Consultora da SRS Advogados

O que diferencia hoje um aluno de direito face aos de há uma década?

O aluno de Direito de hoje é ainda mais aberto de pensamento, com um maior espírito crítico e criativo. A experiência internacional já não é uma mera hipótese, é uma necessidade, pela sede de experiência e de experimentação que lhe é própria.

Por tudo isto, o perfil do aluno atual constitui também um desafio para o professor de hoje, levando-nos a questionar também a nós, professores, sobre a adequação das metodologias e desafiando-nos a ir também mais longe e a superar-nos nas formas de transmissão do conhecimento. Porque ser professor é um desafio constante, não apenas pela exigência de uma permanente atualização científica, como pela exigência de uma cada vez maior criatividade na transmissão de conhecimentos a um público sempre em evolução.

O que tenta passar como mensagem principal do que é o direito?

Tento passar como principal mensagem que o Direito não é uma ciência abstrata, mas sim uma ciência humana muito concreta que interfere com a vida das pessoas, na busca de um dos bens mais essenciais à vida em sociedade, que é a Justiça. Mas que nem sempre essa Justiça é possível de realizar porque também padece das limitações da condição humana, imperfeita por natureza.

Mas há algo que está na mão e na escolha de cada um: a integridade e honestidade com que exercem a profissão e a humanidade com que lidam com cada pessoa. E nessa atitude também está o Direito.

Se tivesse de escolher: professor/a universitário/a ou advogado/a no escritório?

Professora universitária. Embora ache que são funções complementares uma vez que não faz sentido ensinar Direito alheado da realidade do caso concreto, a minha vocação é sobretudo de ensino e investigação. Apesar disso, fiz o estágio de advocacia, precisamente porque considero que a teoria sem a prática fica necessariamente mais pobre. Senti que não podia ensinar com propriedade e transmitir conhecimentos de forma cativante sobre aquilo que sei, mas que não experienciei.

E talvez porque quis demonstrar que não é verdadeira a máxima de que “quem sabe faz e quem não sabe, ensina”.

Porque ser professor é um desafio constante, não apenas pela exigência de uma permanente atualização científica, como pela exigência de uma cada vez maior criatividade na transmissão de conhecimentos a um público sempre em evolução.

Rita Lynce de Faria

Consultora da SRS Advogados

O que lhe ‘rouba’ mais tempo?

Neste momento dedico cerca de metade do meu tempo a cada atividade. Mas tive várias fases na vida.

Depois de acabar o curso, apesar de ter começado logo a dar aulas na Universidade, dediquei mais tempo à advocacia porque estava a fazer o estágio.

Depois de ser advogada, senti-me chamada a largar a advocacia para me dedicar exclusivamente à carreira académica para poder fazer o mestrado e o doutoramento. E fi-lo durante um período de tempo que a nível pessoal foi muito bom – tive quatro filhos entretanto – mas que foi especialmente exigente.

E depois do doutoramento, senti que tinha chegado a altura de distribuir o meu tempo pelas duas atividades para poder juntar as sinergias e as aprendizagens de ambas. E por isso, atualmente, continuo a investigar e a lecionar na Universidade, mas sou também consultora da SRS advogados, distribuindo o meu tempo entre as duas atividades.

Fachada da SRS Advogados

Os cursos melhoraram com Bolonha?

Tornaram-se muito mais flexíveis e por isso mais adaptados à prática atual do Direito, muito mais abrangente e em permanente evolução. Desde Bolonha que os alunos podem escolher grande parte das disciplinas do seu curso, moldando-o aos seus interesses em função daquilo que pretendem fazer no futuro. Ou seja, embora, em teoria, exista apenas um curso de Direito, na prática existem vários cursos de Direito, em função de cada aluno.

E como avalia os cursos em Portugal?

Pelo menos os cursos de Direito que conheço – Universidade Católica, Universidade de Lisboa, Universidade Nova e Universidade de Coimbra –, têm todos um alto nível de qualidade científica e pedagógica. Os restantes conheço menos bem. Mas a tradição do ensino do Direito em Portugal é grande e internacionalmente reconhecida.

Há universidades que ensinam o direito que deveriam fechar por falta de qualidade?

Admito que não tenho um conhecimento abrangente dos cursos ministrados em todas as Universidades de Direito para poder responder a esta questão. Para além disso, acredito que a lógica de tensão constante de procura-oferta, que funciona como base das Economias de Mercado nas sociedades em que vivemos, funciona também neste contexto, pelo que um dos maiores indicadores relativamente à qualidade de uma Universidade será sempre o feedback que recebe dos seus alumni e que permite concluir sobre a taxa de empregabilidade dos mesmos.

O facto de estar num escritório e lecionar na Universidade acaba por aproximar os dois mundos, com benefícios recíprocos.

Rita Lynce de Faria

Consultora da SRS Advogados

O Estado investe pouco no ensino universitário?

De um ponto de vista estritamente financeiro, não acho que o Estado invista pouco no ensino universitário; mas, de um ponto de vista da criação de condições para a autonomização das instituições de ensino, penso que investe muito pouco. Temos um Estado cada vez mais centralizador de competências que, a meu ver, deviam pertencer (como já pertenceram no passado) às Universidades.

De que forma as suas ‘skills‘ como professor(a) ajudam no exercício da advocacia?

O meu mind set como professora modela todas as minhas atividades, incluindo a advocacia. A forma de pensamento, análise e abordagem das questões jurídicas, a sistematização de raciocínio, a organização mental e a facilidade na análise aprofundada de diversos temas jurídicos (e até não jurídicos) funcionam como uma mais-valia na minha função de consultora de um escritório de advogados. Para além disso, a prática de simplificação e exposição de temas que são muito complexos, por motivações didáticas, bem como a facilidade de assumir uma posição equidistante em relação a temas controversos, contribuem em muito para uma defesa mais eficaz da posição do cliente.

E o contrário também é verdadeiro: o que aprendo com a advocacia ensino aos meus alunos, para que não exista um fosso entre a teoria que ensino e a realidade que irão encontrar nas suas vidas profissionais.

Estamos ainda com demasiados licenciados em direito?

O curso de Direito é tão abrangente e polivalente que as saídas profissionais de antigamente já não representam, nem condicionam necessariamente, o destino dos licenciados em Direito. Conheço muito bons gestores que tiraram o curso de Direito, empreendedores de vária ordem e até artistas licenciados em Direito. Mesmo não exercendo Direito, o modus operandi que a aprendizagem do Direito lhes deu, foi muitas vezes parte significativa do caminho para fazerem o que fazem hoje, com uma mais valia que outras formações não dariam. Daí que não possa fazer uma afirmação linear no sentido de existirem demasiados licenciados em Direito.

A universidade funciona também como forma de recrutar os melhores alunos para o seu escritório?

Naturalmente que o facto de estar num escritório e lecionar na Universidade acaba por aproximar os dois mundos, com benefícios recíprocos. Tenho vários ex-alunos que são hoje advogados no escritório em que trabalho.

Tal não significa, no entanto, que eu tenha alguma intervenção no recrutamento de alunos para o escritório no qual trabalho, processo que me é totalmente alheio. Mas é natural que, para a escolha dos alunos, não seja fator irrelevante o facto de num determinado escritório trabalhar alguém que para eles possa ter constituído referência durante o curso. Para além de outros fatores como o facto de a sociedade com quem trabalho ser uma das maiores sociedades de advogados do nosso país.

E ensinar em plena pandemia? Como descreve a experiência?

É um desafio, sem dúvida. O contacto presencial e a proximidade entre aluno e professor constituem elementos fundamentais do ensino. Há muito que se transmite para além da informação técnica, e para o qual a interação física é essencial. No entanto, as ferramentas tecnológicas hoje existentes são tantas e tão eficazes, que permitem minimizar em grande parte as desvantagens de um ensino à distância.

Diria, por essa razão, que a experiência está a ser boa como um todo, porque me faz sair da minha zona de conforto e me desafia a descobrir, de forma criativa, formas diferentes de ensinar e de conseguir cativar os alunos.

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